A decisão do Governo de São Paulo de reduzir para 18% as alíquotas de ICMS incidentes sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, seguida pelo estado de Goiás, incomodou representantes de outros estados. Tanto tributaristas quanto secretários de Fazenda de outras unidades federativas consideram que a diminuição das alíquotas deveria passar pelos Legislativos estaduais. Alguns chegaram a apontar a movimentação do estado de São Paulo como eleitoreira.
O mal-estar está relacionado ainda ao fato de as unidades federativas terem marcada para esta terça-feira (28) audiência pública no STF para tratar justamente da incidência de ICMS sobre os combustíveis. Para representantes dos estados, a movimentação de São Paulo enfraquece o argumento de que seria indevida a tentativa do governo federal de tentar interferir nas alíquotas cobradas sobre os combustíveis.
A redução do ICMS sobre combustíveis anunciada nesta segunda-feira (27) pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), está relacionada à sanção na última quinta(23/6) da Lei Complementar 194/2022. A norma, que é alvo de uma ADI ajuizada nesta terça, prevê que os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são bens e serviços essenciais e indispensáveis, não podendo ter alíquota de ICMS superior à alíquota-base dos estados. O percentual varia entre 17% e 18%, a depender da unidade federativa.
Apesar de a LC 194 entrar em vigor na data de sua publicação, secretários de Fazenda e tributaristas consultados pelo JOTA defendem que a redução das alíquotas não é imediata, tendo que passar pelas Assembleias Legislativas.
A previsão para tanto consta no artigo 24 da Constituição, que prevê que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente, entre outros temas, sobre direito tributário. Os parágrafos 1º e 2º do dispositivo, porém, preveem que “no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais” e que “a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados”.
O artigo gera a interpretação de que, no caso da LC 194, a norma federal apenas estabelece uma regra geral, cabendo aos estados reduzir as alíquotas de ICMS. A leitura gera inclusive uma insegurança aos contribuintes, já que, frente a uma eventual demora na redução das alíquotas, pessoas físicas e jurídicas não teriam outra opção senão recorrer ao Judiciário.
Não é o que pensa, porém, o secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto. De acordo com informativo publicado no Diário Oficial do estado, ele defende que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual”. Na unidade federativa, passaram a 18% as alíquotas incidentes sobre operações com álcool etílico anidro carburante; gasolina; querosene de aviação, exceto quando destinadas a empresas de transporte aéreo regular de passageiros ou de carga; serviços de comunicação e energia elétrica nos casos em que a conta residencial apresenta consumo mensal acima de 200 kWh.
A posição, porém, desagradou secretários de Fazenda de outros estados. Ao JOTA um integrante de uma secretaria descreveu como eleitoreira a redução do ICMS sobre combustíveis sem aval do Legislativo. Garcia, que é pré-candidato à reeleição, anunciou que espera que o litro da gasolina sofra uma redução de R$ 0,48, e que o Procon irá fiscalizar se a alteração no ICMS chegará ao consumidor final.
O mesmo interlocutor defendeu que Garcia está criando um precedente perigoso para o próprio estado. “Ele está entendendo que o Congresso Nacional pode alterar alíquotas [de ICMS]”, disse.
Outro secretário de Fazenda ouvido pelo JOTA acredita que Salto pode até mesmo ser responsabilizado pelo Tribunal de Contas estadual.
Ainda na segunda-feira, após São Paulo, foi a vez de Goiás reduzir as alíquotas sobre combustíveis, energia e telecomunicações. No estado, a alíquota de ICMS aplicada à gasolina passou de 30% para 17%, e a do etanol de 25% para 17%. A unidade federativa espera uma redução na bomba de R$ 0,85 para gasolina e R$ 0,38 para o etanol.
No caso do óleo diesel, houve uma redução de 16% para 14%, com o ICMS calculado sobre a média dos preços praticados nos últimos 60 meses. O governo espera uma redução de R$ 0,14 por litro.
Nos serviços de telecomunicação o ICMS deixou de ter uma alíquota de 29%. No caso da energia elétrica, para consumo residencial de famílias de baixa renda, a alíquota era de 25%, e para os demais consumos 29%.
Supremo
O mal-estar é ainda maior pelo fato de a redução do ICMS sobre combustíveis em SP ter vindo um dia antes de uma reunião com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para discutir a tributação dos combustíveis. Mendes, que é relator da ADPF 984, por meio da qual o governo federal questiona leis estaduais que fixam alíquotas sobre combustíveis superiores às alíquotas-base, promoveu uma audiência de conciliação entre unidades federativas e o Executivo federal para tentar resolver o impasse.
O STF tem quatro ações tratando da incidência de ICMS sobre os combustíveis: ADPF 984 e ADIs 7191, 7164 e 7195. A última delas, protocolada na noite de segunda-feira, questiona justamente a LC 194/22.
A ação foi ajuizada por governadores de 11 estados e do Distrito Federal. Entre outros argumentos, os autores alegam que a LC representa uma intervenção indevida nas contas das unidades federativas e gera uma redução na tributação de combustíveis poluentes.
Na ação, os entes apontam que em 2021 o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados. Apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto.
O principal argumento viria do fato de a norma definir como essenciais combustíveis fósseis, que são altamente poluentes. Além disso, ao prever a vigência imediata, a lei complementar estaria desrespeitando o Plano Plurianual (PPA) dos estados.