Direito Tributário

O controle de mérito dos benefícios fiscais

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Capítulo 1

Limites e possibilidades de atuação do Poder Judiciário

A atividade de controle sobre atos, funções e poderes públicos é essencial para o fortalecimento das instituições e o aperfeiçoamento do regime democrático.  Naturalmente, todo e qualquer gasto público deve estar sujeito a controle.  

Os benefícios fiscais[1] não acarretam uma saída efetiva de recursos ou valores dos cofres públicos.  Contudo, sua concessão importa na criação de uma despesa indireta, já que o Estado deixa de arrecadar valores em virtude dessa espécie de renúncia de receita.  É óbvio, portanto, que os benefícios fiscais também devem ser objeto de controle, assim como as despesas diretas.

Assim como nos outros casos de gasto público, é possível que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário controlem as renúncias tributárias.  Entretanto, como a atividade de concessão dessa despesa pública está afeta primordialmente aos Poderes Executivo e Legislativo, cabe perquirir que papel tem ou deveria ter o Poder Judiciário no controle desses recursos.

Embora a matéria ainda não tenha recebido a devida atenção por parte da doutrina do direito financeiro e tributário, a profunda crise financeira que assola muitos entes federados, assim como a existência de alguns processos judiciais discutindo a concessão e manutenção de benefícios fiscais, trouxeram à tona questões interessantes envolvendo os limites e / ou campo de atuação do Poder Judiciário no controle dessa renúncia de receita.

O presente texto busca discutir o campo de atuação do Poder Judiciário no que tange ao controle do mérito dos benefícios fiscais, de forma a explorar os limites e possibilidades de atuação desse Poder no controle dessa despesa pública indireta.

Capítulo 2

Controle de mérito

Benefícios Fiscais

Consoante o ensinamento do Barão de Montesquieu[2], a natureza das coisas revela que o detentor do poder, invariavelmente, é levado a dele abusar, razão pela qual é necessário que o Poder limite o Poder, a fim de que seja evitada a tendência natural de que dele se abuse.  

É na esteira dessa ideia que se consolida, estrutura e ganha força a função de controle, especialmente no âmbito dos Estados Democráticos de Direito, onde o princípio do controle é de fundamental importância.  Realmente, as democracias modernas dispõem de vários mecanismos de controle mútuo, baseados em instâncias relativamente autônomas e poderes de revisão recíprocos, com a finalidade de que a atividade estatal submeta-se sempre à supremacia do interesse público[3]

Evidentemente, os benefícios fiscais também devem ser objeto de controle, mormente porque implicam, muitas vezes, em tratamento diferenciado entre contribuintes com a mesma capacidade contributiva. De fato, em virtude da sua forma de concessão, bem como por não constarem da peça orçamentária (ao contrário das despesas diretas), deve ser exigido mais rigor e fiscalização quanto à sua concessão e seus resultados.  

A exemplo do que ocorre no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, também é possível ao Poder Judiciário analisar a regularidade da concessão e a necessidade da manutenção dessa despesa indireta, aferindo o cumprimento dos requisitos constitucionais e legais para a utilização dessa espécie de gasto público.  

No que concerne aos aspectos formais, a questão parece não comportar maiores dúvidas, sendo possível afirmar que o Judiciário possui amplo campo de atuação na análise do cumprimento de requisitos formais previstos na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal.     

Nesse contexto, não se discute que o judiciário pode e deve analisar, por exemplo, se o benefício fiscal foi instituído através do instrumento normativo adequado (lei, decreto ou convênio) e pelo ente que detém competência tributária e legislativa para tratar da matéria (União, Estados ou Municípios)[4].

Ainda sob o aspecto formal, também é possível que o judiciário analise se os requisitos exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para a concessão de renúncias tributárias foram devidamente cumpridos (por exemplo, art. 14 da LRF).

Mais complexa, contudo, é a questão do controle de mérito dos benefícios fiscais.  Esse ponto de análise refere-se diretamente à intrincada questão da utilização dessa espécie de gasto público como vetor de políticas públicas, a possibilidade de seu controle pelo judiciário e o princípio da separação de poderes.  

