A Polícia deve ter o poder de determinar aos bancos, sem prévia autorização do Judiciário, o bloqueio de valores de origem suspeita em contas bancárias? É isso o que deseja o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) em casos de possíveis golpes envolvendo o Pix, no projeto que institui a “Lei de Segurança do Pix”.
Desde o lançamento, em novembro de 2020, o Pix já foi usado por mais de 109 milhões de brasileiros. Somente em janeiro de 2022, o Banco Central contabilizou R$ 639 milhões em transações por meio do método, o que tem chamado atenção de criminosos para golpes.
“Queremos criar uma solução efetiva aos brasileiros vítimas de golpes dando mais segurança digital. A intenção é fazer o Pix ser solução, não dor de cabeça”, justificou o senador Chico Rodrigues, ao JOTA.
O que o projeto prevê
O Projeto de Lei (PL) 133/22 já teve o seu texto publicado no Diário Oficial do Senado, mas ainda aguarda relator para tramitar entre as comissões.
Se receber o aval dos senadores, a matéria determinará “regras de segurança aos usuários do pagamento instantâneo brasileiro e mecanismos de recuperação célere dos valores transferidos, na hipótese de cometimentos de crimes patrimoniais”.
Uma das principais mudanças é o poder acautelatório dado à autoridade policial, que, “na hipótese de indícios contundentes de cometimento de crimes patrimoniais, utilizando-se, como meio de execução, o PIX”, poderá determinar aos bancos o bloqueio dos valores transferidos para contas dos suspeitos.
Ou seja, o bloqueio se tornaria uma medida extrajudicial, a princípio. Apesar disso, a polícia terá a obrigação de comunicar ao Poder Judiciário, que deverá decidir se mantém o bloqueio, em um prazo de até 24 horas.
“Essa situação extrajudicial também é alcançada pelo projeto. Eu mesmo já caí em golpe, quando transferi a um criminoso o valor de R$ 1,2 mil pensando que era um conhecido que precisava do dinheiro”, comentou Chico Rodrigues.
determinar o bloqueio extrajudicial da res furtiva”.
O projeto de lei também prevê a criação de uma senha pelo Banco Central a cada um dos usuários do Pix. Ela seria usada em casos de suspeitas de golpes ou em eventuais crimes de sequestros motivados por pagamentos de valores.
Ao utilizar a senha, o banco no qual a conta da vítima é vinculada emitirá um alerta à polícia indicando a movimentação suspeita. “Essa senha tem a finalidade de alertar o banco sobre eventuais suspeitas, sobretudo, em casos de crimes de sequestros”, resumiu o senador.
A matéria não prevê eventuais punições aos bancos em caso de descumprimento, mas determina que a Justiça encerre “a conta do usuário recebedor que seja coautor do crime, a inclusão de seu nome nos cadastros de restrição ao crédito e a suspensão mínima de um ano para a abertura de conta em instituições bancárias”.
Bancos confiam na segurança do Pix, diz Febraban
Questionada pelo JOTA sobre a iniciativa do senador em relação ao poder de bloqueio extrajudicial dado à polícia no projeto lei, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) avalia que “a medida é positiva, pois vai na direção da atual prática”, mas faz a ressalva de que “qualquer inovação deve ser profundamente analisada para evitar inconvenientes e transtornos ao consumidor de bloqueios indevidos”.
A entidade afirma que “o sistema bancário confia nos mecanismos de segurança adotados pelo Banco Central. Também utiliza o que há de mais moderno em termos de tecnologia e segurança da informação, sempre em consonância com as regras do produto”.
A Febraban lista que já existem métodos de segurança aos usuários do Pix que contemplam o que o projeto quer abranger, como o limite de R$ 1 mil para transferência entre pessoas físicas entre 20h e 6h, o rastreamento do dinheiro e a função “Mecanismo Especial de Devolução”, que “viabiliza a devolução de um Pix nos casos em que exista suspeita do uso da ferramenta para a prática de fraude ou falha operacional”.
“Assim que houver a identificação da fraude, o cliente através dos canais atuais de contestação de seu banco, deverá informar o ocorrido. Desta forma, o banco enviará um bloqueio de valor de forma imediata na conta do usuário recebedor, até que a análise seja concluída”, informa a Febraban.
Especialistas divergem da ideia
Especialista em sistema financeiro, Marcelo Godke Veira — sócio fundador do escritório Godke Advogados – avalia que o texto do projeto de lei traz uma novidade de competência à autoridade policial no âmbito criminal, que é o bloqueio das contas.
Godke, contudo, faz ressalvas ao projeto de lei.
“Ele cria uma obrigação aos bancos, que é avisar a autoridade policial quando a senha que emite alerta for usada. Tenho dúvidas se isso não gera complicações a mais para o cliente bancário. Em caso de sequestro, como os criminosos não vão saber que a vítima usou essa senha que emite um alerta?”, avalia.
Já Marco Antônio de Araújo Júnior, especialista em Direito do Consumidor e Novas Tecnologias pela Universidad Complutense de Madrid, afirma que o projeto de lei, nos pontos relacionados à segurança, preenche uma lacuna que o CDC ainda não conseguiu abranger, que é o avanço da tecnologia no cotidiano.
“O CDC tem 32 anos, ou seja, não contempla as práticas tecnologias da internet. O Código do Consumidor ainda é um texto bastante útil, mas que precisa de adaptações como essa do Pix”, destacou.