Juntamente com a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – a qual prevê que a pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial – a Súmula 5 do STJ é um dos verbetes sumulares mais utilizados no juízo de admissibilidade dos recursos especiais, e cuja incidência, no caso concreto, cria óbice intransponível à via recursal.
Objetivamente, a Súmula 5 do STJ estabelece que “[a] simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Trata-se de um pressuposto específico de admissibilidade do recurso especial, relacionado à limitação sobre as matérias passíveis de submissão e julgamento pelo referido tribunal, a fim de observar e assegurar o papel do STJ como órgão máximo de proteção e interpretação das leis infraconstitucionais.
Cabe pontuar, ainda, que a Súmula 5 do STJ foi concebida como um espelho da Súmula 454 do Superior Tribunal Federal (STF), a qual estabelece, igualmente, que a “[s]imples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário”, corroborando a incidência deste óbice recursal na admissibilidade de recursos excepcionais fundados em lei constitucional e federal – respectivamente, ao STF e ao STJ.
O objetivo da Súmula 5 do STJ
Como estas autoras já tiveram a oportunidade de discorrer anteriormente,[1] o STJ foi criado com o objetivo de uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil, atribuição que é absolutamente incompatível com a pretensão de revisão e de nova interpretação sobre cláusulas contratuais, porquanto extrapola o objetivo da via excepcional, que é a análise de questões de direito infraconstitucional, as quais, nessa condição, extrapolam o caso concreto.
Como colocado pelo Ministro Eduardo Ribeiro, em um dos acórdãos que culminou na edição da Súmula 5 do STJ, “a interpretação de contrato não abre espaço para interposição de recurso especial, cabível quando for contrariada ou negada vigência à lei, ou quanto esta tiver sido objeto de entendimento diverso em julgado de outro Tribunal”[2].
De fato, ao STJ é conferida a competência restrita de “guardião da lei federal”, o que decorre do seu próprio cabimento, previsto na Constituição Federal (“CF”). O artigo 105, inciso III, da CF, deixa claro que ao STJ compete analisar as causas decididas em única ou última instância quando houver (i) contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal; (ii) discussão acerca da validade de ato de governo local em face de lei federal; e (iii) sido dada à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha atribuído outro tribunal.[3]
E precisamente por precisar se ater à interpretação da lei federal, não deve o STJ se adentrar na análise de meras questões de fato, particulares a um determinado caso, mas sim examinar argumentos eminentemente jurídicos e matérias exclusivamente de direito, desde que, naturalmente, estejam eles fundados na análise sobre a legislação federal para se dirimir a controvérsia.
Daí porque, revisitar e conferir novas interpretações a cláusulas contratuais é matéria excluída da competência do STJ, na medida em que se insere no plano dos fatos, pois, não raro, reflete o que foi pactuado pelas partes, em contrato, no caso concreto (questão fática), e não se relaciona à interpretação de lei federal (questão de direito).
A jurisprudência recente acerca da Súmula 5 do STJ
Na prática, a Corte Superior tem crivo bastante restritivo ao se deparar com alegações referentes a cláusulas contratuais. Ainda que se sustente abusividade no contrato ou aplicação errônea do direito frente ao estipulado contratualmente, é comum haver resposta negativa ao juízo de admissibilidade recursal, com fundamento na Súmula 5 do STJ, quando as cláusula contratuais são usadas como fundamento para anulação ou reforma de julgado.
A título exemplificativo, o STJ já entendeu que “rever o entendimento do tribunal de origem, que concluiu pela inexistência do direito de indenização e pela retenção por benfeitorias, esbarra nos óbices das Súmulas 5 e 7 do STJ”.[4] No caso, a discussão se fundava em contrato de comodato, que continha previsão a respeito das benfeitorias sobre imóvel e eventuais direitos de retenção e indenização delas decorrentes.
Noutro giro, o STJ também negou admissibilidade a recurso especial sob o fundamento de que o tribunal a quo havia concluído que “os vícios construtivos não estavam previstos nas apólices discutidas nos autos”, tornando “indispensável a interpretação de cláusula contratual e o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que, na via estreita do recurso especial, esbarra nas Súmulas 5 e 7 do STJ.”[5] Discutiam-se, no caso, disposições de contratos de seguro habitacional obrigatório do Sistema Financeiro de Habitação.
Em processo que tratava da responsabilização da Caixa Econômica Federal por inadimplementos de mutuário no âmbito de contrato de compra e venda de imóvel, entendeu o STJ que “houve, portanto, contrato entre a mutuária e a construtora sem a participação da Caixa”, motivo pelo qual “não há como afastar essas conclusões em recurso especial, dado o disposto nas Súmulas 5 e 7 do STJ.”[6]
Vale ressaltar que a incidência da Súmula 5 do STJ não deve servir como justificativa para fulminar o recurso especial como um todo, mas somente na parte que pretende a (re)interpretação de cláusulas contratuais. Nesse casos, o STJ tende a concluir “pelo conhecimento apenas parcial do recurso especial, tendo em vista a incidência da Súmula 5 do STJ”,[7] já que inexiste cabimento para a via excepcional na parte sobre a qual incide o verbete sumular.