Nessa linha, cabe pesquisar, por exemplo, se o judiciário pode se imiscuir nas escolhas efetuadas pelos Poderes Legislativo e Executivo de conceder benefícios fiscais a determinados setores econômicos (setor automotivo ou petroquímico, por exemplo), assim como nas espécies de benefícios utilizados (isenção, redução de alíquota ou base de cálculo, por exemplo).

No Brasil, não obstante a crescente judicialização da política e de importantes questões sociais e econômicas ocorrida nos últimos anos[5], continua sendo possível afirmar que, em regra, a escolha de políticas públicas (assim como seus vetores) e a definição de seus conteúdos cabem (primordialmente) ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo[6].  

Em primeiro lugar, em razão da própria lógica democrática adotada pela Constituição Federal de 1988 (Art. 1º, caput, da CF/88).  Em segundo lugar, em virtude da divisão e separação das funções dos Poderes (Art. 2º da CF/88), que possuem atribuições definidas pela Carta Constitucional de 1988 (art. 44/75 – do Poder Legislativo; art. 76/91 – do Poder Executivo; art. 92/126 – do Poder Judiciário).

Em outras palavras: Como regra geral, deve ficar a cargo do executivo e do legislativo a escolha de intervir ou não na ordem econômica (e através de que meio), como forma de corrigir as imperfeições do mercado ou buscar a concretização de objetivos e fins previstos pelo texto constitucional.  Nesse contexto, caberá também a esses poderes definir o conteúdo das normas tributárias extrafiscais (benefícios fiscais), se for esse o meio escolhido, para a consecução daqueles fins.  

Não deve o judiciário, portanto, exceto em situações específicas, ignorar essas normas e estabelecer regulação diversa daquela que compõe o mérito da regulação estabelecida pelo Legislativo ou Executivo[7].  Afinal, não é tarefa do Poder Judiciário apontar qual setor econômico deve ou não receber um benefício fiscal (por exemplo, setor automotivo e não o setor têxtil), nem escolher qual tipo de renúncia tributária deve ser utilizada em determinada situação (por exemplo, uma redução de base de cálculo e não uma redução de alíquota).  

Os Poderes Legislativo e Executivo têm liberdade de escolher a medida de comparação mais adequada à finalidade extrafiscal perseguida, desde que respeitadas as regras de competência constitucional, os limites constitucionais tributários e o regramento da ordem econômica, bem como atendidas as finalidades constitucionais[8].

Percebe-se, portanto, que a escolha de intervir no domínio econômico, através da utilização de benefícios fiscais, insere-se dentro da esfera de competência dos Poderes Executivo e Legislativo, ficando suas escolhas, desde que atendidos os requisitos constitucionais e legais, imunes à ingerência do Poder Judiciário.  

Contudo, Legislativo e Executivo não possuem liberdade irrestrita.  Realmente, a própria Constituição estabelece alguns limites à liberdade de atuação desses Poderes: 1) por intermédio de normas constitucionais que estabelecem regras e princípios que garantem direitos fundamentais aos contribuintes e regulam a ordem econômica (isonomia, capacidade contributiva e livre concorrência, por exemplo); 2) por meio de normas constitucionais que estabelecem fins a serem atingidos pela atuação do Estado, que acabam também por limitar a atuação dos legisladores e administradores, os quais ficam materialmente vinculados aos fins anteriormente escolhidos (por exemplo, IPTU e ITR progressivos para atender à função social da propriedade).

Capítulo 3

A utilização do princípio da proporcionalidade

Parâmetros para um controle de mérito

Consoante já exposto, respeitadas as regras de competência constitucional, os limites constitucionais tributários e o regramento da ordem econômica, bem como atendidas as finalidades constitucionais, os Poderes Legislativo e Executivo têm liberdade para escolher a medida de comparação mais adequada à finalidade extrafiscal perseguida.

Entretanto, em alguns casos, a utilização de benefícios fiscais pode acabar colidindo com princípios constitucionais, como, por exemplo: a capacidade contributiva, a isonomia tributária ou a livre concorrência.  Diante dessas situações, é possível sim que o judiciário controle a compatibilidade entre os princípios constitucionais atingidos e a medida de intervenção na ordem econômica (benefício fiscal), sob o enfoque do princípio da proporcionalidade[9], em suas três conhecidas vertentes.

