Proteção de dados pessoais, pela sua relevância, é um dos assuntos do momento. É difícil resistir a não dar pitacos no tema. O Tribunal de Contas da União (TCU) não resistiu e no acórdão 1.384/2022 – Plenário apresentou os resultados da auditoria que teve por objeto o diagnóstico do grau de implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na Administração Pública Federal.
A auditoria se dividiu em duas partes.
Na primeira, pretendeu-se saber tanto se os órgãos e entidades públicas se estruturaram para se adequar às exigências da lei quanto se houve efetiva implementação de medidas de proteção de dados. Para tanto, foi enviado um questionário de autoavaliação para 382 entidades federais.
Na segunda, a auditoria buscou saber se a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o seu Conselho estavam estruturados e em operação tal qual prevê a LGPD. A resposta foi obtida por meio de reuniões com os membros da ANPD.
Como era esperado, até porque a lei é recente, os resultados apontam que a proteção dos dados pessoais caminha lentamente na Administração Federal. No indicador de adequação à LGPD desenvolvido na auditoria, apenas 2,9% das entidades estão em nível aprimorado, 20,4% estão no intermediário, 58,9% estão no inicial e 17,8% têm nível inexpressivo. Quanto à ANPD, o TCU apontou problemas em seu funcionamento.
Ao final do acórdão, visando melhorar o tratamento de dados na Administração Pública Federal, o TCU fez uma série de recomendações à Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério Público, à ANPD, à Casa Civil e ao Ministério da Economia – para este último, recomendou transformar a ANPD em autarquia especial, o que se concretizou na recente Medida Provisória 1.124/2022. Até na intepretação da lei – quem seria o controlador de dados na administração pública – o TCU deu seus pitacos, como se observa no voto do Min. Aroldo Cedraz, que divergiu da ANPD.
Não se tira a relevância da auditoria do TCU que, além de expor problemas, almeja o aperfeiçoamento da administração na proteção de dados pessoais – agora, um direito fundamental (artigo 5º, LXXIX, CF).
Contudo, o TCU não deve esquecer que não está dentre as suas competências seja realizar diagnóstico sobre o tratamento de dados pelas entidades públicas e privadas, seja interpretar a LGPD.
A LGPD é bem clara ao elencar as competências da ANPD, como realizar auditorias para fiscalizar o tratamento de dados pessoais por qualquer agente, incluindo o Poder Público (artigo 55-J, XVI) e a interpretar a lei, em caráter terminativo na esfera administrativa (artigo 55-J, XX). Prevê-se que “a aplicação das sanções previstas nesta Lei compete exclusivamente à ANPD, e suas competências prevalecerão, no que se refere à proteção de dados pessoais, sobre as competências correlatas de outras entidades ou órgãos da administração pública” (artigo 55-K).
Esquecer isso pode gerar um “novo velho conhecido” problema de sobreposição de controles, que pode trazer insegurança jurídica. Que as recomendações não sejam mais do que pitacos.