Guilherme Pimenta

Às Claras

Ana Frazão, professora de direito civil e comercial da Universidade de Brasília (UnB), avalia que "a prática do lobby sem limites vem minando a própria ideia de democracia", que pressupõe "acesso minimamente equitativo à representação política".
Favorável à regulamentação do lobby, a ex-conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ela afirma que o projeto de lei 1202/07, que dá diretrizes à prática, "deixa claro alguns conceitos elementares, exige transparência e accountability em relação àqueles que se destinarem a essa tarefa". 
O PL está para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados. "Se não há nenhuma regulamentação, é inequívoco que os titulares do poder econômico terão condições mais favorecidas para defender seus interesses e, em muitos casos, serão os únicos que conseguirão fazer isso", diz Ana Frazão, em entrevista ao JOTA.
Em entrevista recente, a sra. disse que não há interesse em colocar luz e transparência sobre o lobby. Por quê?
Porque a ausência de transparência é um dos principais fatores que possibilita a ampla e irrestrita liberdade das relações entre o poder político e o poder econômico. Quanto maior a transparência, maior o controle social. Como nenhum titular do poder tem interesse em limitar espontaneamente seu campo de ação - e a transparência acaba sendo um limitador natural -, a melhor solução, do ponto de vista egoístico do titular do poder, é evitar a transparência, o que dificulta ou mesmo inviabiliza a percepção do problema e, com maior razão, qualquer tentativa de controle.
É importante regulamentar o lobby no Brasil?
Eu considero fundamental regulamentar o lobby, não somente no Brasil como em qualquer país que pretenda ser uma democracia representativa. A prática do lobby sem limites vem minando a própria ideia de democracia, que tem como pressuposto o acesso minimamente equitativo à representação política. Se não há nenhuma regulamentação, é inequívoco que os titulares do poder econômico terão condições mais favorecidas para defender seus interesses e, em muitos casos, serão os únicos que conseguirão fazer isso.
Qual avaliação que a sra. faz do projeto de lei (1202/07) que regulamenta o lobby?
De forma geral, acho que o projeto apresenta aspectos positivos, porque deixa claro alguns conceitos elementares, exige transparência e accountability em relação àqueles que se destinarem a essa tarefa - inclusive no que diz respeito aos gastos na atividade e aos pagamentos feitos em razão dela -, além de procurar assegurar um procedimento minimamente equitativo na representação de interesses. Os artigos 5 e 6, por exemplo, são interessantes iniciativas para propiciar a oportunidade de que sejam ouvidos todos aqueles cujos interesses sejam afetados, criando um contraditório mínimo e evitando que o Legislativo decida de forma excessivamente enviesada e unilateral, a partir das informações obtidas apenas por um dos setores envolvidos.
Caso venha a ser regulamentado, o que não poderia faltar na lei para que a iniciativa seja bem sucedida?
Transparência em relação a quem atua e sobretudo como atua. Isso envolve inclusive quanto se gasta e como se gasta. Transparência deveria ser também exigida dos parlamentares, que precisariam esclarecer a que atividades econômicas se dedicam  direta ou indiretamente (participações societárias, investimentos, cargos, participações em determinadas atividades, etc), preocupação que obviamente se estende a cônjuges, companheiros e familiares próximos. Sem isso, é difícil mapear conflitos de interesses e poder exercer o controle social em sua plenitude.
Já não existem regras suficientes que podem ser usadas para punir irregularidades?
Até existem algumas regras para punir determinados abusos extremos, quando estes já entram na categoria de  atos de corrupção,  improbidade ou outros ilícitos. Mas é importante asseverar que o lobby, em si, não é uma irregularidade. Ele é até uma atividade que pode ser considerada importante e inerente à democracia representativa. É por essa razão que ele precisa ser regulamentado. As regras até então existentes não endereçam o problema de quando apenas uma parte ou um lado do conflito de interesses é ouvido. Nesse casos, é a própria democracia que deixa de funcionar adequadamente, embora não haja nenhuma ilicitude de acordo com as regras até então vigentes.
Qual a importância de grupos organizados influenciarem políticas públicas em democracias?
Acho extremamente importante a presença de grupos organizados, já que é impossível que todos os  cidadãos sejam ouvidos a respeito de todos os assuntos. A questão é assegurar transparência nessa influência, bem como acesso minimamente equitativo às instâncias de deliberação. É fundamental possibilitar a pluralidade nos debates e evitar que os grupos com mais dinheiro possam neutralizar os grupos com menos ou nenhum dinheiro.
Quem pode ser lobista? Eles precisam de credenciamento?
O projeto ora discutido é bastante amplo no que diz respeito a quem pode ser lobista, embora exija o credenciamento.
A sra. avalia que a regulamentação do lobby combateria de vez os acordos secretos existentes entre lobistas e agentes públicos?
Seria ingenuidade achar que a regulamentação do lobby combateria tais acordos secretos. Para começar, não se resolve nenhum problema com lei, mas sim com a efetividade desta lei, aspecto para o qual diversos fatores concorrem. Os fatores institucionais, incluindo aí a cultura, são fundamentais para isso. 
Numa cultura como a brasileira, ainda acostumada ao  "jeitinho", tudo leva a crer que os acordos secretos continuarão a existir, pelo menos por um bom tempo. Mas isso não deve ser visto como justificativa para dispensar a regulamentação, mas sim para tentar aprimorá-la. É importante se pensar não apenas na punição de infratores, mas sobretudo na criação de mecanismos  de controle e de incentivo ao cumprimento espontâneo da lei. De qualquer modo, acredito que a regulamentação do lobby, ainda que não seja absolutamente eficaz desde o início, terá um importante papel simbólico e pelo menos tornará mais difícil a prática de acordos secretos e escusos.

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JOTA

Segundo professora da UNB, regulamentar a prática é fundamental

Lobby sem limite mina ideia de democracia, diz Ana Frazão

Este texto integra a cobertura de novos temas pela equipe do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos temas, mas não interferem na produção editorial. [Conheça o projeto!](/pro#jota-discute)