Coluna do Graner

A necessária discussão sobre energia hidrelétrica no Brasil

País vem ‘sujando sua matriz energética’ ao deixar de investir nessa fonte, avalia presidente da Fiemg

Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará / Crédito: Bruno Batista/ VPR

O Brasil deveria repensar sua estratégia para a área energética e voltar a discutir investimentos em hidrelétricas. A opinião é de Flavio Roscoe, presidente da Fiemg e líder do conselho de infraestrutura da CNI. Em conversa com o JOTA, ele destacou que, com a legislação mais amarrada em torno da construção de hidrelétricas com reservatório (lago) nas últimas décadas, o país parou de investir nessa fonte de energia, “sujando sua matriz energética”, mesmo com a entrada de fontes eólicas, solares e de biomassa.

Para ele, a perda relevante de espaço nos últimos 30 anos das hidrelétricas, ainda que continuem a vasta maioria da matriz brasileira, deixou o sistema brasileiro mais suscetível a intermitências. Com isso, com mais frequência é preciso acionar a geração térmica, o que acaba por encarecer, de um lado, os custos para os consumidores e, de outro, acaba sendo mais poluente.

Roscoe defende que é preciso colocar regras de licenciamento simplificado para pequenas hidrelétricas e estimular novamente esse tipo de geração, mirando inclusive a transição energética. O industrial também destaca que a construção de usinas de maior porte com grandes reservatórios, e não a “fio d’água”, pode auxiliar também no controle hídrico e ajudar a evitar ou minimizar episódios extremos, como o recentemente vivido no Rio Grande do Sul.

Estudo da Fiemg mostra que a participação de energias limpas (renováveis) na matriz brasileira caiu de 97% para 89% em 30 anos, mesmo com a entrada e expansão de geração eólica e solar no sistema. Isso ocorre porque, nesse período, houve ampliação do uso de energia térmica a gás. No entendimento do empresário, isso ocorreu porque essas fontes novas de energia não são contínuas, como é o caso das hidrelétricas e das térmicas.

“A continuar assim nós vamos perder a nossa pegada ambiental. É crime ambiental não voltar a incentivar a geração hidrelétrica”, diz Roscoe.

Segundo o trabalho da entidade industrial mineira, se o Brasil conseguisse substituir as fontes não renováveis por hidrelétricas, haveria uma redução geral 19,3% nos custos de energia ao ano. Esse é um importante insumo para o setor.

Roscoe, que se encontrou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que iria levar essa pauta para ele, entre outros assuntos. Haddad é um dos líderes no governo em torno do tema da transição energética, dando uma abordagem de estratégia econômica para o esforço de redução de emissões e contenção da crise climática.

Em jantar recente com jornalistas, a ex-ministra do Meio Ambiente e conselheira do Cebri, Izabella Teixeira, mostrou que discutir o tema é válido e pode entrar no radar também do think tank, que está se debruçando sobre propostas para o Brasil atuar na liderança do processo de transição energética.

Teixeira disse que o grupo não tem uma posição específica sobre se vai propor a retomada de hidrelétricas, mas deixa em aberto a possibilidade de isso entrar no radar das propostas que serão formuladas, e cita especificamente o caso das que têm reservatório, mirando também a questão da crise hídrica.

A ex-ministra ressalta que o Cebri trabalha para fomentar a discussão sobre clima e transição. “Vamos discutir uma nova agenda climática no Brasil. O Brasil tem que parar de ter medo de discutir”, disse Teixeira. Ela tem uma visão bastante pragmática sobre como tratar a questão climática a partir de uma abordagem que considera as implicações e necessidades econômicas, os interesses e disputas internacionais e toda complexidade. “O think tank mostra as complexidades. O Brasil tem que sair da polarização e do negacionismo”, disse.

A despeito das virtudes levantadas por Flavio Roscoe sobre a geração de energia hidrelétrica e da defesa enfática que ele faz a essa matriz, é importante ponderar que essa modalidade também tem problemas e enseja cuidados.

Apesar de ser “limpa” do ponto de emissões de gases, esse modelo tem outros tipos de impactos ambientais negativos. Por exemplo, no risco de extinção de espécies de peixes, alimentação de populações ribeirinhas e mesmo de cidades inteiras, assoreamento de rios e outros choques nas regiões em que são feitos os reservatórios. Muitos ambientalistas são contra esse modelo e tais riscos estão entre os fatores pelos quais os licenciamentos de fato são demorados, quando há projeto.

Nos anos 2000, foram polêmicos os projetos das usinas de Belo Monte, no Pará, e do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), feitas no conceito de “fio d’água”, com reservatórios bem menores para reduzir os impactos ambientais nessas regiões.

De qualquer forma, a discussão proposta pelo industrial é válida, especialmente em um momento no qual o Brasil está à frente do G20 e tem autoridade para discutir a transição energética porque ainda é um país que gera majoritariamente energia limpa.