Informações divulgadas pela imprensa, a partir de apurações próprias e também em reportagens sobre a investigação feita pelo Ministério Público Federal brasileiro, dão conta que a Odebrecht teria participado ilegalmente de três grandes projetos na Argentina, num volume total de negócios próximo a US$ 2,2 bilhões. Esse é o valor somado das obras de i) soterramento da Ferrovia Sarmiento, na região metropolitana de Buenos Aires; ii) da construção da estação de tratamento de água Paraná de las Palmas (em Tigre, na grande Buenos Aires); e iii) da extensão de redes de gasodutos em diferentes regiões do país (como na província de Córdoba). Para ser favorecida nessas obras, a empresa admitiu ter pagado propina de cifras também gordas.
Em delação, executivos da Odebrecht afirmaram que os subornos na Argentina somaram “no mínimo” US$ 35 milhões, o que implicaria um retorno de pouco mais de 1,5% do faturamento total dos contratos de obras públicas que a empresa obteve no país. Segundo as delações, houve pagamento de suborno a funcionários próximos ao ex-ministro do Planejamento Federal, Serviços e Investimento Público Júlio De Vido, que ocupou o cargo em todo o período kirchnerista, e ao diretor da estatal Água e Saneamento Argentino (Aysa), Oscar Raúl Biancuzzo.
Em sua colaboração, Luiz Antonio Mameri, ex-diretor da Odebrecht para a América Latina e Angola, detalha os pagamentos. “Houve dois ajustes indevidos. Um com o senhor Raúl Biancuzzo onde identificamos, até o momento, pagamentos no valor de US$ 7,6 milhões e com o senhor Jorge Rodríguez (empresário próximo ao ex-ministro do Planejamento Júlio De Vido, conhecido como Jorge “Corcho” Rodríguez) no valor de US$ 6,45 milhões”, afirmou Mameri.
Ainda de acordo com a colaboração do ex-diretor, também houve participação de ao menos uma empresa argentina, a IECSA, na divisão do pagamento do suborno. “Se a companhia Odebrecht tivesse interesse em participar do projeto, ela deveria se associar com empresas locais. Além disso, deveria efetuar pagamentos indevidos a agentes públicos dentro dessas liberações de serviços que seriam futuramente executados pelo consórcio. Nós não tratávamos diretamente, pelo menos na época que isso era ajustado entre o consórcio construtor e possíveis agentes públicos”, afirmou o ex-executivo da Odebrecht.
Em outro trecho da delação, ao falar sobre a propina paga na obra do soterramento do trem Sarmiento, Mameri se aprofundou sobre a participação de empresas locais. “A relação com esses agentes públicos era tratada exclusivamente através dessas empresas locais e não através das empresas estrangeiras. Normalmente se fazia um consórcio, que foi o que ocorreu neste projeto de soterramento do Ferrocarril Sarmiento. O senhor Javier Sánchez Caballero informou que havia realizado um ajuste com agentes públicos em nome do consórcio para que esse pudesse vencer a licitação. Tão logo se iniciassem os pagamentos pelos serviços prestados o consórcio deveria realizar estes pagamentos (das propinas). Concomitante com o andamento da obra, as faturas eram pagas e a parcela correspondente a este pagamento deveria ser repassado a ele, o senhor Javier Sánchez Caballero”, explicou Mameri, referindo-se ao ex-CEO da construtora IECSA e braço direito de Angelo Calcaterra, proprietário da construtora e primo do presidente Mauricio Macri.
Sobre o esquema por trás das obras da planta de tratamento de água potável de Paraná de las Palmas, Mameri contou que também houve a participação de outras empresas locais, apresentadas à Odebrecht pelo argentino Carlos Enrique Wagner, proprietário de uma empresa local chamada Esuco S.A. e presidente da Câmara Argentina de Construção, muito próxima do governo Kirchner. De acordo com Mameri, foi Wagner quem apresentou à Odebrecht a possibilidade de participar do projeto de Paraná de las Palmas.
“Naquela ocasião, ele (Wagner) indicou que, se a companhia tivesse interesse em participar do projeto Paraná de las Palmas, deveria consorciar-se com outras três empresas locais (Benito Roggio, Cartellone e Supercemento), e, além disso, efetuar pagamentos indevidos ao partido do governo dos Kirchner, através de agentes públicos de seu relacionamento, que futuramente seriam por ele indicados, a partir do início dos pagamentos ao consórcio pelas obras executadas”, conta Mameri. Ainda de acordo com o delator, “tais pagamentos deveriam acontecer pari passu ao avanço das obras, sendo esta a única forma de priorizar o recebimento das faturas dos serviços realizados pelo consórcio.” Mameri afirma que o argentino colocou essa configuração como condição para que a Odebrecht ganhasse o contrato. “Caso a companhia não concordasse com as condições, sua participação e certamente a vitória na licitação ficaria prejudicada.” Mais tarde, Mameri soube que o agente público a quem os pagamentos deveriam ser feitos era Oscar Raúl Biancuzzo, da estatal Aysa.
Outro ponto importante do capítulo argentino da delação da empresa coube a Márcio Faria da Silva, ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial. Em petição enviada a Edson Fachin em março de 2017, a que o JOTA teve acesso, Rodrigo Janot escreveu que, em um de seus depoimentos, o executivo relatou o pagamento de propina para a empresa conquistar a obra de ampliação dos gasodutos argentinos em dois trechos. O primeiro trecho estava sob a responsabilidade da empresa argentina Canmesa, e o segundo, da empresa Albanesi.
Carlos Henrique Wagner, o mesmo intermediário argentino citado por Mameri, também é o personagem apontado por Faria da Silva como o elo entre a empresa e o esquema. As duas empresas poderiam subcontratar a Odebrecht, desde que houvesse o pagamento de propina a funcionários apontados por Wagner. A petição a que o JOTA teve acesso não detalha a que funcionários ocorreu o pagamento. Entretanto, Janot afirma no documento que Faria da Silva relatou em depoimento que, após a autorização dele, o Setor de Operações Estruturadas pagou, de acordo com ele, US$ 25 milhões, entre 2007 e 2014.
Obras com possíveis irregularidades
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Obras de soterramento da Ferrovia Sarmiento, na região metropolitana de Buenos Aires
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Construção da estação de tratamento de água Paraná de las Palmas (em Tigre, na grande Buenos Aires)
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Extensão de redes de gasodutos em diferentes regiões do país (como na província de Córdoba)