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dentro do legislativo

O problema real das emendas orçamentárias

Reformas de 2015 e 2019 criaram problema estrutural que até hoje não foi resolvido

Beatriz Rey
19/07/2023|05:05
LOA LDO
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso. Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem no último dia 9 de autoria de Daniel Weterman criticando o “toma lá, dá cá” por parte do governo Lula para influenciar votações importantes, como a da reforma tributária. Em um trecho, o repórter escreve: “Nos primeiros sete meses de governo, no entanto, o governo petista pagou emendas do orçamento secreto deixadas por Bolsonaro e ainda fez liberação recorde de recursos ainda menos transparentes: as emendas Pix. Tudo para atender o Centrão e evitar um caos na articulação política". 

A reportagem erra ao criticar o uso das emendas orçamentárias para a construção de base legislativa. Não é a primeira vez que o jornal publica esse tipo de texto, que induz o leitor ao entendimento que o dinheiro das emendas orçamentárias vai para os bolsos dos parlamentares, e não para as bases eleitorais – como, de fato, ocorre. O uso dessas emendas, portanto, consiste em um mecanismo legítimo de representação democrática. Ao optar por esse framing, o jornal também perde a oportunidade de pautar um debate mais produtivo e urgente a respeito dessas ferramentas: o problema estrutural que foi criado a partir das reformas de 2015 e 2019 e até hoje não foi resolvido.  

Comecemos pelo começo. As emendas orçamentárias são ferramentas usadas pelos parlamentares para enviar recursos às suas bases eleitorais. Em minha última coluna, falei sobre a minha experiência com elas no contexto norte-americano, onde trabalhei como assistente legislativa. As emendas servem a três propósitos fundamentais no sistema político brasileiro. Primeiro, alocam recursos necessários para melhorias nas bases eleitorais. Segundo, permitem aos parlamentares reivindicar autoria pelo envio desses recursos, já que elas geralmente estão atreladas a eles. Juntos, esses dois propósitos consistem em um elo importantíssimo do sistema democrático, já que é o sistema de responsabilização operando na prática. Terceiro, as emendas permitem ao presidente da República construir base de apoio legislativa.  

Assim, o “toma lá, dá cá” não é intrinsecamente antirepublicano, já que a negociação política acontece em torno de recursos que são enviados para os eleitores. Seria ideal que a negociação ocorresse com base em programas de políticas públicas? Talvez, mas não conheço nenhum sistema político que opere apenas com base na negociação de ideias. O Brasil não é nenhuma exceção nesse sentido.  

O problema não está, portanto, nas emendas orçamentárias per se. Pelo contrário: as emendas orçamentárias individuais, por exemplo, são extremamente transparentes. Uma consulta rápida ao site da Câmara dos Deputados é suficiente para saber quanto cada parlamentar enviou para qual localidade e com qual finalidade. A questão é que o processo através do qual elas se tornaram transparentes foi longo. Não aconteceu do dia para a noite.   

Em 2015 e 2019, o Congresso resolveu tornar as emendas orçamentárias individuais e coletivas impositivas e igualitárias. Em português claro: o Executivo agora é obrigado a gastar tudo o que está previsto para essas emendas e de maneira igualitária entre todos os parlamentares. Essas reformas retiraram do presidente da República uma ferramenta importante na formação de base legislativa: a liberação das emendas de modo a beneficiar aliados.   

O orçamento secreto nasceu nesse contexto. O governo Bolsonaro se deparou com esse vácuo ferramental quando resolveu promover articulação legislativa. Acabou se apropriando indevidamente das emendas de relator-geral (rubrica RP9), que até então eram usadas para ajustes marginais e, por esse motivo, não tinham sido submetidas à discussão sobre transparência.  

Após a decisão do STF que tornou o orçamento secreto inconstitucional, o Congresso destinou metade das emendas previstas para o relator-geral para emendas individuais e a outra metade para recursos que são distribuídos via ministérios (rubrica RP2). O governo Lula vem usando os recursos dos ministérios (já que as emendas individuais são impositivas e igualitárias) e as emendas Pix (criadas em 2020 e que vão direto para as prefeituras e estados, sem especificação de finalidade de financiamento).   

Chamo atenção para um detalhe importante sobre os recursos distribuídos via rubrica RP2: não se tratam de emendas orçamentárias. Esse dinheiro é objeto de chamamentos públicos publicados pelos ministérios através de portarias para a seleção de projetos cadastrados pelos municípios. Há parlamentares com interesse em apoiar alguns desses projetos nos municípios de suas bases eleitorais, mas a distribuição de recursos via RP2 não foi criada para ser feita nominalmente por parlamentar. Assim, é esperado que não seja possível identificar o parlamentar atrelado a cada projeto financiado via RP2.   

As emendas Pix também não são transparentes porque foram incorporadas no ferramental do Executivo a toque de caixa, sem que se discutisse o regramento ao qual elas deveriam estar submetidas para desempenhar tal função (obviamente também faltou interesse por parte dos próprios parlamentares de torná-las transparentes à época de sua criação). No próximo ano orçamentário, é possível que a única ferramenta para a construção de base legislativa seja justamente a emenda Pix, que concentra os piores problemas de falta de transparência.   

O ideal seria que todas as emendas orçamentárias fossem transparentes como são as individuais. Também seria ideal que elas fossem pensadas dentro do contexto de políticas públicas existentes, de modo que os recursos não ficassem descolados do que está sendo implementado ao redor do país. Ainda, seria importante estudar como esses recursos chegam às bases e fiscalizar o cumprimento da lei nesse processo.  

Há muito para se discutir sobre as emendas orçamentárias. Há muito a ser feito para melhorá-las. Enquanto isso, o jornal critica a única parte sobre elas que efetivamente funciona: o jogo de ganha-ganha-ganha que envolve eleitores, parlamentares e o Executivo. Além da perda de tempo, reportagens como a descrita desinformam o cidadão brasileiro sobre o funcionamento do sistema político do país.   

O jornalismo pode e deve ser melhor.  logo-jota

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