Energia

Desafios da energia solar no Brasil: entre subsídios e sustentabilidade

Projetos sofrem alterações em tramitação na Câmara e podem implicar em aumento de custos para distribuidoras

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Crédito: Freepik

O Brasil se destaca no cenário internacional pela significativa participação das fontes renováveis em sua matriz energética, como hidrelétrica, eólica, solar e biomassa. Esta característica não apenas ressalta seu compromisso com a sustentabilidade ambiental, mas também seu potencial para ser um dos líderes globais na transição energética.

Com uma das matrizes mais limpas do mundo, o país possui uma oportunidade única de avançar ainda mais no aproveitamento de suas riquezas naturais para a produção de energia renovável. 

Nesse contexto, o Poder Legislativo brasileiro tem sido palco de diversas proposições legislativas. Entre as que avançam no Congresso Nacional, destacam-se o PL 624/2023, de autoria do deputado Domingos Neto (PSD-CE), e o PL 4449/2023, de autoria do deputado Pedro Uczai (PT-SC). 

O primeiro, em sua versão inicial, propôs que unidades habitacionais de famílias de baixa renda, inscritas no Cadastro Único ou beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC), fossem equipadas com dispositivos para geração de energia solar fotovoltaica. A energia gerada poderia ser utilizada para consumo próprio ou injetada parcial ou totalmente na rede. O projeto também exclui a aplicação da Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) para os beneficiários dessa medida. 

A segunda proposição, em sua versão inicial, tinha como objetivo principal a criação do Programa Renda Básica Energética (Rebe), visando garantir acesso à eletricidade para famílias em situação de vulnerabilidade social que consomem até 220 kWh por mês. O propósito seria substituir gradualmente a TSEE pelo Rebe e incentivar a produção de tecnologia nacional de energia renovável, em particular, a energia solar. 

Ambas as proposições têm como justificativa a necessidade de garantir o acesso à eletricidade para famílias de baixa renda, buscando reduzir a dependência da TSEE, além de promover a tecnologias de energia renovável. As referidas proposições acabaram tramitando em conjunto e chegaram em maio ao Senado, na forma de um substitutivo ao PL 624/2023 da Câmara dos Deputados.

Contudo, ao comparar as versões iniciais das referidas proposições com o substitutivo que chegou ao Senado, chama a atenção os contornos que foram inseridos no decorrer da tramitação na Câmara. Mais especificamente, além de instituir o Rebe, o substitutivo incorporou obrigações que vão além do objetivo inicial de beneficiar famílias de baixa renda. As novas obrigações são amplas e implicam custos que serão arcados pelas distribuidoras de energia, ampliando significativamente o escopo e o impacto financeiro da medida.

A proposição que chegou ao Senado busca alterar o marco legal da microgeração e minigeração distribuída (Lei 14.300/2022), tornando mais rigorosas as normas para as distribuidoras de energia, estipulando que estas devem atender às solicitações de acesso de unidades consumidoras com microgeração ou minigeração distribuída, sem restringir ou limitar a injeção de energia e sem fazer diferenciação quanto à renda do consumidor.

Restrições ou limitações à conexão da minigeração só serão permitidas se a distribuidora apresentar estudos técnicos que comprovem que uma conexão poderá causar distúrbios à rede. Adicionalmente, prevê que os custos de melhorias ou reforços no sistema de distribuição devido à conexão de microgeração distribuída serão arcados pelas concessionárias ou permissionárias, sem ônus para o consumidor. 

No entanto, um aspecto crucial ficou omisso: o impacto financeiro da proposta sobre as distribuidoras de energia e, por extensão, futuramente sobre o consumidor final.

Cabe pontuar, contudo, que a inclusão de obrigações adicionais para as distribuidoras suscita preocupações significativas sobre os possíveis impactos econômicos e operacionais para o setor que não estão sendo consideradas. O aumento das responsabilidades das concessionárias pode elevar os custos operacionais e, consequentemente, as tarifas de energia elétrica.

Ainda que o projeto de lei afirme que não haverá ônus ao consumidor, se os custos das distribuidoras aumentarem, esse incremento provavelmente será, em algum momento, repassado à tarifa final da energia para manter o equilíbrio financeiro da concessão.

A esse respeito, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já alertou que os subsídios cruzados no setor resultam em aumento na tarifa média dos consumidores residenciais. Em 2024, a geração distribuída representou um subsídio de mais de R$ 3 bilhões, divididos pelos consumidores não beneficiados pela medida. 

A ausência de uma avaliação integrada e aprofundada dos impactos dessas medidas suscita preocupações quanto à eficiência da estratégia proposta, particularmente quanto ao equilíbrio entre a busca da redução de custos de energia, de um lado, e o incentivo às fontes renováveis, do outro.

Para que o Brasil prossiga com sucesso na transição para uma matriz energética ainda mais limpa e sustentável enquanto garante acesso à energia a preços acessíveis para todos é imperativo que tais medidas sejam acompanhadas de uma análise cuidadosa de seus potenciais impactos, garantindo que as políticas sejam eficazes, justas e sustentáveis no longo prazo.