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Imposto Seletivo pode ser ineficiente na redução do consumo e onerar mais pobres

Sobretaxar alguns alimentos ou bebidas não alcoólicas não garante melhoria nos níveis de doenças crônicas, diz Uncab

Foto: Unsplash

A regulamentação da reforma tributária, em discussão no Congresso, deverá estabelecer as normas para a criação de um novo ambiente de impostos no Brasil. Dentre as mudanças, o novo modelo colocará em vigor o Imposto Seletivo (IS), tributação adicional que deverá incidir sobre produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Há, contudo, um novo debate sobre o que o Imposto Seletivo deverá alcançar. Enquanto entidades da sociedade civil pedem que o alcance do tributo inclua os chamados alimentos ultraprocessados, especialistas e associações setoriais afirmam que a medida poderia se tornar um elemento regressivo na reforma – ineficiente na redução do consumo – e até aumentar os preços de alimentos e bebidas não alcoólicas, prejudicando a população em geral. 

Para a União Nacional da Cadeia Produtiva de Alimentos e Bebidas (Uncab), é preciso defender o acesso à alimentação. A Uncab é um movimento composto pela Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos,  Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados (Abimapi), Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (ABICAB) e Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

“Criar tributação extra sobre qualquer categoria de alimento ou bebida não tem eficácia no combate à obesidade e doenças crônicas não transmissíveis, que têm causas multifatoriais. Ao contrário, pode resultar em um aumento de preços para o consumidor, que já destina mais de 30% de sua renda com gastos em alimentação”, afirma João Dornellas, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA).

O principal receio é que, na tentativa de proteger a saúde da população, os alimentos se tornem mais caros sem que isso se reverta em melhorias nos hábitos.

“Esses alimentos são largamente consumidos pelas famílias brasileiras, em especial por aquelas de baixa renda. Um aumento da sua tributação, sem a adoção de políticas apropriadas para aumentar o acesso destas famílias a produtos naturais, acarreta na institucionalização da regressividade do sistema de tributação do consumo”, afirma o economista e advogado Luiz Renato Hauly. 

O que é o Imposto Seletivo?

A reforma tributária, criada pela Emenda Constitucional (EC) 132/2023, substitui cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual de padrão internacional, formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de estados e municípios. 

A emenda constitucional também previu a criação de um Imposto Seletivo. Esse tributo busca atender critérios de “extrafiscalidade”, isto é, sua função não será apenas arrecadatória, mas também visa desincentivar o consumo de determinados bens e serviços. Por isso, a EC prevê a incidência do novo tributo sobre itens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Segundo a proposta de regulamentação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, o tributo incidirá sobre itens como petróleo, gás natural e minério de ferro; veículos, aeronaves e embarcações poluentes, bebidas açucaradas. Além disso, para cigarros e bebidas alcoólicas, o Imposto Seletivo deverá substituir as alíquotas do IPI. Apesar de os alimentos não constarem no rol do IS, existe uma pressão pela incidência da taxação extra em alguns itens. 

Efeito indesejado

Sem políticas públicas focadas em aumentar o acesso a frutas, verduras, legumes, cereais e proteínas, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), os efeitos de um imposto seletivo podem naufragar. “Há dez anos, o México aumentou o imposto sobre bebidas açucaradas de 17% para 28%, com o objetivo de diminuir o consumo e reduzir a obesidade. Mas a população com obesidade continuou subindo, segundo dados da OCDE”, comenta Dornellas. 

Outra questão é que a definição do que são alimentos ultraprocessados pode ser ampla e até subjetiva. “O que é chamado ‘ultraprocessado’ engloba mais de 5 mil alimentos e bebidas, de categorias diversas, que são ofertados nos supermercados e fazem parte da alimentação da população brasileira”, diz Dornellas, da ABIA. 

A definição de quais alimentos são ultraprocessados para a incidência do IS poderia abrir espaço para arbitrariedades que podem gerar incongruências no novo sistema tributário.

“Nesse sentido, a incidência do Imposto Seletivo também passa a conflitar com os objetivos da reforma de proporcionar simplificação, neutralidade e transparência. Assim, a imposição do novo imposto sobre alguns alimentos, como vem se discutindo, é perigosa, podendo gerar efeitos adversos à finalidade da reforma tributária”, conclui o advogado Hauly.

Além disso, uma preocupação da Uncab é que a incidência do Imposto Seletivo prejudique a competitividade da indústria do país. No ano passado, o Brasil se consolidou como o maior exportador mundial de alimentos industrializados – em volume, com 72,1 milhões de toneladas.

De acordo com a ABIA, são 41 mil indústrias que processam 61% de tudo o que é gerado no campo, produzem 270 milhões de toneladas de comida por ano e são responsáveis por 2 milhões de empregos diretos e formais, além de mais 10 milhões em toda a cadeia produtiva. 

Já para Luiz Renato Hauly, a inclusão dos alimentos mais consumidos pelas classes de menor renda poderia, também, impactar na arrecadação federal, em meio a um cenário de déficit fiscal.

“Isso ocorre não apenas na economia brasileira, mas em diversos outros países que também aplicam tributos seletivos, verificando-se inclusive, efeitos adversos como a promoção à economia ‘paralela’ e o contrabando dos produtos de consumo desincentivado. E isso, como facilmente se percebe, acaba por gerar diminuição da arrecadação tributária”, afirma.