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Transição Energética

Promessa do futuro, riscos do passado: o desafio de explorar minerais críticos no Brasil

Com grandes reservas e pouca estratégia, extração de minérios para a transição energética traz os mesmos dilemas de outros ciclos exploratórios

Carolina Unzelte
27/08/2024|12:12|São Paulo
Atualizado em 27/08/2024 às 12:17
Lítio minerais estratégicos críticos
Exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha, no norte de MG, pela mineradora Sigma Lithium. / Crédito: Sigma/Divulgação

Os chamados minerais críticos, estratégicos, essenciais e até verdes — o termo usado varia em cada país — estão no radar das grandes potências econômicas para viabilizar a transição energética. Para alguns países, como China e Estados Unidos, são os materiais importantes para a segurança econômica. Já a União Europeia e o Canadá citam especificamente os metais tidos como necessários para a transição para economias de baixo carbono, um conceito que tem ganhado cada vez mais espaço.

Entre os metais que fazem parte do futuro energético, a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que os mais cruciais sejam lítio, níquel, cobalto, cobre, grafite e terras raras. Os três primeiros são fundamentais para as baterias de veículos elétricos. Cobre e alumínio são empregados em grande quantidade nas linhas de transmissão de energia. Grafite dá origem ao grafeno, um nanomaterial de alta condutividade térmica e elétrica com diversas aplicações no setor de tecnologia. Já os elementos de terras raras são utilizados nos ímãs que movimentam turbinas eólicas e motores elétricos. E uma coisa é certa: nessa nova corrida por minérios, o Brasil larga em vantagem.

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O país conta com 94,12% das reservas globais de nióbio, usado no fortalecimento de ligas metálicas, 22,42% das de grafite, também utilizado em baterias, 16,15% das de terras raras e 16% do níquel de todo o mundo, segundo dados do Serviço Geológico do Brasil reunidas no estudo Minerais críticos e estratégicos do Brasil em um mundo em transformação, publicado em outubro de 2023 pelo Instituto Igarapé.

Em relação ao lítio, o mais cobiçado entre os minerais, o Ministério de Minas e Energia (MME) estima que o Brasil seja o sétimo maior detentor de reservas globais, com aproximadamente 1,23 milhão de toneladas espalhadas, sobretudo, pelo norte e nordeste de Minas Gerais e pelo sertão de estados nordestinos. Mesmo com uma exploração recente, o país atualmente é o 5° maior produtor mundial do minério, ainda segundo o MME.

Com o impulso para a transição energética, a demanda pelos metais essenciais deve aumentar. Segundo um relatório da AIE, a demanda por lítio deve crescer em até 42 vezes até 2040, na comparação com a de 2020. A de grafite deve ser até 25 vezes maior, e a de cobalto deve disparar 21 vezes.

De acordo com a consultoria McKinsey, a transição energética, incluindo a exploração dos "metais verdes", pode gerar uma oportunidade de US$ 125 bilhões ao Brasil. Mas transformar essas cifras em desenvolvimento para o país depende da superação de obstáculos regulatórios, ambientais, sociais — e até mesmo históricos.

Entre eles, caberá ao país escolher entre seguir o caminho de grande exportador de minério bruto — entre outras matérias-primas — para países industrializados, posto que já ocupa e historicamente ocupou no comércio internacional; ou se aproveitará a transição energética e suas reservas minerais para também desenvolver localmente sua indústria verde. A primeira opção é o caminho mais rápido e fácil para monetizar as riquezas naturais e gerar crescimento econômico — como ocorreu nos ciclos do ouro, do minério de ferro, do petróleo, da cana-de-açúcar, da soja, entre outras commodities —, mas essa riqueza geralmente acaba concentrada nas mãos de poucos. A segunda opção pode garantir maior desenvolvimento econômico de longo prazo, criar empregos de maior qualidade  e diminuir a dependência brasileira na importação de manufaturados, colocando o país na vanguarda da economia verde.

"O Brasil gosta de afirmar que tem potencial de riqueza mas, ao mesmo tempo, quando converso com políticos, empresas e outros atores, cada um vai para uma direção", diz Elaine Santos, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). "Há coesão na ideia de explorar e exportar, mas não tem estratégia para o país".

