De uma conversa entre o advogado Flávio Ribeiro, que então atuava na área societária e fazia doutorado na USP, e o estudante Pedro Delfino, de 24 anos, surgiu a ideia da criação de uma ferramenta que automatiza a elaboração de documentos por meio de questionários.
“O Flávio me relatou a percepção dele de que, depois de aprender a lógica dos documentos societários, 70 a 80% do tempo que ele gastava na criação dos documentos era em atividades burocráticas, como adaptar uma cláusula que já tinha utilizado em uma operação similar ou consertar formatação”, conta Delfino.
Surgia ali o NetLex, uma startup jurídica que gera automaticamente e de forma inteligente documentos-padrões, reduzindo custos tanto para empresas quanto para escritórios de advocacia. No caso de um grande escritório, por exemplo, o ganho de produtividade cresceu 68%.
Delfino ainda está nos bancos da graduação – de duas aliás: Direito e Matemática Aplicada -, mas já fez algo que os mais de 850 mil estudantes de Direito precisarão considerar: empreender.
O Brasil possui, hoje, 1.033.948 advogados registrados na OAB, o que significa que a cada mil brasileiros, cinco são advogados – isso sem contar juízes, promotores, defensores públicos e outros operadores do Direito.
Com o ingresso de mais de 850 mil novos bacharéis no mercado no próximo cinco anos, as perspetivas não são muito otimistas — para dizer o mínimo. Uma das saídas para o estrangulamento e supersaturação do mercado passa pela inovação, criatividade, e — por que não? — a abertura do próprio negócio.
“Diante do mercado atual e da perspectiva do que este mercado vai trazer nos próximos anos, o aluno tem duas opções: pode ser advogado, que daqui um tempo vai ser demitido porque sua função vai ser substituída por um software; ou pode ele mesmo ser o fundador da empresa que fundou esse software”, afirma Ivar A. Hartmann, pesquisador e professor da FGV Direito Rio.
O diferencial de um profissional da área do Direito há cerca de 10, 15 anos era considerado o conhecimento de administração, gestão, contabilidade, matemática financeira. Hoje, entretanto, aponta Hartmann, o mais importante, e o que vai garantir uma carreira de mais oportunidades, é o conhecimento de tecnologia e, consequentemente, de programação. Hartmann é, ele próprio, um empreendedor. Ele é o criador da Publyx, ferramenta que conecta autores a periódicos acadêmicos.
Nesse cenário, a relação da tecnologia com o universo jurídico torna-se indispensável. Tanto é assim que o Brasil já está vivenciando um crescimento das LawTechs ou LegalTechs, startups cujo serviço mescla aspectos do Direito e da tecnologia.
A existência de mais de 100 milhões de processos tramitando na Justiça, ou seja, quase um processo para cada duas pessoas do país, e a conhecida morosidade do Judiciário, exemplifica como possíveis mudanças propiciadas pela tecnologia e pela inovação são necessárias.
A busca por acordos online sem a necessidade de passar pelo Judiciário, a automatização da elaboração de petições, o aumento de coleta de informações do Poder Judiciário, o auxílio na pesquisa de conteúdo jurisprudencial e o cálculo de probabilidades de ganho e perda já são aspectos abordados pelas LawTechs nacionais.
Segundo professores e advogados ouvidos pelo JOTA, não há dúvida de que o futuro das profissões da área do Direito irá necessariamente passar pela tecnologia e até pelo conhecimento de programação. Ainda assim, uma grande dificuldade é que, por ser uma área muito conservadora, as inovações tendem a ser vistas com desconfiança pelos players do mercado jurídico.
O conservadorismo do mercado de advocacia aliado à proibição da “mercantilização da profissão” apontado no Código de Ética da OAB, além do fato das faculdades de direito não prepararem o estudante para o mercado, ou seja, a formação obsoleta dos bacharéis, são dois dos “obstáculos” para as alterações que, mais cedo ou mais tarde, vão acabar acontecendo no ambiente legal.