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ANEEL

Tarifação eficiente e a modernização regulatória do setor elétrico

Novas tecnologias demandam a revisão de regulações e estruturas tarifárias para garantir absorção do máximo de benefícios

Julio César Moreira Barboza
23/05/2019|06:06
Imagem: Pixabay

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) realizou no mês de abril o Workshop Internacional para Aperfeiçoamento do Modelo Tarifário Brasileiro. No evento, além de terem sido apresentados os resultados dos programas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D) para aperfeiçoamento da estrutura das tarifas da energia elétrica e desenvolvimento do modelo adequado para implantação da mini e microgeração distribuída, desenvolveu-se um diálogo de altíssimo nível entre regulador, agentes e estudiosos do setor elétrico.

A partir do intercâmbio de dados e informações vindos de perspectivas diversas, os desafios enfrentados tornam-se mais claros. E é possível ver que, para muitos deles, não estamos sozinhos na busca por soluções. Em todo o mundo, mudanças tecnológicas demandam respostas regulatórias, não só para garantir a atualidade do setor, mas porque incorporar novas tecnologias significa também adequar os modelos vigentes para aproveitar as potencialidades que surgem.

Veja-se por exemplo o caso dos smart meters, medidores inteligentes que registram o consumo de energia em períodos mais curtos, até mesmo de hora em hora. A viabilidade de coleta, envio e processamento de dados de consumo praticamente em tempo real alterou profundamente o planejamento do setor, na medida em que se tornou possível a emissão de sinais de preço mais adequados, com cobranças diferenciadas de acordo com o horário de consumo da energia. Para o consumidor, sinais de preço mais adequados permitiriam a adaptação do consumo, possivelmente alterando hábitos para economizar nos horários em que a energia seria mais cara. Para as distribuidoras, a mudança no padrão de consumo poderia gerar um alívio nos momentos de maior carga na rede, liberando recursos para outros investimentos.

O aproveitamento dessa nova tecnologia, contudo, dependia de adequações regulatórias. Mantido o modelo tradicional de tarifação, no qual se estabelece uma tarifa média, o uso dos medidores inteligentes não traria tantos benefícios. Mas o redesenho do modelo de tarifação abriu diversas possibilidades: a cobrança em tempo real (ou real time pricing, com tarifas variando de hora em hora), a realização de cobranças diferenciadas quando identificados momentos de pico (ou critical peak pricing, com tarifas significativamente mais altas para aliviar a carga), e a cobrança por faixas de consumo com preços definidos de acordo com a carga esperada (ou time of use, com tarifas fixas para momentos de carga alta, intermediária e baixa), são todos modelos de tarifação diferenciados que mudam o balanço entre o risco atribuído ao consumidor e a precificação adequada da energia. São diferentes respostas regulatórias, já dadas em locais que enfrentaram o mesmo dilema1. Por aqui, nossa resposta foi a precificação por faixas de consumo, o modelo estabelecido pela ANEEL com a chamada Tarifa Branca2.

O dilema do momento é o da geração distribuída. Com a queda vertiginosa do preço das células solares3, a adesão à geração distribuída tornou-se quase tão simples quanto comprar um móvel novo para casa4. E a falta de adaptações regulatórias adequadas pode se mostrar catastrófica, diante da complexidade do cenário existente.

Além de tornar possível a absorção do máximo dos benefícios da nova tecnologia, é necessário balancear interesses e incentivos. As distribuidoras já incorreram em altos custos, e tem o direito constitucionalmente garantido de recuperar seu investimento dentro dos parâmetros econômico-financeiros dos respectivos contratos.

Por outro lado, o uso de energias renováveis que não seriam aproveitadas de outra forma deve ser estimulado, e a escolha do consumidor pela geração distribuída vai depender do seu sentido econômico. Contudo, a cada usuário que compensa seu consumo com a energia gerada, o custo da distribuidora passa a ser dispersado entre menos uma unidade, fazendo com que o ônus recaia sobre os consumidores restantes (inclusive aqueles de renda mais baixa). Como fazer com que o ônus de suportar os custos do sistema de distribuição sejam dispersados de forma eficiente, sem desincentivar o desenvolvimento da energia solar ou prejudicar as distribuidoras?

A resposta de consenso é pelo preço, com a redefinição dos modelos tarifários. Mas claramente mais fácil dito do que implementado. O desenho desse modelo depende de análises técnicas e econômicas complexas, levando em consideração as nossas muitas peculiaridades. No já mencionado Workshop, discutiu-se como aperfeiçoar nosso modelo tarifário para garantir que benefícios sejam percebidos pelos consumidores, manter o equilíbrio econômico-financeiro do setor e promover seu desenvolvimento sustentável.

As propostas, evidentemente, envolvem uma dose quase letal de engenheirês e economês5. Mas fato é que a regulação vai muito além de problemas técnicos e econômicos. Para o desenvolvimento do setor, a tarefa de traduzir tecnologias e modelos econométricos em regras e princípios, bem como sua interpretação, implementação e operacionalização, passa pelo mundo do direito. E é também do operador do direito o papel de representar o interesse dos agentes do setor, para garantir que as decisões tomadas sejam adequadas ao resto de nosso ordenamento.

Isolados, os desafios já são grandes. Integrar os campos é ainda mais difícil. Mas fato é que iniciativas como a da ANEEL criam oportunidades valiosas para que os setores público e privado mostrem seu comprometimento com novas ideias e se aliem na apresentação de propostas para modernização do setor. E há, especialmente no direito, muito espaço para se contribuir.

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1 É possível encontrar uma breve explicação sobre esses e outros modelos de tarifação no site <https://www.smartgrid.gov/recovery_act/time_based_rate_programs.html>, do Departamento de Energia dos EUA.

2 A Tarifa Branca é um modelo diferenciado opcional para unidades consumidoras com média anual de consumo mensal superior a 250kW/h desde o início desse ano. Em 2020, a opção estará disponível para todas as unidades consumidoras.

3 A queda nas últimas quatro décadas é de 99%, de acordo com estudo desenvolvido por pesquisadores do Massachussets Institute of Technology (MIT), reportado em <http://news.mit.edu/2018/explaining-dropping-solar-cost-1120>

4 Inclusive, em países como o Reino Unido, Alemanha e Itália, a IKEA - multinacional sueca e a maior varejista de móveis do mundo, famosa por fabricar peças de fácil montagem pelos clientes - já vende e instala painéis solares.

5 E podem ser encontradas no site: <https://www.workshoptusd.com>

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