Números do setor mineral brasileiro, segundo o MME

Conhecimento é poder

O tamanho das reservas brasileiras de metais críticos pode ser ainda maior, considerando que "o nível de conhecimento geológico do país ainda é incompatível com suas potencialidades minerais, com sua força em outros recursos naturais e com sua importância no cenário mundial", segundo um estudo de pesquisadores do Serviço Geológico Brasileiro publicado em 2023.

De acordo com a pesquisa, apenas 48% do território brasileiro está mapeado, do ponto de vista geológico, na  escala 1:250.000 e 27% na escala 1:100.000 — duas escalas de nível de detalhamento insuficiente para exploração consistente de jazidas. A Amazônia é o território sobre o qual o país tem menor nível de conhecimento, já que menos de 40% de seu território está mapeado.

Além disso, o mapeamento que serve de base para investimentos é antigo, segundo Julio Nery, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que tem gigantes da mineração, como a Vale, entre os associados. "A única área que temos devidamente mapeada é o Quadrilátero Ferrífero [região centro-sul de Minas Gerais], e com um nível de detalhamento baixo, que faz com que possamos perder jazidas", diz. "E esse mapeamento é da década de 1960, tem de ser revisado".

Dinheiro na mão

Esses levantamentos, ao identificarem filões de minerais, diminuem os riscos exploratórios, considerados altos na mineração, e estimulam investimentos. No Brasil, a pesquisa geológica é tarefa desempenhada principalmente pelo Serviço Geológico Brasileiro, com ajuda de universidades e centros de pesquisa. Mas, diante da lentidão do Estado em completar esse mapeamento, são as próprias mineradoras que, por meio do pedido de autorização de pesquisa na Agência Nacional de Mineração (ANM), fazem a busca por jazidas quando há sinais de determinado minério em uma região.

Questionado pelo JOTA, o MME afirmou que o Plano Decenal de Mapeamento Geológico foi "lançado recentemente [...] para orientar a pesquisa mineral nos próximos 10 anos. Essa medida garante ao setor privado, por meio de consulta pública, fazer suas contribuições em relação ao método de pesquisa e os alvos que serão pesquisados".

O Novo Programa de Aceleração do Crescimento, conhecido como novo PAC, e lançado pelo governo federal no ano passado, destinou R$ 350 milhões a 12 linhas de atuação do Serviço Geológico do Brasil. Desse valor, R$ 300 milhões foram para a pesquisa mineral. Parte do restante foi investido já na fase de exploração de minerais de transição energética em todos os estados brasileiros. Em fevereiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou, em parceria com o MME, um fundo de R$ 1 bilhão para projetos de minerais estratégicos para transição energética, com expectativa de contemplar de 15 a 20 empresas júnior e de médio porte com projetos de pesquisa mineral.

Mas, na guerra por uma folga do orçamento, o governo pode contar principalmente com investimentos privados para a exploração mineral decolar. O cartão de visita tem sido o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, rebatizado de Vale do Lítio, por concentrar cerca de 85% das reservas brasileiras do material, segundo estimativas. Uma das regiões mais pobres do país foi apresentada pelo governo brasileiro a investidores estrangeiros em Nova York em maio do ano passado. A CBL, Companhia Brasileira de Lítio, explora a região desde 1991 e tem planos de investimentos bilionários para dobrar a produção.

O governo de Minas Gerais tem grandes expectativas. Em 2023, estimou que o Vale do Lítio vai atrair entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões em investimentos na cadeia do lítio até 2030. No ano passado, a Sigma Lithium, do Canadá, começou a produção. A BYD, montadora de carros elétricos chinesa que ultrapassou a Tesla e já tem plantas no Brasil, está negociando a compra da Sigma, segundo o jornal Financial Times. Outros acordos previstos para o Vale do Jequitinhonha são com as canadenses DeepRock Minerals e Lithium Ionic, da australiana Latin Resources, e da norte-americana Atlas Lithium.

Questionada pelo JOTA, a ANM, que emite licenças de exploração mineral, afirmou que "não existem estudos nem previsões" sobre o aumento de pedidos para exploração de metais essenciais. Em 2020, um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que, em alguns casos, a espera pela outorga de uma licença ultrapassou 27 anos. Segundo o MME, "o governo tem buscado meios de estruturar a ANM para atender a demanda do setor mineral", ao equiparar o salário dos servidores "com os das demais agências reguladoras" e com o concurso, anunciado em julho, para preencher 220 vagas no órgão.

