Em novembro de 2015, o novo Primeiro Ministro do Canadá, Justin Trudeau, montou seu gabinete de Ministros levando em consideração o critério de igualdade de gênero. São 15 homens e 15 mulheres, que estão auxiliando o Chefe do Poder Executivo a administrar o país, um dos integrantes do G7, o grupo dos países mais industrializados e desenvolvidos do mundo. Na ocasião em que foi questionado por jornalistas acerca da razão pela qual ele havia montado uma equipe de trabalho utilizando também o critério de equidade de gênero, Justin Trudeau respondeu: “Porque estamos em 2015”[1].
A luta para assegurar espaço às mulheres no âmbito político está longe de chegar a seu fim, entretanto medidas como esta, especialmente vinda de países influentes na comunidade internacional, serve de exemplo para outros e têm um grande valor simbólico.
Se olharmos para trás, na evolução da história das nações, podemos constatar que avançamos muito nessa seara. Porém, ainda há muito o que fazer. No mundo contemporâneo, em pleno século XXI, as mulheres de alguns países ainda não podem exercer livremente o sagrado direito de voto.
2015 já chegou, como disse Trudeau, mas na Arábia Saudita as mulheres estão começando a votar pela primeira vez, e somente para eleições locais. Ainda assim, há muitas barreiras a serem vencidas, porque as mulheres candidatas nessas eleições locais não podem sequer se dirigir aos homens pedindo votos[2]. A transformação do papel das mulheres no sistema político avança de forma lenta na Arábia Saudita, pois existe um costume derivado da religião islâmica sunita, que legitima um sistema informal de superioridade e primazia dos homens sobre as mulheres. Elas devem estar sempre acompanhadas por um homem até para atividades simples, como viajar ou ir à escola.
Por outro lado, os Estados Unidos são um país reconhecidamente democrático e liberal, que não está submetido a leis islâmicas. Sem embargo, a história revela que o debate sobre a igualdade de gênero também ocupou o espaço público desde os primórdios na nação norte-americana, também tendo encontrado severos obstáculos.
No embate pela independência dos Estados Unidos, houve um homem que se destacou por sua defesa do novo país. John Adams, que posteriormente veio a se tornar o segundo Presidente dos Estados Unidos da América, é considerado um dos “pais fundadores” (founding fathers) da nação americana em razão de sua contribuição na fixação dos alicerces políticos da República. Ele foi um teórico político, tendo auxiliado inclusive na formatação da declaração de independência de 1776. Em seguida, teve participação fundamental na nascente diplomacia do país, quando discutiu os termos do estabelecimento de paz com a Inglaterra. Nesse período, enquanto estava na Europa, escreveu muitas cartas a sua esposa, Abigail Adams. Estas cartas ficaram registradas na história, para conhecimento pela posteridade. Nessas correspondências, John e Abigail trataram também do papel das mulheres na política.
Em 31 de março de 1776, Abigail Adams escreveu carta para John Adams, da qual se destaca o seguinte trecho: “Eu tenho a esperança de ouvir que vocês declararam a independência. E, por isso, nesse novo código de leis que suponho seja necessário fazer, desejo que você se recorde das senhoras e seja mais generoso e favorável que seus ancestrais. Não ponha tal poder ilimitado nas mãos dos maridos. Lembre-se que todos os homens seriam tiranos se pudessem. Caso não se dê cuidado e atenção especial às damas, nós estaremos determinadas a por em marcha uma rebelião, e não estaremos obrigadas por nenhuma lei na qual não tenhamos voz e nem representação.”[3]
Apesar dos esforços argumentativos de Abigail para convencer John Adams a dar mais atenção ao tema da igualdade de gênero durante o projeto de construção dos Estados Unidos enquanto nação, a resposta não veio como se esperava. A Constituição norte-americana, de 1787, não definiu o sufrágio universal e nem tratou da questão da participação política das mulheres, relegando o tema para os Estados federados. Apenas no início do século XX, em 1920, foi aprovada a Emenda XIX à Constituição dos Estados Unidos da América, com os seguintes dizeres: “O direito de sufrágio dos cidadãos dos Estados Unidos não será ignorado ou limitado pelos Estados Unidos ou por Estado algum por razão de sexo”[4]. Abigail foi uma mulher vanguardista, com ideias adiantadas ao seu tempo. Seus desejos políticos de igualdade de gênero só foram cristalizados na Constituição norte-americana mais de cem anos depois de suas cartas.
A participação das mulheres no sistema político não é simplesmente uma reivindicação de matiz feminista. Trata-se, em verdade, de uma integração necessária para que nós enquanto seres humanos que vivem em sociedade sejamos completos em nossa capacidade de diagnóstico do mundo em que vivemos e para que possamos alcançar todo o nosso potencial de desenvolvimento.
Já chegamos em 2015, porém ainda há distintos espaços públicos que necessitam ser devidamente ocupados pelas mulheres, especialmente no sistema político, onde há um âmbito institucional próprio para o debate e para a formulação de políticas públicas, que têm o condão de influenciar, para o bem ou para o mal, a vida de todos os cidadãos. Esse debate público de ideias e perspectivas deve ser o mais amplo possível, alimentado por diversas visões de mundo, com um viés pluralístico e construtivo. Não basta, assim, que o Poder Legislativo produza normas jurídicas destinadas a reconhecer primazia à igualdade de gênero. É necessário que a própria formulação dessas normas sejam precedidas, em sua origem, por um debate fortalecido pela participação efetiva dos distintos gêneros. É dizer: as mulheres têm que ter voz própria no âmbito político, tanto no Poder Legislativo quanto no Poder Executivo.
No presente artigo, pretende-se estudar a evolução da participação política das mulheres tendo por parâmetro uma análise comparativa em países democráticos. Em seguida, prossegue-se na linha de pensamento segundo a qual revela-se de fundamental importância a integração de homens e mulheres nos distintos campos políticos e nas múltiplas esferas de influência da sociedade. Ao final, conclui-se trazendo como referência teórica para essa análise os estudos das acadêmicas Carol Gilligan e Blanca Rodriguez.