Opinião e Análise

Ana Frazão

No dia 21 de fevereiro passado, tive a honra de estar na Faculdade de Direito da UFMG como membro da banca de doutorado de Bruno Braz de Castro, cujo trabalho “Eficiência e rivalidade: alternativas para o Direito da Concorrência nos países em desenvolvimento” lança importantes discussões para a reflexão em torno das finalidades do Direito da Concorrência.
A referida tese, cuja qualidade certamente poderá em breve ser atestada pelos demais leitores, já que a sua publicação é indispensável, adota premissas importantes, dentre as quais destaco as seguintes: 
(i) a inexistência de neutralidade do discurso técnico da eficiência, aspecto que somente invisibiliza ou mascara o aspecto ideológico que está por trás do referido critério; 
(ii) a falsidade do clássico tradeoff que se impõe ao Direito Antitruste – ou se protege o consumidor ou os rivais –;
(iii) a falácia do critério da eficiência visto sob o prisma da maximização do bem-estar total, diante da sua total indiferença a qualquer aspecto distributivo;
(iv) a necessidade de que a análise antitruste não tenha por foco apenas a questão dos preços, mas possa abranger também os aspectos de qualidade, diversidade e inovação;
(v) a necessidade de um melhor equacionamento da relação entre direito e economia;
(vi) a ideia de que o Direito Antitruste pode e deve ser conectado a discussões sobre a desigualdade e a democracia; e
(viii) a necessidade de contextualizar e adequar as preocupações e a metodologia do Direito da Concorrência com a realidade dos países em desenvolvimento, como é o caso do  Brasil.
Tais premissas foram por mim compartilhadas em trabalhos doutrinários[1] nos quais pretendi mostrar a inviabilidade de restringir o Direito da Concorrência a análises de eficiência. Afinal, desde os seus primórdios, a política antitruste foi pautada pelo atendimento de diversos outros objetivos que não os meramente econômicos, especialmente por propósitos políticos e relacionados à própria manutenção da democracia, em um claro reconhecimento da importância instrumental da proteção dos mercados[2]. 
Não é exagerada a conclusão de Eleanor Fox[3] de que o Direito da Concorrência tem uma verdadeira simbiose com a democracia e que, no caso norte-americano, teve suas raízes na tentativa de equilíbrio entre os que têm poder e os que não têm, bem como na preferência pela diversidade, pela autonomia e pela  igualdade de oportunidade de competir com base no mérito.
Todas essas reflexões são importantes para se entender que não há incompatibilidade natural entre o Direito da Concorrência e preocupações de ordem política, jurídica e social. Consequentemente, o diálogo entre tal seara e questões constitucionais não somente é possível, como necessário, o que requer o reconhecimento das premissas e limitações dos modelos econômicos, bem como o esforço de conciliação dos resultados econômicos com aspectos normativos.
A perspectiva ora descrita impõe-se, com maior razão, ao Brasil. Ao se referir ao seu projeto de uma lei antitruste em 1949, Agamenon Magalhaes[4] deixava claro que o objetivo primordial desta legislação seria, na verdade, o de proteger o Estado de Direito e a democracia. Não é sem razão que a Constituição brasileira situa a repressão ao abuso de poder econômico no contexto maior de uma ordem econômica lastreada em diversos princípios fundamentais, em relação aos quais a concorrência pode e deve ser importante instrumento de efetividade. 
Logo, assim como igualmente destacado pelo trabalho de Bruno Braz de Castro, apesar da crescente internacionalização do Direito da Concorrência e da necessidade de serem criados certos padrões internacionais para as práticas empresariais, não se pode ignorar que o Direito da Concorrência precisa se adaptar e amoldar à ordem econômica constitucional de cada país e às suas características.
