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Direito eleitoral

Mandato coletivo é inconstitucional

Não há, em nenhum dispositivo do Código Eleitoral, qualquer referência à possibilidade de 'inscrição coletiva'

Dalmo de Abreu Dallari
28/09/2018|16:00
Exército urnas
Imagem da urna eleitoral eletrônica para eleições presidenciais de 2022. Crédito: Nelson Jr./ASICS/TSE

O mandato para representar o povo numa das instituições da República só pode ser concedido a uma determinada pessoa, sendo, portanto, necessariamente individual. É o que dispõem as normas constitucionais e legais brasileiras que fixam as regras para a prática do sistema representativo. Surpreendentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal autorizou um candidato a se apresentar, no sistema oficial de votação, como “mandato coletivo”.

Noticiando essa absurda decisão, o jornal “O Estado de São Paulo” (Ed. de 26-9-18, pág. A4) complementa a informação transmitindo a opinião do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Marcelo Ribeiro, que faz a distinção entre um pacto celebrado por um grupo de pessoas, para que uma delas se apresente formalmente como candidato e, se eleito, exerça o mandato seguindo a orientação do grupo, o que significa um acordo de fato, não jurídico e, diferentemente disso, o pretenso “mandato coletivo”, que tornaria obrigatória a obediência às determinações do grupo, para aquele que figurasse formalmente como titular do mandato eletivo.

Entre os direitos fundamentais da pessoa, consagrados na Constituição, estão os direitos políticos, dispondo o artigo 14 que “a soberania popular será exercida pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Os direitos de alistar-se como eleitor, votar e ser votado são direitos individuais subjetivos. Como bem observa o eminente constitucionalista José Afonso da Silva, foi consagrado na Constituição brasileira o princípio “one man, one vote”, segundo o qual cada eleitor ou eleitora tem o direito de expressar sua vontade política através do voto, que é individual e secreto (Comentário Contextual à Constituição, São Paulo, Ed. Malheiros, 2014, págs. 218/9).

Como fica evidente, sendo um direito individual subjetivo o direito de votar e de ser votado não admite uso coletivo de um mesmo voto. Aliás, o Código Eleitoral Brasileiro estabelece, nos artigos 42 e seguintes, regras precisas a respeito do alistamento eleitoral, que se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor, individualmente.

Não há, em nenhum dispositivo do Código Eleitoral, qualquer referência, direta ou indireta, à possibilidade de “inscrição coletiva” ou “alistamento coletivo”. Cada eleitor pode e deve alistar-se individualmente e depois externar, também individualmente, sua vontade política, o que é direito e dever de cada cidadão ou cidadã.

Evidentemente, para formar sua opinião o cidadão-eleitor sempre será, de alguma forma, influenciado por uma série de fatores, entre os quais se incluem os partidos políticos, que são agrupamentos de eleitores, assim como grupos políticos informais que podem formalizar-se como entidades associativas, mas o direito de votar e ser votado permanece, sempre, um direito individual subjetivo.

A par desses aspectos, existem outros, constantes do Código Eleitoral, que confirmam a característica individual do eleitorado. Assim, por exemplo, ao definir o sistema eleitoral o Código estabelece, no artigo 82, que “o sufrágio é universal e direito; o voto, obrigatório e secreto”. Evidentemente, o eleitor pode, com plena liberdade e em decisão rigorosamente individual, quebrar o sigilo de seu voto ou mesmo combinar, num grupo de eleitores, que os membros desse grupo irão externar o mesmo voto. Isso, entretanto, não retira o caráter estritamente individual do direito de votar e de ser votado, assim como não retira o direito ao sigilo.

O que está mais do que evidente, é o caráter estritamente individual dos direitos eleitorais da cidadania, não havendo qualquer dispositivo que permita o agrupamento de eleitores para transformar os respectivos direitos individuais num direito coletivo. Em complemento a todos esses aspectos, cabe ainda lembrar que a legislação que organiza o sistema eleitoral estabelece o número de eleitores por circunscrição, não havendo qualquer possibilidade legal de tratar um conjunto de eleitores como se fossem um só eleitor.

Além disso tudo, um ponto de fundamental importância é que na contagem dos votos externados e atribuídos a um partido ou candidato não existe a mínima possibilidade de substituir as expressões individuais dos eleitores pela vontade de um coletivo. Assim, pois, fundir um conjunto de mandatos individuais para transformá-los num “mandato coletivo” afronta os princípios constitucionais relativos aos direitos individuais subjetivos, consagrados na Constituição, sendo, portanto, inconstitucional.logo-jota

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