Em março de 2021, a administração de Jair Bolsonaro publicou o decreto Pró-Minerais Estratégicos, ainda em vigor, que prometia acelerar o processo de licenciamento de novos empreendimentos exploratórios. Também por decreto, o governo Bolsonaro instituiu a Política Mineral Brasileira, criando o Conselho Nacional de Política Mineral em 2022. Em 2023, a composição do conselho foi modificada para incluir ministérios criados durante a gestão Lula, como o dos Povos Indígenas.

Em resposta ao JOTA, o MME disse que a "principal estratégia é desenvolver, no país, as cadeias de valor dos minerais estratégicos para transição energética", e que uma das medidas para isso foi a "inclusão da transformação dos minerais para transição energética no Decreto 11.964/2024 [sobre Debêntures de Infraestrutura e as Debêntures Incentivadas]".

No relatório Minerais estratégicos e a transição energética, publicado em março deste ano, o Instituto Talanoa concluiu por sua vez que "o Brasil detém uma política pouco transparente de estímulo a minerais estratégicos instituída por decreto no governo Bolsonaro e sem revisão formal pelo governo Lula. Essa política não lida com desafios de explorar de modo seguro minerais críticos disponíveis em território brasileiro e que seriam indispensáveis à transição energética".

A ponta mais frágil

Se os metais estratégicos são vistos como novidades, os problemas e riscos da exploração mineral são velhos conhecidos. O setor vive sob a sombra do rompimento das barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), desastres responsáveis por centenas de mortes em Minais Gerais. Disputas por reparação com as mineradoras Vale, BHP e Samarco ainda estão nos tribunais. Além dessas tragédias, o colapso da exploração de sal-gema pela Braskem, em Maceió, resultou no afundamento do solo em bairros inteiros e a desocupação de quase 15 mil imóveis — cerca de 60 mil pessoas foram removidas.

São casos que evidenciaram as falhas regulatórias e de segurança do setor de mineração. Ambientalistas cobram que, no caso dos minerais estratégicos para a transição energética, a regulação seja revista, o licenciamento ambiental seja mais rigoroso e um que modelo sustentável seja a regra do setor. Além disso, que áreas sensíveis do ponto de vista social e ambiental, como Terras Indígenas, sejam preservadas da exploração.

No entanto, entre os 19 projetos habilitados pela Pró-Minerais Estratégicos, está a exploração de minério de ouro pela canadense BeloSun na Volta Grande do Xingu, próximo da hidrelétrica de Belo Monte e da terra indígena Paquiçamba, no Pará. No Vale do Jequitinhonha, habitantes da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba reclamam da poluição do ar e sonora trazida pela exploração de lítio. Paralelamente, as comunidades quilombolas Giral, Malhada Preta e Córrego do Narciso do Meio estão sob pressão para permitir minas, segundo reportagem do Observatório da Mineração.

Cerca de 30% dos registros de minerais estratégicos estão na Amazônia Legal — 4,4% delas estão localizadas em Terras Indígenas e 14,9% em Unidades de Conservação em todo o Brasil, segundo o estudo do Instituto Igarapé. E esses números podem ser ainda maiores, já que, conforme mencionado, a Amazônia ainda é pouco mapeada. Em 2020, houve disputas envolvendo 144 empresas em 564 localidades, de acordo com o levantamento.

Em declaração ao JOTA, o MME disse que "entende que o reforço aos órgãos de controle e fiscalização, como a ANM, são importantes para  impedir a mineração em reservas ambientais e terras indígenas", mas não especificou de que forma isso pode ou será feito.

Mesmo os municípios não mineradores são focos de conflitos advindos da mineração. Os municípios afetados que recebem royalties da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) são mais numerosos do que aqueles onde os royalties são arrecadados. Isso acontece, por exemplo, por conta da infraestrutura ferroviária que atravessa municípios não mineradores que estão próximos às minas, entre outros fatores. Assim, eles são afetados por barragens de rejeitos e depósitos de resíduos, além de outros impactos.