A submissão das renúncias tributárias ao crivo do princípio da proporcionalidade é possível, então, como forma de compatibilização entre os princípios constitucionais atingidos (isonomia / capacidade contributiva / livre concorrência, por exemplo) e os benefícios fiscais concedidos, permitindo, outrossim, um controle mais objetivo e transparente dessas medidas pela sociedade, de forma a se evitar a concessão de medidas não albergadas diretamente ou indiretamente pela constituição.

Nesse contexto, em primeiro lugar, o critério ou medida escolhida deve provocar efeitos que contribuam para a promoção gradual da finalidade extrafiscal.  Fala-se, assim, em medida de comparação adequada[10].  

Nesse ponto, é importante destacar que a máxima da adequação tem, na verdade, a natureza de um critério negativo, isto é, a exigência de adequação não determina tudo, mas excluiu algumas coisas, servindo para eliminar de plano os meios evidentemente inadequados[11].

Necessária é a medida que, dentre todas as medidas igualmente adequadas e disponíveis, provoca a menor restrição possível no que tange aos demais princípios em jogo, como, por exemplo, o da igualdade[12].  Ao contrário do que ocorre com a adequação, aqui não ocorre uma simples eliminação de meios.  Nada obstante, ao legislador / executivo também não é imposta categoricamente a adoção do meio que intervém em menor intensidade, sendo lhe garantida prerrogativa de avaliação e decisão para escolher entre diversos caminhos potencialmente adequados para atingir a finalidade eleita[13].

Proporcional (stricto sensu) é a medida de comparação em que os efeitos positivos, decorrentes da adoção da medida, aferidos pelo grau de importância e de promoção da finalidade extrafiscal, superem os efeitos negativos decorrentes da sua utilização[14].

Veja que a análise da proporcionalidade stricto sensu é feita com base em uma ponderação, entre o peso da finalidade extrafiscal que é buscada e a eventual restrição à igualdade, ou a outro princípio constitucional afetado pela norma que concedeu o benefício fiscal[15].

A ideia da proporcionalidade impõe a máxima realização dos direitos fundamentais, não apenas em face das possibilidades fáticas, mas também em relação às possibilidades jurídicas, as quais são determinadas pelos princípios colidentes[16].

Capítulo 4

Separação dos poderes

Limites da atuação do Poder Judiciário

Delineadas as noções essenciais da proporcionalidade (lato sensu), é essencial destacar que dentro da análise, conformação e concretização da compatibilidade dos benefícios fiscais em face de outros princípios constitucionais, executivo, legislativo e judiciário estão sujeitos a limitações, em razão da lógica democrática adotada por nossa Constituição e do próprio princípio da separação dos poderes.

De início, é importante assentar que deve ser reconhecido ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, em virtude de sua legitimação democrática, uma certa liberdade de configuração ou margem de apreciação relativamente aos seus atos[17].  

Nessa linha, o judiciário deve ter muito cuidado na ponderação dos princípios envolvidos, guardando, sempre que possível, uma postura de deferência às escolhas dos legislativo e executivo, quando da utilização e fixação das três vertentes que compõem o princípio da proporcionalidade.

Dessa forma, no que tange à análise da adequação das medidas escolhidas para o alcance dos fins pretendidos, mostra-se precisa a observação de Cláudio Pereira Souza Neto e Daniel Sarmento, que salientam que deve prevalecer um conceito fraco de adequação, ou seja, medida adequada é aquela que contribui de alguma maneira para atingir o fim pretendido[18].  

A verificação da necessidade das medidas envolvidas em face dos princípios atingidos deve seguir a mesma linha, ou seja, o Poder Judiciário deve respeitar a margem de apreciação dos órgãos responsáveis pela escolha da medida, evitando se imiscuir nas esferas de decisão política e técnica dos demais poderes estatais.  Em outras palavras: o judiciário deve se limitar à invalidação de medidas evidentemente excessivas[19].

