Diego Werneck Arguelhes
Professor Associado do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
Na aprovação da “PEC da Bengala”, a Câmara dos Deputados desrespeitou o Supremo Tribunal Federal. Não havia qualquer preocupação efetiva com o funcionamento do tribunal, sob qualquer dimensão relevante. Mudou-se a estrutura da Corte a partir de um problema inventado, sem levar em conta nenhum dos debates que de fato existem sobre o aperfeiçoamento da instituição. A Câmara instrumentalizou a instituição, e cada um de seus membros, com o único propósito de eliminar indicações que a presidenta Dilma faria para o tribunal ao longo dos próximos anos.
Essa não é uma leitura radical. Ela surge com facilidade quando olhamos como o processo de aprovação da PEC foi conduzido. Foram apenas duas as razões apresentadas pelos parlamentares: (i) o aumento da expectativa média de vida dos brasileiros e (ii) a experiência dos Ministros que já estão lá. Nenhuma das duas, porém, é capaz de justificar a mudança.
A expectativa de vida de um ministro do STF não é, nem nunca foi, a de um brasileiro médio. A compulsória já está na casa dos 70 anos há muitas décadas – era 75 anos em 1934, quando a expectativa de vida em geral seria menor, passando para 68 na Constituição de 1937 e se firmando em 70 anos em 1946. A expectativa do brasileiro médio mudou nesse período, mas o que isso nos diz sobre a expectativa de vida dos ministros do STF? É esperado que, como parte de um grupo social restrito, integrantes da elite das carreiras jurídicas no Brasil, tendam a viver além dos 70 anos. Contando apenas os ministros já falecidos e que estiveram no tribunal de 1988 para cá, a expectativa de vida média é de cerca de 15 anos após o marco da compulsória. O aumento da expectativa dos brasileiros em geral é uma novidade sem relevância nesse debate.
Na verdade, mesmo feito de maneira responsável, o argumento da expectativa de vida seria irrelevante. A regra da compulsória aos 70 não deve ser vista como uma maneira de evitar que Ministros próximos do fim da vida (e de suas forças físicas e intelectuais) continuem no tribunal. É um mecanismo de renovação dos quadros do Supremo, conectando sua composição (e sua jurisprudência) com transformações geracionais, sociais e políticas. A questão é onde traçar a linha, de modo a aproveitar cada Ministro ao máximo, mas sem congelar no tribunal composições de outras épocas.
Na mesma linha, o argumento da experiência dos ministros que já estão lá é problemático. Perdemos experiência no serviço público o tempo inteiro, com qualquer regra de compulsória. Perdemos médicos e professores extremamente experientes. Mas é preciso renovar. Em especial, no caso do STF, cujas decisões contêm uma boa dose de valoração política e moral, a questão da renovação ganha ainda mais importância.
Junto com sua experiência, um ministro que fica três décadas ou mais em um tribunal constitucional carrega consigo valores e visões sobre o direito que podem estar em perfeito descompasso com a sociedade brasileira atual. E, quando um único Presidente tem a sorte de fazer várias indicações de pessoas com pouca idade, esse descompasso se torna coletivo. É para minimizar esse risco que a esmagadora maioria dos países democráticos adota algum tipo de mandato para seus tribunais constitucionais.
Nada disso foi tematizado na sessão da Câmara. No fundo, os parlamentares não estavam sinceramente interessados na expectativa de vida dos ministros, nem na sua experiência. O que de fato pretendiam está claro para qualquer leitor de jornal: impedir que Dilma Rousseff faça outras cinco indicações até 2018.
É até possível que alguns ministros atuais fiquem satisfeitos com a mudança - sobretudo se pensam que a cadeira que agora ocupam pertence a eles, e não ao povo brasileiro. Mas a eventual satisfação individual de alguns não deve ofuscar um diagnóstico institucional mais amplo, que a maioria dos ministros certamente fará. Sem pensar nas consequências para o direito brasileiro, a Câmara dos Deputados tratou o Supremo Tribunal Federal como apenas mais um objeto para arremessar contra a Presidenta.