"Não é só a legislação de licenciamento que tem de ser atualizada, para trazer segurança jurídica a investidores", diz Elaine Santos, da USP. "A legislação ambiental também tem de acompanhar as mudanças, para trazer segurança à sociedade". A pesquisadora cita que a população no Vale do Jequitinhonha reclama de tremor e barulho advindos das operações de minas de lítio. Em uma medição pública, as empresas demonstraram que os decibéis estavam dentro da lei. "Será que a lei não precisaria ser revista nesse caso? A exploração está acelerada. A legislação está comportando isso?", questiona.

Para o instituto Talanoa, "a maior relevância do país nessa cadeia de suprimentos depende não apenas do avanço da pesquisa geológica, mas do debate mais aprofundado dos impactos ambientais e sociais da exploração mineral que ajuda a reduzir as emissões de carbono". Nessa discussão, prossegue a entidade, "devem ser considerados impactos sobre a biodiversidade, o destino dos rejeitos, a desigualdade social, além de aspectos geopolíticos, já que países latino-americanos já se encontram entre grandes produtores, como Chile, Peru, Bolívia e Argentina".

Xadrez global

Os metais estratégicos ou críticos também são um dos fronts da disputa geopolítica. Em 2023, membros da União Europeia decidiram aumentar o fornecimento dos materiais com a Lei das Matérias-Primas Críticas, com o objetivo de garantir o abastecimento e a soberania do bloco. O governo chileno de Gabriel Boric também citou preocupação com soberania ao decidir pela estatização das minas de lítio no ano passado.

Em maio, a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Elizabeth Bagley, disse em entrevista à Folha de S.Paulo que o país quer parceria envolvendo o fornecimento dos minerais essenciais — o governo Bolsonaro já havia estabelecido um grupo de estudos conjunto sobre o tema. Mas os chineses também estão marcando território, para além do interesse em comprar a Sigma: em 2016, ao adquirir a Nióbio Brasil Limitada e a Fosfatos Brasil Limitada da Anglo American, a China Molybdenum tornou-se a segunda maior produtora de nióbio do mundo e a segunda maior fornecedora de fosfatos do Brasil.

A nação também é a maior importadora dos metais críticos do Brasil, com US$ 20,73 bilhões em exportações brasileiras em 2022. Os EUA são o segundo maior parceiro, com US$ 9,6 bilhões em exportação. Por outro lado, os minerais processados representam a maior parte das importações minerais do Brasil – vindos principalmente da Rússia, Canadá, Chile e China.

A história vai se repetir?

A China também foi personagem importante de outro boom de commodities – o de petróleo, carvão e aço no início dos anos 2000, impulsionado pela industrialização do gigante asiático. A demanda vinda da transição verde, um processo global e que requer investimentos de longo prazo, deve ser mais duradoura do que a do início do século, que arrefeceu em meados da década de 2010. Entre 2004 e 2011, a economia da América Latina, ao exportar para a China, cresceu uma média de 4,3% — algo que a região não foi capaz de sustentar depois disso.

O pagamento dos royalties da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que só em 2023 chegaram a R$ 6,86 bilhões, são vistos como uma ferramenta para evitar que isso aconteça — que os ciclos de extração tragam períodos de prosperidade passageiros, ao invés de crescimento sustentável. A lei do CFEM foi alterada em 2017, mudando a distribuição entre estados e municípios: cidades produtoras recebem 60% dos royalties, enquanto o governo estadual fica com 15%, outros municípios afetados recebem 15% e o governo federal fica com 10%.

"É muito importante desenvolver mecanismos de transparência [para os gastos do CFEM]", diz Julio Nery, do Ibram. "Com a população acompanhando os gastos, há mais garantia que o CFEM efetivamente ajude no desenvolvimento das comunidades". Em declaração ao JOTA, o MME disse que vem "trabalhando em medidas para dar transparência e incentivo ao uso da CFEM em ações que aumentem o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] dos municípios produtores", mas não detalhou quais são essas medidas.

Sem uma política central, é difícil garantir que a exploração de metais críticos, a longo prazo, terá um resultado distinto da exploração de pau-brasil na época do descobrimento ou do ouro colonial em Minas Gerais. "Minerais acabam. O que vai ser feito depois? Como essa cadeia se desenvolve? Como esse dinheiro vai ser investido? Deveria haver um grupo específico com pesquisadores, com governo e população voltado para isso", diz Elaine. "Hoje, a população participa, na melhor das hipóteses, com doações, programas sociais — um aspecto assistencialista que não é o que precisamos nesses territórios".logo-jota

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