No que concerne à análise da proporcionalidade (stricto sensu), mais uma vez, os professores Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Souza Neto são precisos, ressalvando de forma expressa que o Judiciário deve adotar uma postura de autocontenção, somente devendo invalidar medidas adotadas pelo Poder Executivo e Poder Legislativo, quando for patente que as restrições aos direitos ou interesses por ela atingidos não forem compensadas pela promoção dos interesses favorecidos. Segundo os autores, em caso de “empate ponderativo” ou de incerteza na avaliação jurisdicional, a medida deve ser mantida[20].

Nessa mesma linha, deve ser reconhecida aos Poderes Executivo e Legislativo a faculdade de escolher entre mais de uma premissa concreta duvidosa, que servirá de justificativa para restringir um direito fundamental[21], estimular ou desestimular determinada conduta.  Exemplificando, é possível afirmar que Poder Executivo e Poder Legislativo possuem liberdade de escolha sobre qual setor econômico pretendem estimular, com a finalidade de gerar mais empregos, assim como qual meio será utilizado para atingir esse objetivo: benefícios fiscais, subvenções ou subsídios.

Além disso, como bem destaca Humberto Ávila[22], também deve ser reconhecida aos Poderes Legislativo e Executivo uma margem de prognose quanto aos efeitos da adoção de uma determinada medida, que, naturalmente, deve almejar resultados direta ou indiretamente previstos no texto constitucional.   

Evidentemente, Legislativo e Executivo não possuem liberdade irrestrita, ficando o exercício dessas prerrogativas sujeito ao controle por parte do Poder Judiciário.  

Nada obstante, é preciso verificar que situações justificam ou impõem maior controle por parte do Poder Judiciário, assim como em que situações esse controle deve ser menor.

Em primeiro lugar, quanto mais técnica for a questão ou mais duvidoso for o efeito da medida, menor deve ser a possibilidade de ingerência por parte do judiciário (por exemplo, os efeitos de determinada medida sobre a economia ou mercado de trabalho).  Isso, porque se presume que o executivo e o legislativo, dentro de um regime democrático, tenham baseado suas escolhas em estudos técnicos ou científicos, amplamente debatidos entre os atores sociais que, dentro de um debate alicerçado em argumentações racionais, tenham optado por determinada medida.  

Nessas situações (debate sujeito à argumentação racional e escolha alicerçada em dados empíricos, técnicos e científicos) deve ser reconhecida ao legislativo e ao executivo uma margem de avaliação, tanto das premissas empíricas que serão utilizadas na tomada de decisão, quanto dos possíveis efeitos que a medida irá provocar, como já dito.

Conforme preciosa lição de Humberto Ávila[23], quanto mais duvidoso for o efeito futuro da medida, bem como difícil e técnico for o tratamento da matéria, tanto maior será a liberdade de conformação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, e menor a possibilidade de ingerência do Poder Judiciário[24].

Caberá ao Poder Judiciário, então, verificar se o Poder Executivo e Poder Legislativo fizeram uma análise objetiva e sustentável do material fático e técnico existente.  Além disso, caberá também ao Poder Judiciário aferir se Legislativo e Executivo esgotaram as fontes de conhecimento para prever os efeitos da maneira mais segura possível, bem como se se orientaram pelo estágio atual da técnica e da ciência[25].   

Por outro lado, o âmbito de controle por parte do Poder Judiciário será tanto maior quanto for: a) a evidência de equívoco quanto às premissas escolhidas e as prognoses realizadas; b) a restrição e a importância do bem jurídico constitucionalmente protegido[26].  Em outros termos: maior será a possibilidade de controle diante de premissas ou prognoses evidentemente equivocadas, assim como diante de restrições envolvendo, por exemplo, o bem jurídico vida.

Em segundo lugar, a garantia de liberdade de conformação do legislador e do administrador não pode ser vista desvinculada do resultado produzido pelo benefício fiscal.  Dessa forma, constatada de forma irrefutável a ineficiência ou ineficácia da medida estabelecida, para o fim pretendido, deverá o legislador ou administrador empreender os esforços necessários para superar o estado de inconstitucionalidade com a presteza necessária[27].

Explique-se: conquanto seja reconhecida ao legislativo e ao executivo uma substancial liberdade de conformação nos casos de efeito futuro duvidoso (prognose) ou matéria estritamente técnica, a ineficiência ou ineficácia da renúncia tributária (que, por exemplo, não foi capaz de gerar os postos de trabalho previstos), constatada de forma irrefutável com passar do tempo, torna sua manutenção ilegítima, impondo-se sua revogação ou extirpação do sistema jurídico, inclusive por meio do Poder Judiciário[28].

