A efetividade do processo tem sido uma preocupação dos processualistas, empenhados em tornar mais rápida a composição da lide a que visa a relação processual. Descobre-se esse empenho em vários artigos do código, inclusive nos modificados ou introduzidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, instituído pela Lei nº 13.105, de 6 de março de 2015. Não se pode falar em efetividade do processo sem uma reverência à memória de Mauro Cappelletti, sem cuja presença – para repetir fala do uruguaio Enrico Vescovi – outro teria sido o destino do Direito Processual no século XX. O atual diploma mostra às partes a conveniência de chegarem elas mesmas à extinção ou prevenção do litígio nas condições que reciprocamente engendrarem, ao passo que a mediação consiste na apresentação de modos concebidos por quem a promove.
Podem ser vistos como conciliadores ou mediadores quaisquer terceiros, não importa a nacionalidade, a profissão, a residência ou domicílio, a língua que falam nem mesmo a capacidade civil. Já escrevi que a função pode ser desempenhada por qualquer pessoa, inclusive pelo juiz do processo em qualquer instância, advogados, Ministério Público, defensores e advogados públicos, leigos e até mesmo por incapazes, crianças inclusive, como se vê na literatura imitadora da vida. Escrevi isto ao comentar as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, no meu livro CPC de 2015 – Inovações, vol. 1, p. 247. Mantenho a opinião porque as partes podem se conciliar até mesmo estimuladas por pessoa absolutamente incapaz.
A frase “onde houver”, posta no §1º do art. 334, não impede o juiz de determinar às partes que indiquem pessoas para o encargo a serem nomeadas pelo órgão jurisdicional.
Audiência de conciliação ou mediação
O juiz designa audiência só de conciliação, ou só de mediação, ou ambas, uma após a outra, observados os §§2º e 3º do art. 165. A conjunção coordenativa alternativa ou, usada no caput do art. 334, não obsta a que o juiz designe audiência conjunta de conciliação ou mediação, considerada a finalidade de ambas e as circunstâncias da causa. Nesse caso ele adotará qualquer dos critérios dos §§2º e 3º do art. 165, cuja compreensão se impõe para determinar o alcance do artigo agora comentado.
Deixo explícito que estas linhas repetem o que já escrevi sobre o novo Código, em muitos pontos acompanhado por doutrinadores e tribunais. O juiz designará a audiência, no mínimo 30 dias antes da data estipulada para realização do ato. O réu, ou o último deles, se houver litisconsórcio passivo, será citado no mínimo vinte dias antes da audiência. O descumprimento de qualquer dos prazos, ou de ambos, determina a nulidade do ato, não absoluta contudo, se se demonstrar que a preterição não prejudicou o exercício do direito de ampla defesa, constitucionalmente assegurado. Note-se que a violação desse direito se presume pela só estipulação desses prazos, nada obstando, entretanto, que se demonstre o exercício dessa prerrogativa (v.g. documento no qual a parte se declarou indisposta a uma composição).
Ao preceituar que o conciliador ou mediador atuará, necessariamente, na audiência, o §1º do art. 334 não limita a sua função a esse ato. Depois de nomeado ele pode realizar quaisquer atos, visando à autocomposição, respeitada a representação da parte, a qual ele recorrerá, expondo suas ideias e sugestões.
De acordo com o §10 do artigo agora examinado a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, que lhe outorgue poderes para negociar e transigir. No texto da lei os dois verbos levam ao mesmo fim. O §7º permite o uso dos meios eletrônicos para a realização da audiência. Ela, então, pode realizar-se por qualquer meio, sempre reduzidos a termo os respectivos resultados. O §11 determina que a autocomposição, se obtida, será reduzida a termo e homologada por sentença.
Desinteresse em conciliar
Conforme o §5º do art. 334, o autor deverá indicar, na inicial, o seu desinteresse na autocomposição. Nada impede, entretanto, que o juiz tente conciliar as partes, no início da audiência de instrução e julgamento (art. 359) ou em qualquer tempo (art. 139, V). O réu da ação poderá opor-se à audiência, contanto que o faça até 10 dias antes dela, por petição avulsa, ou na contestação. A falta de manifestação contrária das partes, ou da manifestação prevista no §4º, I, levará à supressão da audiência que todavia poderá ocorrer após a resposta do réu, já que a autocomposição se admite em qualquer tempo. Além do cancelamento da audiência pela vontade das partes (art. 334, §5º e §4º, I) ela não será realizada se a causa não comportar autocomposição, como ocorrerá se estiverem em jogo direitos indisponíveis.
O §6º do art. 334 requer interpretação cuidadosa que deverá considerar a ocorrência de litisconsórcio necessário ou facultativo, ou unitário ou simples. Necessário o litisconsórcio o desinteresse pela realização da audiência deverá ser manifestado por todos os litisconsortes. Na falta dessa manifestação, ou da oposição de algum, ou alguns deles, porém não de todos, a audiência se realizará, se dissociáveis as pretensões. Na ação de usucapião, para repetir o exemplo por mim oferecido noutro escrito, o litisconsórcio é necessário, como se colhe no §3º do art. 246, não bastasse a natureza da demanda (art. 114). Apesar disso, o confrontante que entrar em disputa com o usucapiente acerca dos limites do imóvel usucapiendo, pode compor-se com ele, o que justifica a audiência do art. 334. Aplique-se o mesmo entendimento no tocante ao litisconsórcio facultativo e ao litisconsórcio simples. No litisconsórcio unitário, a conciliação dependerá da cindibilidade quanto ao interesse objeto da pretensão.
O §8º do art. 334 condena a ausência não justificável do autor e do réu, só deles, na audiência, como atentatório da dignidade da justiça. Comina, para o não comparecimento, multa de até dois por cento da vantagem econômica, isto é, do benefício assegurado pela procedência do pedido, ou do valor da causa. Repito que o parágrafo foi concebido com censurável abstração do fato de que a vantagem econômica, ou o valor da causa podem ascender a somas formidáveis, como demonstra a realidade forense. A norma é contrária à Constituição porque ofende as garantias constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade inerentes ao devido processo legal. O valor da sanção será apurado em liquidação depois que ela se tornar exequível. A multa reverterá em benefício da União ou do Estado conforme cominada por órgão da Justiça Estadual ou da Justiça Federal, inclusive o STF e o STJ. Revertida em recurso, ou em ação rescisória, a multa será devolvida, inclusive por meio de precatório.
Frustrânea a tentativa de composição, nada obstará a que se realize a audiência específica, ou a tentativa de conciliação prevista no art. 359, obrigatório esse ato.
Obtida a autocomposição, ela será reduzida a termo e homologada por sentença (art. 334, §11), quase igual ao §1º do art. 331 do CPC anterior. Em ambos os dois dispositivos, o substantivo “sentença” tem largo significado, compreendendo também a decisão unipessoal, proferida num tribunal superior.
A sentença de homologação referida no §11, terá natureza constitutiva porque transforma em título judicial um ato do processo (art. 515, III).
O §12 do art. 334 é exemplo típico de norma desnecessária, ou supérflua. Já escrevi que “a norma, assaz minuciosa, visa assegurar ao juiz, partes e outras pessoas o tempo necessário para ir ao banheiro, para tomar um cafezinho, ou lavar o rosto numa pia disponível e próxima.”