A juíza Luciana Bezerra de Oliveira da 57ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou uma empresa alimentícia por manter contrato de trabalho fraudulento e não pagar salário de estabilidade provisória a uma funcionária gestante. Bezerra, ao analisar o caso, se baseou na Recomendação nº 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para julgamento com perspectiva de gênero.
A mulher havia sido contratada para trabalhar como cozinheira em uma escola pública municipal. A empresa de alimentação firmou o contrato de trabalho intermitente com a cozinheira, mesmo ela prestando serviços de maneira ininterrupta e trabalhando até em feriados.
A última convocação da funcionária foi entre 1/12/ 2021 e 17/12/2021. Em janeiro deste ano, a mulher descobriu que estava grávida de 14 semanas e solicitou que a empresa pagasse os salários relativos a estabilidade provisória. O empregador não pagou e descumpriu a tutela de urgência concedida pela Justiça de São Paulo.
Em sua defesa, a empresa afirmou que pagou R$79,90 para a gestante e alegou que o salário “era pago de acordo com a média tendo em vista que ela não havia mais sido convocada”. Sustenta ainda que “o holerite do mês de fevereiro ainda não foi fechado e em razão de tal fato a reclamada cumpriu com a tutela de urgência”.
Ao analisar o processo, Bezerra entendeu que a interrupção das atividades da cozinheira aos finais de semana não justifica o contrato intermitente de trabalho. “Não havia real alternância real entre períodos de prestação de serviços e de inatividade. A reclamante trabalhava como cozinheira escolar, lotada em escola pública e, obviamente, não havia nenhuma atividade na escola aos finais de semana que justificasse a presença da cozinheira ou mesmo dos demais trabalhadores que ali atuavam (professores, inspetores, diretoria, etc) justamente por se tratar de final de semana”, afirma e continua: “O contrato intermitente, na verdade, serviu para escamotear um verdadeiro contrato de trabalho sem prazo determinado”.
A juíza acrescenta que o regime jurídico, apesar de não fixar tempo máximo de inatividade, não autoriza que o empregador mantenha o contrato indefinidamente, sem nunca convocar a empregada para prestar serviços, sob pena de caracterizar abuso na liberdade de convocação, e, com isso, causar dano moral à empregada.
“A reclamada não causou à reclamante mero aborrecimento. Na verdade, a reclamada manteve a reclamante ligada a um contrato mal esclarecido, em compasso de espera, totalmente desassistida, à beira da miséria e isso tudo durante um dos períodos mais sensíveis e difíceis da vida de uma mulher: a gravidez”, disse Bezerra. “A reclamada não cumpriu nem mesmo a tutela de urgência concedida, valendo-se de ardis e estratagemas sem sentido. Tempos sombrios este, em que decisões judiciais são tão flagrantemente desrespeitadas neste país. O Poder Judiciário não pode fechar os olhos a todas essas situações e desrespeitos”, acrescentou.
Com relação aos salários para estabilidade da gestante, Bezerra observou que “reintegrar a trabalhadora ao trabalho não se resume à inserção formal ou a não-exclusão dos quadros do empregador”. E prossegue: “No caso da trabalhadora gestante, o objetivo da norma legal é, justamente, garantir emprego e salário para o sustento e a sobrevivência da trabalhadora grávida e, consequentemente do feto. Portanto, a empregadora se valeu de artifícios para não cumprir a tutela de forma plena, pois não demonstrou que efetuou o pagamento dos salários, desde sua intimação, e tampouco garantiu seu pagamento como a tutela determinou”.
A juíza se baseou na Recomendação nº 128 do CNJ para a adoção de julgamento com perspectiva de gênero pelo Poder Judiciário brasileiro. “A reclamante se encaixa justamente nesses recortes: trabalhadora de baixa renda que se submeteu a um contrato intermitente fraudulento, precarizado (decorrente de terceirização), e, ainda, por cima, em situação dificílima durante a gestação (sem receber seus salários). Todos esses fatos levam a concluir que certamente a trabalhadora encontrará dificuldades em obter acesso ao salário maternidade”, destaca.
Assim, Bezerra declarou nulo o contrato de trabalho intermitente, reconhecendo-o como contrato sem prazo determinado. Deferiu a rescisão indireta, por falta grave cometida pelo empregador; condenou-o a indenizar a gestante pelo período equivalente à licença provisória; e tornou definitiva a tutela de urgência, fixando multa de R$ 1 mil/dia a partir da intimação da empresa. A empresa pode recorrer da decisão.
Processo tramita sob o número 1000121-86.2022.5.02.0057.