Adalberto Vasconcelos
CEO da ASV Infra Partners – Consultoria em Infraestrutura
Licitação busca terminal para movimentação e armazenagem de cargas conteinerizadas no Porto de Santos/SP
Há, no momento, verdadeira batalha de narrativas em torno da licitação do terminal para movimentação e armazenagem de cargas conteinerizadas no Porto de Santos (STS10). Em linhas gerais, observa-se acentuada preocupação com a participação no certame da empresa Brasil Terminal Portuário S.A. (BTP), joint-venture formada pelos operadores portuários Terminal Investment Limited (TIL) e APM Terminals – líderes do mercado mundial de movimentação de contêineres – controladas pelas companhias de navegação pertencentes aos grupos econômicos MSC e Maersk, respectivamente.
O ato justificatório da licitação da área de arrendamento STS10[1], que avaliou os diversos cenários que poderiam advir do referido certame, estabeleceu, no tocante à concorrência pelo mercado, ou seja, em relação à competitividade do processo licitatório, “vedação da participação de consórcios entre empresas armadoras e suas correspondentes Controladoras e Controladas de grupos econômicos distintos que detenham titularidade de exploração de instalações portuárias dedicadas a movimentação e armazenagem de contêineres e carga geral nos Complexo Portuário de Santos”. Dessa forma, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) vetou a participação da BTP ou de consórcio formado entre MSC e Maersk, diretamente ou por meio de suas controladoras e controladas, admitida, contudo, a participação individual de ambas ou em consórcio com outras empresas[2].
Por sua vez, em relação à concorrência no mercado, consta do citado documento que “Maersk e MSC não possuem capacidade de fechamento de mercado a montante com efeitos no mercado a jusante, onde atua a BTP, bem como BTP não possui capacidade de fechamento de mercado a jusante com efeitos no mercado a montante, onde Maersk e MSC atuam.” O teor do Ato Justificatório revela densa análise das condições do mercado e, por conseguinte, elevado nível de amadurecimento institucional da Agência, materializado, entre outros aspectos, na disponibilidade de instrumento próprio para subsidiar as análises concorrenciais no setor, nos limites de suas atribuições, por meio do GUIA AIC-TP[3].
Com efeito, a ANTAQ demonstrou profundo conhecimento da dinâmica do mercado e da tendência mundial de consolidação do setor marítimo/portuário, intensamente influenciado pela dinâmica operacional internacional, não sendo, portanto, razoável importar soluções prontas de outros setores de infraestrutura nacional.
A simples observação das experiências internacionais no setor permite constatar que a consolidação do mercado de movimentação e armazenagem de cargas conteinerizadas tem se tornado o padrão nos principais portos do mundo, como mostram casos recentes nos portos de Roterdã, Hamburgo e Piraeus.
No primeiro, em 2020, a autoridade antitruste holandesa autorizou a aquisição do terminal da APM Terminals pela Hutchinson Port Holdings (HPH), que passou a alcançar cerca de 70% de market share no referido porto, o maior de toda a Europa em volume de carga movimentada. Em suma, a autoridade antitruste holandesa, após analisar o caso concreto, constatou ser improvável que a HPH conseguisse ser capaz de aumentar preços unilateralmente e continuar com a mesma demanda.
Já no porto alemão, terceiro maior na Europa em volume de carga movimentada, há quatro terminais de contêineres, sendo que três deles pertencem ao grupo Hamburger Hafen und Logistik AG (HHLA). Por sua vez, o porto grego Piraeus possui apenas um explorador do mercado de contêiner: a empresa chinesa COSCO.
Nesse sentido, a ANTAQ demonstra estar alinhada à tendência mundial, revelando, ainda, ter capacidade regulatória e fiscalizadora para atuar, nos limites de suas atribuições, na repressão a práticas anticoncorrenciais que venham a ser eventualmente perpetradas por ocasião da regular execução contratual.
A alteração das regras de limitação à participação submetidas à audiência pública, impedindo os grupos MSC e Maersk de participarem individualmente, apenas prejudicaria a competitividade do certame, com ampla repercussão negativa sobre os ganhos de eficiência que poderão advir de uma ampla e irrestrita competição pelo mercado.
[1] Nota Técnica n.º 216/2021/CGMP-SNPTA/DNOP/SNPTA
[2] Texto constante da minuta de edital submetida à audiência pública
[3] Mesmo quando considerada a minuta do texto