A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão da juíza Mônica Di Stasi Gantus Encinas, da 3ª Vara Cível de São Paulo, e negou o pedido de indenização por danos morais feito pelo guru ideológico de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, contra a revista Piauí por uma charge publicada na capa.
Na edição 152 da revista, de maio de 2019, o escritor é retratado beijando a boca do presidente da República. O desenho é uma alegoria ao histórico beijo entre Leonid Brejnev e Erich Honecker, secretário do Partido Comunista da antiga Alemanha Oriental, em 1979.
O astrólogo pedia, além de uma indenização de R$ 45 mil, a retirada do conteúdo do site e qualquer meio de divulgação do periódico, afirmando que a retratação do beijo é uma exposição “distorcida e humilhante” por alegadamente simbolizar uma relação homoafetiva entre eles.
A capa revisitou o desenho feito para ilustrar a edição 112, de janeiro de 2016. À época, o beijo envolvia o então vice-presidente Michel Temer (MDB) e o então deputado federal e presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB), figuras centrais do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
A defesa da revista explica na ação que se trata de uma cena retratada no mundo todo entre personagens políticos, como uma alusão à proximidade, ou a oposição, entre os indivíduos.
O acórdão do recurso de Olavo de Carvalho
O relator do processo, Piva Rodrigues, afirma que o humor é comumente usado como técnica de manifestação ou transmissão de informação de natureza crítica a pessoas públicas.
Nesse contexto, o magistrado entende que Carvalho, por deter “influente expoente do atual cenário político”, deve “possuir o discernimento sobre a necessidade intrinsecamente democrática de saber conviver com as mais diversificadas e ásperas críticas à sua conduta, opiniões e relações sociais, mesmo que sua exteriorização se dê sob a forma satírica”. Leia o acórdão.
Na decisão, Rodrigues considera que é incontestável a ligação da vertente política do humor com a própria cultura e história nacionais, denotando respeitável ferramenta democrática para a propagação de informações de interesse coletivo e na formação da opinião pública.
Dessa forma, o relator considera que, por a crítica estar contida “no subtexto da releitura artística em comento objetiva e desprovida de excessos”, a charge não configura ofensa.
Além disso, Rodrigues entende que é necessário pontuar que embora a charge não busque coagir o público a interpretar a existência de uma relação de natureza romântica entre os dois personagens retratados, identicamente inexistiria o abuso e a ofensa se assim o fosse. “Permitir o contrário seria fomentar interpretação de caráter preconceituoso, vedada em nosso ordenamento”, afirma.
Diante da derrota, o magistrado determinou que o guru deve arcar com as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que foram majorados de 15% para 17% do valor atualizado da causa.
O caso tramita com o número 1098362-50.2019.8.26.0100.