No processo acima referido, no qual houve conhecimento parcial do recurso, o óbice da Súmula 5 do STJ incidiu sobre a “alegação de necessidade de assinatura de ambos os sócios no termo de confissão de dívida”, que demandaria “uma nova interpretação do contrato social”,[8] em ação na qual se pretendia a declaração de nulidade do instrumento de confissão de dívida.
Em ação envolvendo cobrança de aluguéis e acessórios em virtude de rescisão de contrato de locação de natureza comercial, tendo em vista que o tribunal de origem analisou, como lhe cabia, as cláusulas contratuais pertinentes, pactuada entre os litigantes (pacta sunt servanda), “acolher a pretensão recursal, ensejaria o necessário revolvimento das provas constantes dos autos, bem como a interpretação das previsões contratuais, providências vedadas em sede de recurso especial, ante os óbices estabelecidos pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.”[9]
No âmbito do direito público, a aplicação da Súmula 5 do STJ também se faz presente, nas suas hipóteses de enquadramento. Em processo no qual se questionava a validade de uma licitação, o STJ consignou que “a revisão do entendimento do Tribunal de origem, no sentido de alterar os critérios de desempate na licitação realizada, demandaria necessária interpretação de cláusulas do edital, além do imprescindível revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 desta Corte.”[10]
A incidência da Súmula 5 do STJ também ocorre em ações envolvendo matéria de direito tributário, como em caso no qual se questionava a “a incidência do ISS [Imposto Sobre Serviços] sobre a cessão de direitos de exploração comercial de uso de imagem de atleta profissional”,[11] que demandaria o exame e interpretação sobre as cláusulas do contrato de cessão celebrado.
Por fim, como forma de evitar o acesso desenfreado à via excepcional, a Súmula 5 do STJ é também usada pelos tribunais estatais e federais para negar seguimento aos recursos, no primeiro juízo de admissibilidade recursal. Como se vê, é bastante difundida a aplicação da Súmula 5 do STJ no juízo de admissibilidade dos recursos especiais, incidindo em processos das mais variadas naturezas.
Conclusão
Os recursos especiais são de notória fundamentação vinculada, o que significa que seu cabimento é adstrito às hipóteses previstas, no caso, na Constituição Federal, especificamente no seu artigo 105, inciso III. Ou seja, cabe ao STJ apreciar os termos do recurso especial interposto observando necessariamente o atendimento dos seus requisitos objetivos e pressupostos específicos de admissibilidade – dentre eles, a não violação à Súmula 5 do STJ.
A Súmula 5 do STJ, que trata da impossibilidade de o referido tribunal reexaminar ou conferir nova interpretação a cláusulas contratuais, prevê pressuposto de admissibilidade da via excepcional, de modo que, incidindo a aplicação do verbete sumular ao caso, fulmina-se a possibilidade de o recurso especial ser analisado pela instância superior.
Embora soe rigorosa, a limitação à interpretação das cláusulas contratuais em sede de recurso especial existe e, como aduziu o Ministro Luis Felipe Salomão em ensaio sobre a admissibilidade dos recursos especiais, é necessário ao STJ “criar ‘filtros’ ao recurso especial, sob pena de inviabilizar o funcionamento do próprio Tribunal”[12].
Ao aplicador do direito, ao buscar o acesso da via excepcional ao STJ mediante a interposição de recurso especial, sugere-se, em vista da Súmula 5 do STJ e da jurisprudência da Corte Superior sobre o tema, restringir a menção às cláusulas contratuais à moldura fática do caso, mas jamais se valer das cláusulas para embasar a fundamentação de reforma ou anulação do acórdão recorrido. Também recomenda-se pontuar em tópico específico a ausência de violação à referida Súmula – e à sua “irmã”, Súmula 7.
Dessa maneira, evita-se o enquadramento do recurso especial ao óbice sumular aqui descrito, aumentando, por conseguinte, as chances de um juízo positivo de admissibilidade recursal.
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[1] MORETO, Mariana Capela Lombardi; SUASSUNA, Marcela Melichar. “Súmula 7 do STJ: da origem à aplicação pelos tribunais”. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sumula-7-do-stj-da-origem-a-sua-aplicacao-pelos-tribunais-24052021, acesso em 14.02.2022.
[2] STJ, REsp 1.563/PI, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. 12.12.1989.
[3] Art. 105, CF: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”
[4] STJ, AgInt no AREsp 1837598/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 13.12.2021.
[5] STJ, AgInt no REsp 1821542/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 03.12.2019.
[6] STJ, AgInt no AREsp 1794519/RN, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 13.12.2021.
[7] STJ, AgInt no AREsp 1910142/PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 13.12.2021.
[8] Id.
[9] STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1878444/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 13.12.2021
[10] STJ, AgInt no REsp 1947637/SC, Rel. Min, Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 06.12.2021.
[11] STJ, AgInt no AREsp 1859644/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 16.11.2021
[12] SALOMÃO, Luis Felipe. “Breves Anotações sobre a Admissibilidade do Recurso Especial”. Disponível em https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista46/Revista46_17.pdf, acesso em 14.02.2022.