A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou à Odebrecht S.A. pedido para manter crédito de U$S 124 milhões devido à República Dominicana na lista de credores da recuperação judicial da empreiteira. A decisão é de quarta-feira (15/9).
A dívida provém de acordo de leniência firmado entre a Odebrecht e a Procuradoria-Geral da República Dominicana, em 2017, por meio do qual ficou acordado que a empresa indenizaria o país por crimes de corrupção em contratos de obras públicas.
Ao entrar em recuperação judicial, a Odebrecht, então, deixou de pagar o valor acordado com os caribenhos e inseriu o país na relação de credores – neste caso, os pagamentos ficam judicialmente suspensos até que a Odebrecht apresente um plano de pagamento, a ser analisado pela assembleia de credores.
A divergência entre as partes está em dois pontos, fundamentalmente: se a República Dominicana tem imunidade de jurisdição (e, portanto, não deve se sujeitar à lei de recuperação judicial brasileira) e qual a natureza dos créditos definidos no acordo de leniência.
A empreiteira argumenta que o crédito decorrente do acordo de leniência tem caráter transacional e natureza de reparação civil, representando ato de gestão, não de império. Além disso, defende que acordos de leniência celebrados no exterior não podem ser comparados aos brasileiros. Também diz que não há imunidade de jurisdição porque o Estado praticou atos de gestão (natureza civil).
“(…) a simples cobrança do crédito pela República Dominicana no Brasil consiste em medida de caráter patrimonial, ressaltando a possibilidade de atingir bens detidos pela recuperanda no país”, justifica a empresa.
Já a República Dominicana alega que faz jus à imunidade de jurisdição de que gozam Estados estrangeiros, já que o acordo de leniência resultou de ato de império “pois fundado em legislação voltada ao combate de corrupção, cujo interesse público é perfeitamente verificável, justamente por se tratar de política de Estado voltada a coibir atos ruinosos ao erário, decorrente da manipulação de mercado na contratação de obras públicas”.
Para o Estado, o objeto do acordo de leniência não tem natureza própria de direitos pessoais (obrigacionais), porque não contratou uma prestação de serviços, mas sim dispôs, sob condição (e desde que a outra parte aceite), de seu direito de punir conforme estabelece sua lei.
Utilizando-se de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Organização das Nações Unidas (ONU), o tribunal acatou os argumentos da República Dominicana, mantendo a decisão de primeira instância para não aceitar que o crédito seja colocado na lista de credores.
“Ademais, ressaltou o juízo na decisão que o Supremo Tribunal Federal relativiza a imunidade de jurisdição, contudo para situações que envolvam direito privado, sendo que no presente, se trata de acordo que cuida de direito público, sendo o interesse público daquele Estado, a administração da coisa pública e as sanções por atos de corrupção. Aqui, repise-se, é ato de soberania, pelo qual o Estado substitui a persecução penal pelo acordo de leniência, estando assim resguardado no âmbito do Direito Internacional Público”, escreve o relator da ação, desembargador Alexandre Lazzarini.
A República Dominicana é defendida por José Augusto Fontoura Costa, Welber Oliveira Barral, Jorge Sotto Mayor Fernandes Neto e Matheus Soares Salgado Nunes de Matos, do Barral Parente Pinheiro Advogados. A Odebrecht, pelo E.Munhoz Advogados.
A ação tramita com o número 2257373-73.2020.8.26.0000. Leia a íntegra da decisão.