Com efeito, muito embora essa situação revele uma hipótese de benefício fiscal concedido (em sua gênese) de forma legítima e constitucional, o transcurso do tempo acabou demonstrando sua ineficiência ou ineficácia.  Por isso, impõe-se sua retirada do mundo jurídico (pois sua manutenção consagraria verdadeiro privilégio odioso), seja por intermédio de lei ou ato administrativo, seja por meio de declaração judicial de inconstitucionalidade superveniente do benefício fiscal, naturalmente, com efeitos ex nunc.

Em terceiro lugar, a liberdade do Poder Executivo e do Poder Legislativo será tanto menor quanto mais ligado a características pessoais e de desenvolvimento do homem for o critério de diferenciação adotado (por exemplo, raça, cor, origem, ocupação profissional, etc).  

Nesses casos, a adoção de medidas de comparação demandará um ônus argumentativo superior ou adicional por parte do Poder Executivo e do Poder Legislativo, haja vista o próprio Poder Constituinte já ter manifestado a opção pela não utilização (em regra) desses critérios de comparação[29].  Diante dessas hipóteses, deverá ser reconhecida ao judiciário uma possibilidade de atuação mais ampla, já que essas discriminações presumem-se inconstitucionais.

Em quarto lugar, na eventualidade de o próprio Poder Executivo ou Legislativo estabelecer (no ato de concessão da renúncia fiscal) metas a serem cumpridas ou resultados a serem atingidos, não há que se falar, a rigor, em qualquer tomada de decisão por parte do Poder Judiciário.  Nessas situações, o Poder Judiciário tão-somente estará dando cumprimento ao que anteriormente ficou definido por parte do legislador ou administrador.  Veja que nesses casos não há que se falar em ampliação do espaço da Constituição (em detrimento da deliberação democrática), tampouco da legitimidade ou não do judiciário para intervir nas políticas públicas[30]

Por fim, não se pode olvidar da precisa observação feita por Luís Roberto Barroso[31], que adverte que a constitucionalização exacerbada, especialmente pela via interpretativa do ativismo judicial, pode trazer consequências negativas, dentre as quais: a) de natureza política: com o esvaziamento do poder das maiorias, pelo engessamento da legislação ordinária; b) de natureza metodológica: com o decisionismo judicial, potencializado pela textura aberta e vaga das normas constitucionais[32].

Capítulo 5

Conclusão

Ao final da pesquisa desenvolvida, é possível extrair as seguintes conclusões:

 

  1. Todo e qualquer gasto público está sujeito a controle.  Os benefícios fiscais equivalem a despesas públicas indiretas, estando sujeitos a controle pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;
  2. Observadas as regras e princípios constitucionais (assim como os mandamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal), os Poderes Legislativo e Executivo estão livres para fazer as escolhas que lhe pareçam as melhores, inclusive optando, se for o caso, por implementar políticas públicas através de renúncias tributárias  (modalidade de intervenção no domínio econômico).  Essas escolhas, desde que atendidos os requisitos constitucionais e legais, devem ficar imunes à ingerência do Judiciário;
  3. Executivo e Legislativo, contudo, não possuem liberdade irrestrita.  Nos casos em que a utilização desse instrumento de intervenção no domínio econômico colidir com outras normas ou princípios constitucionais, será possível que o Poder Judiciário controle / compatibilize os princípios constitucionais atingidos com os benefícios fiscais concedidos, sob o prisma do princípio da proporcionalidade;
  4. O Poder Judiciário deve respeitar a margem de apreciação dos órgãos responsáveis pela escolha da medida, evitando se imiscuir nas esferas de decisão política e técnica dos Poderes Executivo e Legislativo.  Ademais, também deve ser reconhecida aos Poderes Legislativo e Executivo uma margem de prognose quanto aos efeitos futuros das medidas adotadas.  Em suma, no que tange ao mérito dos benefícios fiscais concedidos, o judiciário tem sua esfera de atuação ligada à invalidação de medidas evidentemente inadequadas, excessivas ou flagrantemente desproporcionais (stricto sensu), bem como à retirada do mundo jurídico de medidas comprovadamente ineficientes ou ineficazes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais.  Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed.São Paulo: Malheiros, 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: O Controle Político-Social e o Controle Jurídico no Espaço Democrático. Revista de Direito do Estado, p. 17-54, jul./set. de 2006.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.  3. ed.

