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Rio de Janeiro

Selo de Qualidade Procon Carioca: dificuldades imediatas de implementação

Só o tempo dirá se a lei será aplicada de forma isonômica a todos os fornecedores

Rafaela Nogueira, Carina Quirino, Eduarda Oliveira Rodrigues
22/02/2018|15:42
Crédito: Pixabay

No apagar das luzes de 2017, o prefeito Marcelo Crivella sancionou a Lei municipal nº 6.039, de 28 de dezembro, que cria o Selo de Qualidade Procon Carioca. Ainda muito pouco debatida e questionada, passa despercebida pelo cenário econômico caótico em que se encontra o Município do Rio de Janeiro. Diante de diversas atividades realizadas pelo PROCON, das quais os noticiários se encarregam de difundir rotineiramente, há a aparente preocupação em identificar estabelecimentos que tenham prática de excelência comercial, para além de somente cumprirem as regras consumeristas.

Ainda sem um regulamento, não se sabe bem como será gerido e aplicado tal selo de qualidade, que parece somente vir instituído e disciplinado de forma genérica. Seria possível aplicá-lo de modo a identificar estabelecimentos que cumprem as normas legais e, ainda mais, são adeptos de boas práticas comerciais?

Apesar de diversas outras dúvidas possíveis sobre a aplicabilidade da referida lei, o foco é abordar a concretude das diretrizes propostas em lei e qual é o alcance de aplicação das mesmas. Há questões sensíveis abordadas, principalmente quanto a um possível e eventual tratamento desigual entre os estabelecimentos avaliados, uma vez que as diretrizes não parecem resguardar elementos objetivos claros.

Dispondo somente de nove artigos, a lei em questão é sintética em disciplinar como serão avaliados os estabelecimentos. Restringe-se a somente criar, por meio do artigo 3º, diretrizes das quais os membros da Comissão Especial de Avaliação poderão se utilizar para outorgar o selo. Dentre tais diretrizes, somente uma, a do inciso I, apresenta proposta bastante objetiva. Em contraponto, todos os demais incisos parecem conter alta carga de subjetivismo, sem que seja possível compreender como podem ser elementos de avaliação – como, por exemplo, o comando do inciso II, em que se sugere a análise das reclamações, denúncias e elogios de consumidores registrados na Central 1746 da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro - PCRJ, nas redes sociais e na ouvidoria do Procon Carioca.

Parece acertada a opção do legislador em trazer os indicadores do inciso I: (i) análise quantitativa de reclamações, (ii) índice de resolutividade e (iii) tempo de resposta das demandas de consumidores, dados esses que devem constar nas plataformas consumidor.gov.br e do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor - SINDEC. No entanto, a operacionalização destas questões pode não ser tão simples. Estabelecer indicativos claros mostra que há parâmetros bem definidos de avaliação entre os pares e que não haverá aparente tratamento desigual.

Ainda que se queira ver com bons olhos o inciso, parece impossível conseguir enxergar sua total amplitude. Apesar de ambas as bases de dados serem públicas e permitirem que qualquer indivíduo possa aferir a veracidade dos dados, elas são parcialmente incompatíveis entre si e parecem não dialogar, criando assimetrias de tratamento entre os fornecedores.

Antes de tudo, diga-se que somente poderá ser realizada reclamação em face de fornecedor que já se encontra voluntariamente cadastrado na plataforma consumidor.gov.br. Ou seja, poderão existir registros na base de dados do SINDEC de estabelecimentos que não estejam cadastrados no consumidor.gov.br. O problema é que, se o uso da plataforma for essencial para a avaliação do estabelecimento, pode-se criar uma diferenciação de tratamento, especialmente para os de pequeno porte. O intuito da norma parece estar melhor apoiado se ambas as bases de dados forem trabalhadas de forma complementar, de modo que as duas revelem características específicas do comportamento do fornecedor.

Ainda que se queira utilizar os bancos de dados como complementares, subsistem problemas de compatibilidade entre os dados trabalhados em cada um. O índice de resolutividade é tratado de maneira distinta entre ambos. Conforme o dicionário de dados do SINDEC, há menção somente à palavra “atendida” ou “não atendida”, de modo que não há como identificar qualitativamente sequer se o processo foi de fato resolvido ou se revela somente uma manifestação do fornecedor. De outro modo opera o consumidor.gov.br, em que é facultado ao consumidor responder se a avaliação foi resolvida ou não, aplicando-se, ainda, um grau avaliativo ao atendimento prestado pelo fornecedor. O consumidor poderá atribuir a qualidade de “resolvido” ou “não resolvido” em até 20 dias após a manifestação do fornecedor. Ao todo, a plataforma sempre encerrará uma reclamação em 30 dias, não tendo qualquer possibilidade técnica do sistema em protelar o tempo de processamento da reclamação. Fica evidente que há maior sofisticação da coleta de dados em relação ao consumidor.gov.br.

Ponto sensível ainda é o outro indicativo mencionado na lei: o tempo de resposta. No consumidor.gov.br o fornecedor terá até dez dias para apresentar resposta final ao consumidor. Esse prazo não é ultrapassado, haja vista a proibição do sistema em lançar respostas após o transcurso. Totalmente oposto é o procedimento do SINDEC, em que não aparenta ter qualquer prazo para que tanto consumidor quanto fornecedor estabeleçam respostas, pelo menos o prazo não é especificado no dicionário de dados ou identificável na base de dados.

Todas as peculiaridades aqui expostas demonstram a fragilidade da aplicação do inciso I do art. 3º. Ainda que se tenha boa intenção de interpretar os dados das bases de forma complementar, os problemas da própria construção de dados no SINDEC mostram que será necessário um esforço do administrador público em trazer clarezas sobre o que se pretende coletar de dados e como serão utilizados como critério para a concessão do selo de qualidade.

A situação parece alarmante: se o inciso I aparenta ser o mais objetivo, sugerindo indicadores supostamente claros e objetivos para a avaliação dos fornecedores e ainda assim tem diversos problemas, não se pode falar o mesmo dos demais comandos, que encerram subjetividade e não vinculam o administrador a um tratamento de aferição isonômico destinado a todos os estabelecimentos.

O problema está longe do fim. Haverá quem defenda o argumento de que o artigo 3º traz somente sugestões sobre como o administrador pode proceder à avaliação dos estabelecimentos e, portanto, os problemas aqui narrados podem ser superados com uma regulamentação clara e técnica. Ainda que seus aparentes vícios possam ser superados, já há indícios de que o procedimento de avaliação tem bases equivocadas que não contemplam as peculiaridades de cada base de dados.

Somente após a criação do procedimento e de sua efetiva aplicação será possível avaliar. De imediato, já são gritantes os problemas operacionais que o artigo 3º traz, principalmente no que tange ao inciso I. Importar dados de plataformas e tratar as informações delas retiradas requer que o administrador esteja atento às peculiaridades – o que parece não ter sido a preocupação do legislador ao mencionar os incisos como parâmetros possíveis de aferição. Se a lei será aplicada de forma isonômica a todos os fornecedores que solicitarem avaliação sobre o selo, só o tempo dirá.

*Artigo desenvolvido no âmbito do Projeto de Pesquisa “Relações de Consumo e Meios Alternativos de Solução de Conflito: Quebrando Paradigmas para Garantir Eficiência” desenvolvido pelo Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio.logo-jota

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