Segundo a pesquisadora Lígia Sica, coordenadora do Núcleo de Direito, Gênero e Identidade da FGV Direito SP, as escolhas feitas pelos comitês dos escritórios não são neutras. “As mulheres não ascendem na proporção esperada e, quando o fazem, ficam com em geral com as áreas menos prestigiosas, que dão menos dinheiro”, avalia Sica. “Por meio da estratificação, os espaços de poder são conferidos aos homens. E ninguém, seja quem for, abre mão de poder”.
No universo jurídico, os escritórios não estão sozinhos. Enquanto entre juízes substitutos as mulheres representavam 42,8% em 2013, entre os desembargadores o percentual caía pela metade. Nos tribunais superiores a situação é ainda pior. Um levantamento feito em 2015, pelos pesquisadores Anna Carolina Venturini e João Feres Júnior, mostrava que as ministras no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar eram apenas 18%. “Uma causa desta distorção, para a maior parte dos pesquisadores, é o mecanismo para poder progredir na carreira. No Judiciário, a promoção pode ser por merecimento ou por tempo – e as mulheres geralmente não são promovidas por merecimento, ascendem somente pelo tempo de trabalho”, analisa Anna Carolina, da consultoria Pluraliza, cujo enfoque é o desenvolvimento de estratégias para aumentar a diversidade no ambiente de trabalho. “Como a decisão é tomada por homens, eles acabam privilegiando seus pares”.
Os juízes e sócios dos grandes escritórios podem ter uma percepção muito favorável de si mesmos e repelirem a ideia de que sejam machistas. Mas, a escolha de um par pode ser influenciada por vieses inconscientes. O Projeto Implícito, criado por três psicólogos sociais das universidades de Harvard, Washington e Virgínia, disseca a cognição social implícita, ou seja, os pensamentos e sentimentos que se encontram fora de nossa percepção consciente.
Um dos testes disponíveis em inglês consiste em relacionar em duas colunas diferentes palavras de quatro categorias (associadas aos gêneros feminino e masculino, carreira e família). Quando o teste demanda que as palavras ligadas ao gênero feminino e à carreira sejam dispostas do mesmo lado, a maioria das pessoas enfrenta maior dificuldade do que quando tem de colocar palavras ligadas a carreira do lado de palavras associadas ao gênero masculino.
Nos 846 mil testes feitos últimos dez anos, 24% das pessoas demonstraram uma forte associação automática em relação a homens e carreira e mulheres com família, 32% (entre eles, o autor deste texto) tiveram uma moderada associação automática em relação a homens e carreira e de mulheres com família, enquanto 19% manifestaram uma leve associação neste sentido. Do outro lado da balança, só 9% demonstraram associação automática de homens com família e mulher com carreira. Os neutros, sem preferência automática de gênero e família ou carreira, foram somente 17%.
“Pode não ser um fenômeno consciente, mas os processos de escolhas de sócios nos escritórios não são neutros”, afirma a professora Patrícia. “Na hora da promoção, se tem uma mulher muito boa do ponto de vista técnico e um homem igualmente bom, mas que torce pelo mesmo time, com quem os sócios sempre almoçam, jogam futebol, fumam charutos, é natural que a opção seja pelo homem”.
No escritório Mattos Filho, embora quase seis em cada dez advogados sejam mulheres, entre os sócios essa proporção não chega a três em cada dez. “Já chegamos à conclusão de que para ter certeza de que temos um ambiente em que as oportunidades são efetivamente iguais não basta sermos neutros porque ser neutro favorece o status quo”, afirma Marina Anselmo, sócia da área de mercado de capitais. “Se não fizermos nada para impactar as carreiras das mulheres, teremos uma tendência a fazer com que os homens se desenvolvam com maior facilidade porque estamos num ambiente onde historicamente as coisas aconteceram assim”. Nos últimos cinco anos, a quantidade de sócios que ascenderam organicamente na banca foi praticamente equivalente: doze homens ante onze mulheres.
Num estudo de 2011, os consultores Jack Zenger e Joseph Folkman analisaram os dados de avaliações de mais de 7000 executivos feitas por chefes, pares e subordinados. As mulheres, em média, tiveram melhores avaliações e quando se chegava em postos mais altos a diferença entre os gêneros aumentava. Em contrapartida, quanto maior o cargo, maior a chance de o posto ser ocupado por um homem.
Há pelo menos um estudo nesta linha feito num escritório de advocacia de Wall Street. Em 2012, pesquisadores da Universidade de Kansas e da Hastings College of the Law, na Califórnia, analisaram as avaliações de desempenho de 234 advogados juniores. As mulheres, em geral, receberam mais comentários positivos do que os homens, tais como “incrível” e “excelente”, mas só 6% foram citadas como uma sócia em potencial contra 15% dos homens. Na visão dos pesquisadores, isto refletiria um padrão de expectativa mais baixo em relação às mulheres.
Dentre os nove escritórios pesquisados por Isabelle, o Azevedo Sette é o que possui mais mulheres na base: 59% dos profissionais. Em contrapartida, na sociedade são apenas seis advogadas num total de 32 sócios, o equivalente a 19%. “Estamos trabalhando para mudar este percentual. Quando eu entrei no escritório há 20 anos, era a única estagiária na equipe. A advocacia é uma profissão tradicionalmente muito sexista e bastante conservadora, mas as coisas estão mudando. Aqui, não fazemos distinção de gênero”, afirma a sócia Ana Paula Terra.
Já o TozziniFreire tem, proporcionalmente, o dobro de sócias do que o Azevedo Sette, mas ainda assim quando se olha para a base a diferença é considerável, já que as mulheres não-sócias são 58%. “Eu não vejo isto como um problema porque em breve chegaremos organicamente muito próximo do meio-a-meio. A balança está mudando de lado. Não concordo que exista um teto de vidro aqui. Um exemplo disso é a representatividade no Comitê Executivo em que, de cinco membros, somos duas mulheres”, afirma Maria Elisa Verri, sócia da área de societário.