São Paulo: Saraiva, 2011.

_______ Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, Revista da Faculdade de Direito da Uerj, v. 2, nº 21, jan./jun. 2012.Disponível em:http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1794/2297

BOMFIM, Gilson Pacheco. Incentivos Tributários: Conceituação, Limites e Controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998.

MILESKI, Helio Saul. O controle da Gestão Pública.  2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis.  Tradução de Cristina Muracho.2. ed.São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.  Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.

VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da Isonomia Tributária – Da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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[1] A expressão benefícios fiscais é utilizada no presente texto como sinônima de renúncias tributárias, ou seja, não ingresso de recursos nos cofres públicos, em virtude de benefícios e incentivos tributários.  Para uma correta delimitação e distinção entre os termos benefícios e incentivos financeiros, creditícios e tributários, conferir: BOMFIM, Gilson Pacheco. Incentivos Tributários: Conceituação, Limites e Controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
[2] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis.  Tradução de Cristina Muracho. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 165.
[3] MILESKI, Helio Saul. O controle da Gestão Pública.  2. ed.  Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 168.  
[4]  No que concerne à necessidade de concomitância de competências (tributária e legislativa), Luís Eduardo Schoueri (Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 351) afirma que “as normas tributárias indutoras sujeitam-se: I) por força do veículo pelo qual se introduzem no mundo jurídico, às regras de repartição de competências tributárias; II) por força da matéria que regulam, às regras de competência legislativa”
[5] Consoante destaca o professor Luís Roberto Barroso, tal fenômeno marca uma ruptura com os paradigmas então existentes, mormente no que concerne às funções atribuídas a cada um dos poderes, bem como a forma como se relacionam.  Na realidade, essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico acaba por transferir poder das instâncias tradicionais, como o Executivo e Legislativo, para o Judiciário, tornando ainda mais difícil a fixação de limites claros entre a atividade de criação e a aplicação do direito (BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, Revista da Faculdade de Direito da Uerj, v. 2, nº 21,  jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1794/2297>.).

[6] Conforme lição de Luís Roberto Barroso, observadas as regras e princípios constitucionais, o Poder Legislativo e o Poder Executivo estão livres para fazer as escolhas que lhe pareçam as melhores, as quais não devem ser objeto de controle judicial, a menos que tenha ocorrido alguma ilegalidade ou inconstitucionalidade. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.  3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 444.  
[7] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 165.
[8] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 169.
[9] Conforme precisa advertência de Humberto Ávila, a tese do não controle das escolhas efetuadas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, sustentada de forma simples, além de atentar contra a função de guardião da Constituição atribuída ao STF, viola a plena realização do princípio democrático e dos direitos fundamentais, bem como a concretização do princípio da universalidade de jurisdição (Sistema Constitucional Tributário.  4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 368).
[10] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 162.  Claudio Pereira Souza Neto e Daniel Sarmento destacam que a adequação impõe o preenchimento simultâneo de duas exigências, quais sejam: a) que o fim perseguido pela atividade estatal seja legítimo; e b) que o meio escolhido seja, ao menos, apto para o atingimento do fim buscado pela atuação estatal (Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 470).

[11] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 590.  
[12] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 162.
[13] ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 591.  Para Alexy (p. 588), adequação e necessidade determinam a máxima realização com base nas possibilidades fáticas.
[14] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 163.
[15] VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da Isonomia Tributária – Da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 316.