Nesse sentido, o fato de o Brasil ser um país em desenvolvimento não pode ser indiferente ao Direito da Concorrência. Como exemplo, cita-se a atual discussão sobre a possibilidade de o Direito da Concorrência ser instrumento de redução da pobreza, assunto que foi tema da Conferência Anual da OCDE de 2013. Vale ressaltar que a questão foi analisada tanto sob o enfoque da demanda, já que a pobreza afasta do mercado consumidor inúmeras pessoas, mas também sob o enfoque da oferta, na medida em que a pobreza é igualmente vista como um óbice para o empreendedorismo e o acesso aos mercados[5]. 
Consequentemente, a livre concorrência não pode ser definida apenas por questões econômicas, mas deve sê-lo igualmente por questões jurídicas, como a de possibilitar o equilíbrio entre as liberdades dos diversos agentes econômicos, os consumidores e até mesmo os que estão afastados do mercado, tanto sob a ótica da oferta como sob a ótica da demanda, em razão de fatores estruturais como a pobreza. 
Por todas essas razões, senti-me muito feliz e contemplada com o trabalho de Bruno Braz de Castro, que considero mais uma importante iniciativa para aprofundar e ampliar a reflexão a respeito dos objetivos do Direito da Concorrência no Brasil, realçando a sua importância como instrumento de realização da liberdade econômica e da própria democracia.
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[1] FRAZÃO, Ana. A necessária constitucionalização do direito da concorrência. In: CLÈVE, Clemerson Merlin; FREIRE, Alexandre. (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição constitucional. 1ed.Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, v. 1, p. 139-158; FRAZÃO, Ana. Direito concorrencial das estruturas. In: COELHO, Fabio Ulhoa. (Org.). Tratado de Direito Comercial. 1ed.Sao Paulo: Saraiva, 2015, v. 6, p. 429-469; FRAZÃO, Ana. A análise de eficiências em atos de concentração sob o enfoque do princípio retributivo. In: CARVALHO, Vinicius Marques. A Lei 12.529/2011 e a Nova Política de Defesa da Concorrência. São Paulo: Singular, 2015.
[2] STUCKE, Maurice E. Reconsidering antitrust’s goals. Boston College Law Review. v. 53, pp. 551-629, 2012. pp. 560-562.
[3] FOX, Eleanor M. Post-Chicago, post-Seattle and the dilemma of globalization. In: CUCINOTTA, Antonio; PARDOLESI, Roberto; BERGH, Roger van dan. Post-Chicago Developments in Antitrust Law. Cornwall: Edward Elgar, 2002. pp. 76-77.
[4] “O Estado de Direito só pode defender-se com a lei. Se não outorgarmos ao Estado poderes legais para defender as instituições e o povo contra a opressão econômica, seremos vencidos por aquele governo invisível definido por WILSON, como governo da corrupção econômica e política. O Estado será subjugado pelas concentrações capitalistas, que vão corromper o regime democrático desde as nascentes eleitorais até a cúpula que é o honesto exercício dos poderes públicos. Toda a ação do Estado ficará subordinada aos interesses dos mercados financeiros que controlam e dominam os mercados internos e externos. Até a opinião pública será mistificada pela imprensa e pelo rádio dirigidos por esses grupos”. (MAGALHÃES, Agamenon. Abuso de Poder Econômico. Revista Forense, n. 124, pp. 601-605, ago. 1949. p. 604). 
[5] Maiores informações podem ser obtidas no próprio site da OCDE. http://www.oecd.org/competition/competition-and-poverty-reduction.htm. Acesso em 20.10.2013. Dentre as contribuições para o tema proposto, destaca-se a de Fox (Imagine: pro-poor(er) competition law. In: OCDE. Policy roundtables: competition and poverty reduction. 2013. Disponível em: &lt;http://www.oecd.org/competition/competition-and-poverty-reduction.htm&gt;), que propõe criar um sistema de competição que seja mais atento aos pobres e aos excluídos, objetivo que muitas vezes pode ser alcançado com a utilização da metodologia tradicional do Antitruste, desde que com alguns cuidados. É o que ocorreria com a opção por definições mais restritas de mercado relevante, com a finalidade de proteger os mais pobres.

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JOTA

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