A reflexão sobre a regulação da energia eólica offshore, ora em estruturação no Brasil, fez-me perceber que esse movimento representa de forma marcante e prática um exemplo do novo desenvolvimentismo, que para mim se configura um novo ciclo da visão da história, do direito e do próprio setor elétrico, a ser observado de maneira especial.
Esse novo ciclo é marcado por uma forma de organização que considera dois contextos especiais, que podem ser explicitados da seguinte maneira:
- o cenário das mudanças climáticas e do ESG – Environmental Social and Corporate Governance, em que a própria ideia de progresso exige ações efetivas quanto ao meio ambiente e à sociedade, além de uma governança transparente e responsável. O foco global é de busca de uma economia mais descarbonizada e sustentável, no qual se inserem a discussão sobre a abertura e a estrutura dos mercados e novas tecnologias de energia renovável, como a eólica offshore e o hidrogênio verde; e
- pelo olhar desenvolvimentista-liberal-social, com a presença do investidor privado na definição dos projetos e implantação dos empreendimentos e dos negócios, ao mesmo tempo em que o Estado deve atuar de forma decisiva para a criação de um ambiente mais adequado para a atividade econômica, como no caso da legislação, da regulação e dos mecanismos correlatos.
Destaco nesta discussão a energia eólica offshore, pela qual, sob a ótica desenvolvimentista-liberal-social, verifica-se a presença do investidor privado na definição dos projetos e implantação dos empreendimentos e dos negócios, ao mesmo tempo em que o Estado deve atuar de forma decisiva para a criação de um ambiente mais adequado para a atividade econômica, como no caso da legislação, da regulação e dos mecanismos correlatos. Isso com um olhar prático e sem aprofundar o debate sobre os modelos teóricos do desenvolvimentismo, liberalismo e novo desenvolvimentismo.
No mercado mundial, a indústria eólica offshore está se expandindo rapidamente como uma fonte renovável, o que contribui para a redução da emissão de CO2, para a produção de hidrogênio renovável, além de promover o desenvolvimento socioeconômico (principalmente regional), mediante a geração de empregos e de renda.
Há uma significativa colaboração para o processo de transição energética e transformação energética. O sucesso da eólica offshore tem sido impulsionado por fatores como a redução de custos, a maturidade técnica e o desenvolvimento de tecnologias que impactam diretamente o desempenho da indústria, como observado em alguns mercados, como no caso do Reino Unido.
No Brasil, o potencial para a geração eólica offshore pode ser observado de imediato, quando se observa a privilegiada posição geográfica do país, ladeado por milhares de quilômetros do oceano Atlântico. O fator de capacidade efetivo deve ser analisado com base, principalmente, no potencial do vento no mar, na distância da costa e na profundidade da usina no mar.
No Plano Nacional de Energia 2050, a fonte eólica offshore foi enquadrada no grupo com maior facilidade de aproveitamento, considerando áreas com até 10 km de distância da costa e no grupo com maiores desafios para aproveitamento, em áreas com até 321,8 km de distância da costa (PNE 2050, MME, 2020).
O potencial eólico offshore do Brasil, apontado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em 2020, é estimado em 697 GW, dos quais o maior potencial está localizado na região Nordeste, seguida pelas regiões Norte, Sul e Sudeste. Em outubro de 2019, o Banco Mundial publicou o relatório “Going global – Expanding offshore wind to emerging markets”, no qual destacou que o potencial eólico offshore do Brasil era de 1,2 TW, aproximadamente.
Desde o modelo de mercado regulado e de mercado livre, adotado em 2004, percebe-se que o planejamento do setor elétrico vem sendo aprimorado continuamente, o que deve considerar a expansão e a descarbonização da matriz com novas tecnologias, além de representar iniciativas que incentivem o desenvolvimento econômico e social e a diversidade, bem como reduzam as desigualdades e promovam a inclusão social. As questões devem ser avaliadas com uma visão mais ampliada, sob os aspectos socioambientais, regulatórios e de viabilidade técnica e econômica.
Nesse sentido, o desenvolvimento da indústria eólica offshore no Brasil parte de uma análise mais madura do que representa o desenvolvimento econômico-social sustentável, na medida em que há práticas e soluções já adotadas que exigem mais do que o pensar somente sobre resultados econômicos e financeiros da atividade.
A construção de um ambiente mais propício para essa indústria foi um dos motivadores que fundamentaram o Decreto 10.946, de 25 de janeiro de 2022, que dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore.
O Congresso Nacional também discute o tema, via PLS 576/2021, que disciplina o aproveitamento de potencial energético offshore, como no caso da eólica offshore. Após a aprovação no Senado, o projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados e se encontra em regime de tramitação com prioridade.
Para a análise sobre a vinculação da eólica offshore com o novo desenvolvimentismo, devem ser observados os princípios e fundamentos a serem seguidos por essa indústria, constantes do decreto de 2022 e do projeto de lei em discussão:
- a) o desenvolvimento sustentável com o combate à crise do aquecimento global;
- b) a geração de emprego e renda;
- c) a racionalidade no uso dos recursos naturais visando ao fortalecimento da segurança energética;
- d) o estudo e o desenvolvimento de novas tecnologias de energia renovável a partir do aproveitamento do espaço offshore, incluindo seu uso de modo a viabilizar a redução de emissões de carbono durante a produção de energia, como na extração de hidrogênio resultante da utilização do produto final desta lei;
- e) o desenvolvimento local e regional, preferencialmente com o investimento em infraestrutura, bem como com ações que reduzam a desigualdade e promovam a inclusão social, a diversidade, a evolução tecnológica, o melhor aproveitamento das matrizes energéticas e sua exploração;
- f) a harmonização entre o conhecimento, a mentalidade, a rotina e as práticas marítimas com o respeito às atividades que tenham o mar e o solo marinho como meio ou objeto de afetação, bem como demais corpos hídricos sob domínio da União;
- g) a proteção e a defesa do meio ambiente e da cultura oceânica;
- h) a harmonização entre o desenvolvimento do empreendimento offshore e a paisagem cultural e natural nos sítios turísticos do país;
- e i) a transparência.
O quadro legal-regulatório representa sinais essenciais e relevantes para os investidores e integram uma política pública não apenas energética e sim de desenvolvimento, no sentido de buscar incentivar a sustentabilidade ampla e a expansão da cadeia de valor da indústria offshore. Abrem-se caminhos para uma trajetória promissora e com benefícios socioeconômicos num cenário de médio e longo prazos, com o envolvimento das comunidades locais e maior participação da sociedade.
Certamente, o grande desafio da tecnologia elétrica offshore é ser competitiva em relação às outras fontes já presentes no Brasil, o que deve ocorrer ao longo do tempo, como ocorreu com outras tecnologias e em outros mercados. Por isso, acerta-se ao definir a estruturação de um arcabouço regulatório para o tema e promover um ambiente de negócios mais favorável, na busca de atração de investimentos, com indicação das regras, dos licenciamentos e autorizações inerentes ao processo, que envolve a ocupação e uso do espaço público marítimo – a nossa sustentável Amazônia Azul.