Unidades de Conservação não podem ser alteradas por meio de Medida Provisória. Essa afirmação pode causar surpresa ao leitor, tanto pela estranheza do assunto, como pela aparente ausência de correlação com o setor de infraestrutura, exposto no subtítulo acima.
Mas há bons motivos para tratar da matéria neste espaço. Atualmente o Governo Federal tem como menina dos olhos o projeto da Ferrovia EF-170, a Ferrogrão. Ocorre que um dos empecilhos para a viabilidade da obra está no seu trajeto, pois, para chegar no seu destino, a ferrovia deve cortar o Parque Nacional do Jamanxim.

De fato algumas Unidades de Conservação (UC), por uma falta de planejamento que envolve questionáveis critérios científicos para definição de traçado e tipologia, têm se tornado um elefante branco nas mãos de sucessivos governos.
Cabe ressaltar que essa afirmação não desmerece a importância desses espaços territoriais especialmente protegidos, sua relevância ou papel na proteção do meio ambiente. Apenas serve para destacar a necessidade de critério e viabilidade para a sua implementação.
Em 2016, o Brasil já possuía, somente no âmbito federal, 334 Unidades de Conservação. Isso corresponde a 9,1% do território continental e 24% das áreas em mar geridas pelo ICMBio – totalizando 171 milhões de hectares. Somado às demais U.Cs, o número sobe para 2.201, correspondendo, por sua vez, a 250 milhões de hectares, o que obviamente gera demandas administrativas e financeiras.
Junto à problemática relacionada à criação das UCs, surgem as volumosas despesas orçamentárias voltadas para a gestão interna, infraestrutura, regularização fundiária e, principalmente, fiscalização. Todos esses elementos precisam – e devem – ser analisados antes da aprovação desses instrumentos de proteção.
É fato notório, contudo, que já há muito tempo o Poder Público não consegue acompanhar essas demandas. Entre 2001 e 2011, apesar de a área total correspondente às UCs ter aumentado 83,5%, o valor investido se manteve na faixa dos 300 milhões, o que resultou em uma redução de 40% do montante investido por hectare.
O Brasil tornou-se, assim, um dos países com menor proporção de funcionários por área protegida, chegando ao número assustador de um funcionário para cada 18.600 ha protegidos. Em 2012, em 58 das 312 Unidades de Conservação existentes no país, havia apenas um servidor lotado, e em outras 62 delas, apenas dois.
Feita essa contextualização, é possível apontar um primeiro erro do Poder Executivo: a ânsia pela criação de Unidades de Conservação não acompanha a capacidade para a sua gestão, seja talvez por excesso de instituições, por inabilidade de alocação de recursos, ou talvez até por deliberada escolha política. O fato é que, há muito tempo, não são garantidos os meios para se alcançar os fins das UCs.
Mas não é só isso. A criação de uma UC implica em inúmeros efeitos na gestão territorial. Ocasiona-se, assim, uma série de restrições de uso nas áreas, inclusive, em alguns casos, a desapropriação. Essas limitações, por óbvio, são polêmicas e alvo de críticas, dificultando a viabilidade de projetos, de instalações e de obras.
É neste cenário que em 2016 o Governo Federal encontrou um óbice para execução da Ferrogrão. Para viabilizar a ferrovia, que não seria exequível dentro de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, foi editada a Medida Provisória 758/2016, que diminuiu e alterou o traçado do Parque, abrindo um corredor para o projeto.
Dois erros não fazem um acerto. A Constituição Federal, em seu artigo 225, §1º e inciso III, é clara ao afirmar que os espaços territoriais especialmente protegidos terão sua alteração e supressão permitidas “somente através de lei”. É verdade que muitas vezes o direito, com seus termos abstratos e até confusos, abre margem para diferentes interpretações, mas poucas vezes uma norma foi tão clara: Onde a Constituição diz “lei”, se lê… lei.
Do contrário, projetos estratégicos continuarão a encontrar obstáculos no Judiciário. A Ferrogrão sentiu isso na pele há poucos dias, quando o ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6553 suspendendo o processo de instalação da Ferrogrão, em virtude da inconstitucional redução de UC por MP.
Quer dizer, o grande projeto do governo para a infraestrutura mostrou-se um castelo de cartas. Bastou um sopro - ou uma liminar - para fazê-lo desabar.
A arriscada aposta do executivo baseia-se, enfim, na expectativa de uma ousada inversão de entendimento jurídico, cujo potencial de frustrar investidores e produtores, além de gerar gastos e custos possivelmente sem retorno, é evidente. Os projetos de infraestrutura precisam sim sair com urgência, mas o atual governo não pode, por precipitação, errar no ponto-chave em que outras gestões já erraram: no planejamento.
