As principais conclusões do presente artigo podem ser sintetizadas em respostas objetivas às perguntas abaixo.
1) À luz da ordem constitucional em vigor, havendo vacância dos cargos de presidente e de vice-presidente da República nos dois últimos anos do mandato a eleição deve ser direta ou indireta? Há alguma especificidade para a hipótese de cassação pela Justiça eleitoral em relação às demais hipóteses de vacância?
O art. 81, § 1º, da CF/88 prevê que a eleição para presidente e vice-presidente da República, na hipótese de dupla vacância no último biênio de mandato, será feita pelo Congresso Nacional. Assim, os eleitores serão os parlamentares federais, e não os cidadãos dotados de capacidade eleitoral ativa, qualificando-se a eleição, portanto, como indireta.
Em razão do advento do art. 4º da Lei n. 13.165/2015, há debate jurídico, submetido ao STF na ADI 5.525, sobre se a eleição deve ser direta ou indireta na hipótese específica de a dupla vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República no último biênio de mandato ser causada por cassação dos seus mandatos por decisão da Justiça Eleitoral.
2) É constitucional a aprovação de emenda constitucional que estabeleça, na hipótese, eleição direta? Deverá ser aplicada a regra da anualidade eleitoral (art. 16, da CF/88)?
Sim, tendo em vista não implicar violação a qualquer limite ao poder de reforma constitucional, particularmente às cláusulas pétreas. Porém, Emenda Constitucional que pura e simplesmente modificasse o art. 81, § 1º, da CF/88 para alterar a modalidade de eleição (de indireta para direta) se submeteria ao princípio da anualidade eleitoral previsto no art. 16 da CF/88, somente produzindo efeitos para eleição realizada, no mínimo, um ano depois da sua edição.
Porém, caso a Emenda Constitucional, além de estabelecer a modalidade direta para a respectiva eleição, expressamente afaste a aplicação da anualidade eleitoral não haverá qualquer óbice a sua aplicação a eleição ocorrida em menos de um ano de sua edição. Isto porque, embora a anualidade seja um instrumento importante para a proteção dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da democracia, e assim, via de regra, seja oponível às emendas constitucionais, são aqueles princípios constitucionais, enquanto direitos materialmente fundamentais, que são cláusulas pétreas, e não a anualidade eleitoral em si.
Desse modo, emenda constitucional que prestigie tais princípios não será inconstitucional. É o caso da alvitrada Emenda Constitucional essencialmente por duas razões: (i) em um cenário um cenário peculiaríssimo de dupla vacância dos cargos de presidente e de vice-presidente da República, associado à realização de investigação criminal sem precedentes na história brasileira, a opção tomada pelo Congresso Nacional de remeter ao povo a decisão sobre a eleição do novo presidente da República não viola, antes promove, o princípio democrático. Além disso, a edição de uma regulamentação detalhada do processo eleitoral antes do seu início evitaria incertezas sobre as regras do jogo, conferindo-lhe, portanto, nível satisfatório de segurança jurídica.
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Rodrigo Brandão é Doutor e Mestre em Direito Público Pela Uerj. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Responsável pelo Curso de Pós-graduação em Direito do Estado e da Regulação da FGV-Rio
[1] Utiliza-se, para fins didáticos, a expressão “cassação de mandato” para designar as hipóteses de indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato, previstas no Art. 224, § 3o do Código Eleitoral, na redação conferida pela Lei nº 13.165, de 2015.
[2] Art. 224, § 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 4º A eleição a que se refere o § 3ocorrerá a expensas da Justiça Eleitoral e será: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
II – direta, nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
[3] TSE, Plenário, RO 224661, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento 02.05.2017.
[4] STF, ADI 3685, Relatora Min. Ellen Gracie, julgamento em 22.03.2006, publicação em 10.08.2006; STF, ADI 4307, Relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11.04.2013, publicação em 30.09.2013
[5] BRANDÃO, Rodrigo. Direitos Fundamentais, Democracia e Cláusulas Pétreas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 296.