A suspensão da soltura de Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru, foi confirmada pelo procurador-geral do país, Carlos Reaño, durante audiência realizada pela Corte IDH na sexta-feira (1/4). Ele ressaltou que o Tribunal Constitucional do Peru tem autonomia e soberania sobre as decisões tomadas e que, internamente, “só está submetido à Constituição”. Ponderou, no entanto, que isso não o exime de se curvar à Convenção Interamericana, da qual o Peru é signatário desde 2003.
O Peru suspendeu uma ordem judicial para libertar da prisão o ex-presidente Alberto Fujimori, condenado por crimes contra a humanidade, depois de uma resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitida na quarta-feira (30/3).
O órgão intercontinental exigiu que o Estado peruano não cumpra a decisão local até que se decida sobre pedidos feitos por familiares de vítimas nos casos Barrios Altos e La Cantuta, duas matanças que resultaram em 25 mortes e pelas quais Fujimori foi condenado, em 2009.
A soltura foi ordenada pelo Tribunal Constitucional do Peru, a mais alta corte do país, em 28 de março deste ano, a pedido da defesa do ex-mandatário, de 83 anos. O habeas corpus tem com base um indulto concedido a ele “por razões humanitárias” pelo então presidente Pedro Pablo Kuczynski, em 2017, sob o argumento de que Fujimori tem problemas de saúde.
“O Estado peruano reconhece a autonomia e supremacia das decisões de última instância do Tribunal Constitucional, mas o Estado peruano também é enfático em ressaltar que essas decisões não podem ser excluídas do controle convencional dos órgãos do sistema interamericano, já que o que se busca é justamente proteger os direitos humanos dos nossos cidadãos e cidadãs”, declarou o procurador-geral.
Ele afirmou que o Peru obedecerá a todas as ordens da Corte Interamericana. “O presidente da República, em relação aos casos Barrios Altos e La Cantuta, expressa solidariedade aos familiares de vítimas de ambos e se compromete a cumprir com todas as resoluções que a Corte possa emitir, tanto nesses casos como em todos os outros submetidos à convenção da qual o Peru faz parte”, salientou o representante do Estado.
Para a defesa das vítimas, há uma série de falhas na decisão de concessão de liberdade. “O indulto que, hoje, o tribunal constitucional peruano tenta restabelecer é uma isenção de responsabilidade que, de acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana, é inadmissível em casos de graves violações de direitos humanos”, defendeu Carlos Rivera, um dos advogados das famílias.
Ele contestou a forma com que o Tribunal Constitucional decidiu pela liberação de Fujimori – sem ouvir representantes das vítimas e com um voto de minerva da presidente, Marianella Ledesma, após votação dividida em três a três.
Rivera listou o que considera falhas na decisão do Tribunal Constitucional: a falta de explicações sobre quais doenças graves justificam a soltura, sobre como as condições da prisão o colocam em risco, sobre a falta de cooperação do condenado para o esclarecimento dos fatos e sobre o contexto de crise política do Peru quando da concessão do indulto. Para ele, a decisão do Tribunal Constitucional tenta “restabelecer a isenção de responsabilidade” de Fujimori.
“A decisão do tribunal constitucional foi tomada sem respeitar as garantias do devido processo e em evidente ilegalidade. Neste sentido, o voto de minerva da magistrada Marianella Ledesma, no expediente do processo, sequer consta alguma das resoluções judiciais que se analisaram e anularam, nem a avaliação médica que serve de base para a concessão de habeas corpus, tampouco as sentenças e resoluções deste alto tribunal”, disse o advogado.
Gisela Ortiz, irmã de umas das vítimas de La Cantuta, fez um apelo para que a Corte IDH “faça justiça” e siga protegendo os direitos de vítimas de crimes contra a humanidade na região.
“Quando se negocia indultos políticos ou quando há um Tribunal Constitucional que decide dar liberdade a Alberto Fujimori, não se leva em conta os direitos das vítimas e dos familiares, não se pergunta se isso diminui o grande dano que nos foi causado, não nos perguntam se as reparações civis foram cumpridas. No entanto, seguimos com familiares desaparecidos e que nunca mais vão voltar. Não é possível que não vamos ter justiça de um Estado que não é capaz de garantir esse direito”, declarou Gisela.