Etienne Jacintho

No mundo das séries, os temas vêm em ondas. Já houve a febre das séries de investigação com personagens charmosos, perigosos, mas totalmente mocinhos (“Profissão: Perigo”, “Magnum”, “As Panteras”). Teve também a moda das séries adolescentes e juvenis como “Barrados no Baile”. Depois, a tevê descobriu a perícia e os departamentos mais especializados da polícia americana e vieram na onda os “CSIs”, “NCIS”, “Crossing Jordan” e tantas outras. Mais recentemente, os mistérios e o sobrenatural dominaram a telinha com “Lost”, “Flashforward”, “Fringe”, etc.
De poucos anos para cá, a moda é falar da Casa Branca e do jogo político americano, sob todos os ângulos. “House of Cards” é o maior (e melhor) expoente – e Kevin Spacey já tem um novo projeto sobre o tema –, mas não há como ignorar a expertise de Shonda Rhimes, criadora de “Grey’s Anatomy”. Sua série “Scandal”, que mistura drama de advogados com conspiração política, se tornou um produto altamente viciante, mesmo que o roteiro não seja um primor.
Quando a Shonda criou “Grey’s Anatomy”, as séries hospitalares estavam em alta e a concorrência era grande. A rede ABC deixou a atração na expectativa da estreia mudando, diversas vezes, sua data de lançamento. Os executivos estavam inseguros, pois “Grey’s Anatomy” reunia um elenco de ilustres desconhecidos somados a um ator que fez sucesso nos anos 1980 e estava sumido e a uma atriz que estava no elenco de um filme independente.
“Grey’s” entrou no ar em 2005 de forma modesta, quase que pedindo licença para estar no horário nobre, e ninguém poderia imaginar o resultado: Patrick Dempsey, o garoto que fez a dança do tamanduá africano em “Namorada de Aluguel” (“Can’t Buy Me Love”), virou o dr. McDreamy, o sonho de qualquer mulher; o filme “Sideways – Entre Umas e Outras”, com Sandra Oh, a ambiciosa residente Christina Yang, ganhou naquele ano o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e o Globo de Ouro de Melhor Filme de Comédia; e Katherine Heigl, uma ilustre desconhecida na pele da frágil Izzie, se tornou a queridinha da América.
Shonda Himes faz mágica ou ela simplesmente sabe o que o público quer ver. “Scandal”, o novelão político, teve boas críticas e, por mais que já não esteja mais tão afinada no roteiro, angariou fiéis seguidores. A mágica de Shonda foi tão poderosa que, mesmo perdendo Henry Ian Cusick (ex‐“Lost”), o ator popular do elenco, “Scandal” sobreviveu. Claro que a série tem uma protagonista forte. Kerry não era uma novata quando “Scandal” entrou no ar, há quatro anos. Teve papéis importantes em filmes aclamados como “Django Livre” (Django Unchained”), de Quentin Tarantino, e sua performance foi sempre elogiada. Mas Kerry não era pop. Após “Scandal”, Kerry entrou para a lista das 100 pessoas mais influentes do planeta, virou fashionista e seu rosto está por todos os lados.
Mas o que falar de Kerry Washington como Olivia Pope, a advogada que atua em gestão de crises e livra qualquer pessoa de qualquer escândalo? O olhar de choro permanente e o as caras e bocas que ela faz me irritam um pouco, mas não há como negar que ela brilha e emociona. Há algumas razões para que ela se saia bem, apesar da atuação um tanto exagerada. Kerry já recebeu indicações a prêmios como o Globo de Ouro, o SAG e o Emmy. E grande parte é mérito de Shonda Rhimes e seu texto afinadíssimo e cuidadoso na construção de Olivia Pope.
A personagem é uma heroína moderna. Ela quer desesperadamente fazer o bem, mas nem sempre acerta em que time jogar. Ela é passível de erros e suas atitudes, algumas vezes, podem ser facilmente contestadas. Quando erra, Olivia não se perdoa e faz de tudo para corrigir esse erro, quando possível. Caso não possa reverter a ação, ela é consumida pela culpa. Olivia é uma batalhadora que tem de lutar duas vezes mais do que qualquer pessoa para ter reconhecimento, ela é mulher e é negra. Shonda explora isso de maneira delicada, sem fazer alarde, como em um episódio que teve a participação da atriz Lisa Edelstein (a dra. Cuddy, de “House”). Edelstein, a cliente da Pope &amp; Associates, vê Olivia e Abby (Darby Stanchfield) em sua sala e se reporta à ruiva, acreditando que ela seja a poderosa Olivia.
Pope é também Cinderela – ou para quem conhece contos menos populares, ela poderia estar em “A Leste do Sol e a Oeste da Lua”. Ela quer viver um conto de fadas com seu príncipe, o presidente dos Estados Unidos, Fitzgerald Grant (Tony Goldwyn), um homem casado. E, quando está chateada com o príncipe, ela ganha um amante no nível do ator Scott Foley (o capitão Jake Ballard). Claro que, mesmo com um namoradinho deste porte, a Cinderela sofre. Olivia não tem paz. Nunca sabe em quem confiar. Nem mesmo os pais são um porto seguro para ela.
“Scandal” trata de política com ar de novela. Ora apresenta um “quem matou?” à moda Gilberto Braga ou um segredo bombástico de um personagem central à moda Aguinaldo Silva. Ora oferece um novelão no estilo Gloria Perez. “Scandal” só não tem elementos de Manoel Carlos, mas certamente esse é o sonho de Olivia Pope: uma vida cotidiana sem muitas surpresas e recheada de diálogos triviais. Ela quer ir à livraria, quer frequentar o bar do hotel, quer tomar café da manhã numa mesa grande com toda a família reunida. Sim, “Scandal” poderia estar no ar na TV aberta em horário nobre, se Shonda desse um pouco de paz à mocinha. Será, porém, que a produtora presenteará Olivia Pope com um futuro de gente normal?
“Scandal” pode ter se perdido um pouco no roteiro, mas não dá para não ver. Afinal, os telespectadores ficam um pouco como Olivia Pope: viciados na adrenalina da Casa Branca, com suas traições, assassinatos, romances proibidos, assuntos delicados e conspirações.
O canal Sony exibe episódios inéditos da 4a temporada de “Scandal” às quintas‐feiras, às 22h30.

KERRY WASHINGTON

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JOTA

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