Eduardo Carvalhaes
Sócio de Direito Público e Regulação do Lefosse
No último dia 17 de outubro, o governador Tarcísio de Freitas enviou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), em regime de urgência, o Projeto de Lei 1501/2023, que busca autorizar a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP).
A iniciativa é adotada pelo Governo Estadual no contexto das regras previstas na Lei Federal 11.445/2007, alterada pela Lei Federal 14.026/2020 (Novo Marco Legal do Saneamento), especialmente com o objetivo de propiciar o atingimento, no território paulista, das novas metas de universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Apresentam-se a seguir os principais pontos do processo de desestatização previstos no PL.
Em linha com as informações divulgadas em junho deste ano pelo governador Tarcísio de Freitas, quando anunciou que a desestatização da SABESP ocorreria por meio de oferta pública de ações (follow on), o PL prevê que a desestatização poderá se dar por meio de “oferta pública de distribuição de valores mobiliários”, tendo ido além, contudo, ao prever a possibilidade de que sejam adotados na modelagem o pregão ou leilão em bolsa de valores, aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição.
A decisão de diversificar as possibilidades de modelagem mostra-se especialmente prudente na medida em que permite ao governo estadual adaptar a estrutura caso percalços surjam no processo. Vale notar que a abordagem é semelhante à adotada pela Lei 15.708/2021, do Estado do Rio Grande do Sul, que autorizou a privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), e que permitiu a flexibilidade necessária para que a modelagem da desestatização da CORSAN fosse modificada no decorrer do processo de desestatização. Como se sabe, inicialmente, o Estado do Rio Grande do Sul pretendia desestatizar a CORSAN por meio de uma oferta pública inicial (IPO). Porém, em razão das dificuldades em precificar as ações, a modalidade foi alterada para um leilão de ações.
Por fim, merece destaque o fato de que o PL não estabeleceu qual será a porcentagem do capital alienado, embora na apresentação feita aos deputados estaduais por ocasião da submissão do PL conste que a participação do Estado de São Paulo na SABESP poderá variar de 0% a 42% após o processo.
Em que pese o Estado de São Paulo poder alienar parcial ou totalmente sua participação na SABESP, o PL prevê que o estatuto social da Companhia privatizada deve contemplar previsão de ação preferencial de classe especial (golden share) que dará ao Estado o poder de veto nas deliberações referentes a: (i) denominação e sede da Companhia; (ii) objeto social que implique supressão da atividade precípua da prestação do saneamento; e (iii) limite de exercício de votos por acionistas ou grupo de acionistas.
Notadamente, a terceira hipótese é a que representa maior ingerência do Estado na SABESP privatizada, sobretudo considerando que, apenas posteriormente, por ocasião da aprovação da modelagem definitiva da desestatização, o Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização definirá o percentual mínimo de participação acionária do Estado para manutenção da golden share após a venda, bem como definirá o limite máximo de exercício de direito de voto aplicável a qualquer acionista ou grupo de acionistas independentemente do número de ações ordinárias de emissão da SABESP.
Com efeito, a exposição de motivos justifica a previsão da golden share como forma de “vetar decisões da Companhia que possam divergir dos propósitos estabelecidos para a desestatização”.
Merece destaque, ainda, o fato de que o PL não previu a figura dos acionistas de referência, divulgada em guia informativo pelo Estado. De acordo com o documento, a “estrutura de governança a ser desenhada permitirá que acionistas cuja experiência ajudem a SABESP a crescer possam acumular participação societária relevante”, a fim de atrair investidores que queiram permanecer na Companhia. A expectativa é que a previsão do acionista de referência apareça quando da divulgação da modelagem da privatização.
O PL previu a criação do FAUSP, um fundo especial de despesa, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, que terá por finalidade prover recursos para ações em saneamento básico voltadas a promoção da modicidade tarifária e ao atingimento e antecipação das metas de universalização.
A criação do FAUSP está alinhada com as diretrizes estabelecidas pelo PL e de maneira macro do Novo Marco Legal do Saneamento, especialmente as seguintes: (i) universalização dos serviços, incluindo as áreas rurais e núcleos urbanos informais consolidados; (ii) antecipação das metas de universalização para o final de 2029; e (iii) promoção da modicidade tarifária, com atenção aos mais vulneráveis.
O sucesso do FAUSP dependerá especialmente da participação que o Estado conservará na SABESP, bem como na disposição orçamentária em realizar aportes no Fundo conforme a necessidade de urgência de realizar a universalização dos serviços.
Em suma, entende-se que o PL reúne importantes características para o sucesso da desestatização, sendo (i) flexível, no que tange às modalidades possíveis de desestatização, (ii) estratégico, no que diz respeito à previsão da golden share e da possibilidade de o Estado conservar participação minoritária na SABESP, e (iii) potencialmente inclusivo, no que toca a criação do FAUSP com vistas à antecipação das metas de universalização e da promoção da modicidade tarifária.