[16] ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 593.  Segundo Robert Alexy (p. 593), a tarefa de ponderação entre os princípios colidentes deve observar duas máximas: em primeiro lugar, quanto maior for o grau de não satisfação ou afetação de um dos princípios, tanto maior deverá ser a importância da satisfação do outro princípio envolvido.  Em segundo lugar, quanto mais pesada for a intervenção em um direito fundamental, tanto maior deverá ser a certeza das premissas sobre as quais essa intervenção baseia-se.
[17] Mais uma vez, é precisa a lição do professor e Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que adverte que o reconhecimento de que juízes e tribunais podem atuar de forma criativa em determinadas situações não importa em autorização para que a vontade do judiciário sempre sobreponha a vontade do executivo e do legislativo.  A preferência pela vontade manifestada pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo concretiza a separação de poderes, a segurança jurídica e a isonomia (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.  3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011,  p. 444/445).
[18] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.  Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 473.
[19] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.  Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 476.
[20] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.  Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 479.

[21] ÁVILA, Humberto.  Sistema Constitucional Tributário.  4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 366.
[22] ÁVILA, Humberto.  Sistema Constitucional Tributário.  4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367.
[23] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 170/171.
[24] Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento também defendem que o judiciário adote uma postura de autocontenção jurisdicional na avaliação de questões de caráter eminentemente técnico, assim como nas análises das prognoses legislativas.  Nesses casos, o judiciário somente deve invalidar medidas que forem manifestamente inadequadas. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[25] ÁVILA, Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 171. Infelizmente, os Poderes Legislativo e Executivo não têm por hábito disponibilizar (pelo menos em seus sítios eletrônicos) os documentos e estudos utilizados para embasar suas escolhas ou opções em matéria de incentivos tributários.

[26] ÁVILA, Humberto.  Sistema Constitucional Tributário.  4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367.
[27] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional, 1998. São Paulo: Celso Bastos Editor, p. 475.
[28] 
Analisando a questão do déficit na fixação de prognoses legislativas pelo legislador, no âmbito da Corte Constitucional Alemã, Gilmar Ferreira Mendes revela que a citada Corte adota posição diferenciada, avaliando se a prognose se revela falha de início ou se se cuida de um erro de prognóstico somente constatável com o passar do tempo, aduzindo que somente no primeiro caso o déficit de prognose ensejaria a nulidade da lei (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional, 1998. São Paulo: Celso Bastos Editor, p. 474/475). De forma contrária, Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento entendem que também é possível o controle de medidas a partir de uma perspectiva ex post, que pode considerar a experiência concreta da medida analisada, bem como eventuais mudanças técnicas ocorridas desde sua implementação.  Nessas hipóteses, como bem salientam os autores, não se trata de punir o órgão que realizou a escolha e formulou a política pública, mas sim de impedir que restrições a direitos fundamentais continuem surtindo efeitos, sem que se obtenha qualquer proveito com a medida adotada (Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 474).
[29] 
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 173.  O referido professor entende que igual ônus argumentativo se impõe quando o critério de diferenciação escolhido puder repercutir e diminuir a eficácia de princípios constitucionais, tais como a livre concorrência, liberdade de exercício da atividade econômica, proteção da família, etc.
[30] No mesmo sentido, embora o texto trate do controle das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais, é o pensamento de Ana Paula de Barcellos, conforme se vê na seguinte passagem: “(…) Existindo as metas, a obrigação de prestar contas acerca de seu cumprimento, bem como das razões para o seu eventual descumprimento, não sofre, a rigor, qualquer repercussão das críticas acima. Note-se que não se estará, aqui, tomando qualquer decisão propriamente dita, de modo que não há que se discutir sobre a ampliação do espaço da Constituição – em detrimento do espaço da deliberação democrática – ou da legitimidade do judiciário para interferir em políticas públicas.  Também não são relevantes as dificuldades operacionais a que se fez referência acima” (Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: O Controle Político-Social e o Controle Jurídico no Espaço Democrático. Revista de Direito do Estado, p. 17-54, jul./set. de 2006, p. 48).

[31] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.  3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 443.
[32] 
Evidentemente, a avaliação da validade da norma não pode tornar-se uma forma velada de o magistrado substituir as escolhas políticas do legislativo por suas próprias escolhas.  A declaração de inconstitucionalidade deve ser sempre a última das opções, preservando-se o ato que é passível de compatibilização com a ordem jurídica constitucional, mesmo quando, aos olhos do juiz, o tratamento do caso merecesse outra solução do ponto de vista político.  Trata-se da conjugação do princípio da presunção de constitucionalidade das leis e da separação de poderes (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.  3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 445).