Em 2015, dois aspectos foram fundamentais para se bem compreender o Supremo. O primeiro diz respeito ao seu fragmentado desempenho institucional. O segundo, ao seu independente desempenho político jurídico.
A fragmentação decisória e procedimental do tribunal é a raiz de todos os males. O diagnóstico e a crítica são anteriores a 2015. Mas, no ano passado, ficou evidente para todos – profissionais de direito, partes, opinião pública, demais poderes, mídia e muitos dos próprios ministros – que o Supremo se comporta mais e mais como conjunto de individualidades e não como colegiado, como determina Constituição.
Os indicadores são vários.
Quais os limites do que se pode dizer à imprensa? Como o pedido de vista deve ser utilizado? Para quais fins? Quais os espaços e condições apropriados para encontrar autoridades públicas envolvidas em disputas perante o tribunal? Como coordenar esforços para evitar o labirinto de recursos e agravos que os envolve a cada dia? Perguntas cujas respostas deveriam ser padrões institucionais, se consolidaram como escolhas e estilos individuais.
Temos ministros manifestando na imprensa posições sobre temas constitucionais controversos, antes, durante e depois do julgamento de processos pelo colegiado do Supremo. O deputado Eduardo Cunha mal havia anunciado o recebimento da petição de impeachment contra a presidente, e já tínhamos declarações do ministro Marco Aurélio sobre os limites do papel constitucional do presidente da Câmara nesse procedimento.
Segundo dados do Supremo em Números, o tribunal tem uma média de 97,7% de decisões monocráticas por ano. Pouco menos de 2% são tomadas pelas Turmas. Apenas 0,27% pelo plenário.
As decisões individuais dos ministros moldam as estratégias profissionais das partes e as próprias relações entre os poderes. Ameaçam constantemente produzir fatos consumados, para o bem ou para o mal, enquanto aguardam, às vezes por anos, a apreciação do Plenário. Como a liminar da ministra Rosa Weber, em 2013, suspendendo a resolução da ANVISA que proibia a comercialização de cigarros com aroma. A liminar permanece há 869 dias.
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Em 2015, os pedidos de vista se desvelaram em estratégias de obstrução para forçar o tribunal a decidir certas questões no tempo “certo” – sendo o tempo “certo”, aqui, definido por um único ministro, e não por uma soma de votos. Foi o que o ministro Gilmar Mendes deixou claro em sua longa vista da questão do financiamento de campanha. Essa desconsideração sistemática dos prazos regimentais dos pedidos de vista acaba criando um poder de veto unilateral, impune e inconstitucional. Mina a confiança pública no Supremo. Soma-se a muitas outras injustificadas imprevisibilidades operacionais, como a indefinição, no mesmo dia da sessão, do que será de fato julgado dali a algumas horas. O que provoca justa indignação dos advogados e da OAB.
Reuniões individuais entre autoridades políticas e ministros, com ou sem o manto da representação institucional — às vezes públicas, às vezes originalmente secretas, mas eventualmente publicadas — são outro indicador da individualização progressiva do Supremo.
Monocratização das decisões, polêmicas reuniões não-institucionais, pedidos de vista como veto individual, manifestações ilimitadas na imprensa. Nenhum desses fenômenos é, em si, novidade. Nunca antes, porém, revelaram-se de forma tão evidente como conjunto, e como ameaça à imagem de colegialidade, imparcialidade e independência de que o Supremo necessita.
Em 2015, o Supremo se apresentou quase como uma federação de onze ministros. No limite, cada ministro-tribunal dá sua interpretação às suas próprias competências estabelecidas em leis e no regimento. Pelo volume de casos, pela ausência de regras ou conseqüências claras para quem as descumpre e pelas limitações do processo decisório interno, o controle colegiado desse espaço de ação individual é quase sempre imperfeito. O quanto cada ministro explora, arrisca e testa os limites de seu espaço é, em detrimento do colegiado, um campo de experimentação pessoal quase livre.
E, se é verdade que o Conselho Nacional de Justiça não tem competência para fiscalizar o Supremo, como afirmam vários de seus ministros, a contrapartida dessa imunidade deveria ser redobrada convergência de todos em torno de regras claras de conduta na atuação como ministros.
Nesta semana, perguntado pelo JOTA se não poderia ter se recusado a receber autoridades governamentais e atores políticos na véspera do julgamento do rito do impeachment, Barroso respondeu: “Eu até poderia. Mas acho que essa deve ser uma decisão institucional.” Exemplo claro de falta de convergência institucional e dos seus riscos para o tribunal.
Esta fragmentação é fratura exposta. Para enfrentá-la, o tribunal não conta com uma autoridade “coordenante” — por exemplo, de sua Presidência — para coibir excessos e fazer convergir comportamentos. Em dezembro, Lewandowski chamou a imprensa para participar de reunião solicitada por Eduardo Cunha após a decisão do impeachment. Boa medida de transparência, porém ainda limitada à virtude da escolha individual.
Dar a cada ministro ampla liberdade de organizar seu gabinete – suas rotinas, procedimentos, métodos e prazos – tem um alto preço. Em nome de sua independência, podem agir como pontos absolutos de veto à inovação, mesmo que meramente administrativa. Dificultam Iniciativas de racionalização da gestão dos processos.
O apego excessivo às próprias palavras e ideias diante das câmeras da TV Justiça e das mídias sociais tem sido também criticado quando se espera que o tribunal fale com uma única e consistente voz. Em longos votos, por vezes de velha erudição coimbrã, os acórdãos variam imensamente em forma e conteúdo. Onze estilos individuais que nem sempre se comunicam bem – entre si, com a sociedade, com os profissionais jurídicos e com o resto do judiciário. ministros poderiam com mais frequência recorrer a três poderosas palavras: “Acompanho o voto.” Facilitaria a comunicação e reduziria os custos.
Se o Supremo é incapaz, por ação centralizada da presidência ou por organização coletiva dos ministros, de limitar comportamentos administrativos individuais inadequados e ineficientes de seus integrantes, quem o fará?
A divergência jurisdicional é da natureza do Supremo. Sua essência. As divergências administrativa e gerencial, não. Seu desperdício.
A federalização do Supremo, porém, com essa ampla variação de comportamentos, permite observar, ao longo do tempo, como diferentes estilos adotados pelos ministros – as experiências individuais permitidas por esse federalismo – contribuem mais ou menos para enfrentar os desafios institucionais do Supremo.