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IA no sistema de pagamentos aumenta produtividade, mas impõe riscos à concorrência

Para integrantes do Cade e Fazenda, regulamentação para governança de dados é central. Eles participaram do 3º Congresso da ABIPAG

Painel discutiu como se dá a regulamentação do sistema financeiro e o open banking na Europa | Foto: Divulgação/ ABIPAG

No cenário dinâmico do mercado de pagamentos eletrônicos, a busca por maior clareza regulatória e eficiência tem sido uma constante entre os participantes do setor. Durante o 3º Congresso da Associação Brasileira da Indústria de Pagamentos (ABIPAG), realizado nesta quinta-feira (20/6), em Brasília, parte dos debates foi em torno do avanço das soluções tecnológicas no mercado de pagamentos.

O futuro dessas inovações impõe desafios regulatórios para preservar a competição entre as empresas diante de potenciais brechas para a concentração do mercado. As discussões tiveram como foco a realidade brasileira, sob a ótica de membros do Ministério da Fazenda e do Cade, e também a partir de experiências na União Europeia, por especialistas e agentes do mercado. 

Inteligência artificial

Quando se trata da aceleração tecnológica, um dos temais centrais é a aplicação da Inteligência Artificial (IA) no mercado de pagamentos. O diretor de programa da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Alexandre Pereira enfatizou que a IA pode trazer ganhos significativos de produtividade, mas ponderou sobre potenciais problemas à competição no mercado.

Apesar dos benefícios, Pereira alertou que a implementação da IA também traz risco de concentração pela redução da concorrência, uma vez que essa tecnologia de ponta é cara e a produção e distribuição se concentra nos Estados Unidos e China. “É um desafio promover bons parâmetros para acesso à tecnologia para que o país consiga se beneficiar com mais produtividade e baratear o crédito”. 

“É preciso haver um desenho que facilite o comportamento setorial. Isso ajuda um órgão a parametrizar riscos para determinados setores. A IA tem que ter também classificação de risco, como por exemplo na tomada de crédito. Precisa ter cuidado com arranjo mais amplo com espaço para flexibilidade”, elencou Alexandre Pereira. Ele também defendeu o debate setorial para melhorar as soluções.

O questionamento sobre os efeitos da IA à concorrência esteve no centro da fala do ex-conselheiro do Cade, Luiz Hoffman. Para ele, é necessário um balanço entre a promoção da eficiência pelo uso da IA e como ela pode afetar práticas anticompetitivas. “Será que autoridades têm ferramentas necessárias para lidar com algoritmos?”, questionou. 

Hoffman argumentou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem tido uma abordagem proativa sobre o tema para trazer soluções considerando a transparência dos processos, ao questionar a governança dos dados que alimentam a IA.

“Estamos preocupados, e fazemos um monitoramento do mercado, já que os dados são o novo petróleo. Esses dados são valiosos e podem ser monetizados de diferentes formas”, complementou o chefe da assessoria técnica da Presidência do Cade, Ricardo Medeiros de Castro. 

“A IA pode ser utilizada tanto como ferramenta de análise, quanto de mercado de venda. Marketplaces podem usar a ferramenta para selecionar pessoas e insumos para a indústria. Para a análise concorrencial é muito interessante”, disse.

Mesmo assim, ele ponderou que é preciso ter cautela quanto às adversidades que podem acontecer, como ligações indesejadas e spam. O economista apontou para a necessidade de regulamentações para garantir a transparência na governança dos algoritmos, crucial para um ambiente equitativo para todas as empresas, independentemente do porte de cada uma delas.

Desafios do mercado europeu

No contexto globalizado do mercado financeiro, as discussões não se limitaram ao Brasil. João Câmara, presidente da Associação Nacional de Instituições de Pagamento e Moeda Electrónica (ANIPE) em Portugal, trouxe insights sobre os desafios enfrentados pelo setor bancário na Europa, onde a fragmentação regulatória ainda representa um obstáculo significativo, na visão dele.

Segundo Câmara, a Europa está começando a fazer pagamentos parcelados, enquanto o Brasil já utiliza esse meio há décadas. Ainda, outro ponto de dificuldade seria a falta de concorrência bancária, pois “não existe nenhum banco” que opere em todos os países da União Europeia.

Ele pontuou a dificuldade em abrir uma conta em banco e ter acesso a cartões. Na maioria dos países, o consumidor ainda precisa fazer ligações e levar um grande volume de documentos nas instituições financeiras para conquistar uma conta bancária.

Câmara destacou que o Banco Central brasileiro tem sido exemplo e ajudado a melhorar as questões na Europa, mas que, por todas essas dificuldades, o open banking é muito difícil de acontecer na região tal como ocorre no Brasil. Essa iniciativa permite o compartilhamento de dados, com anuência dos consumidores, entre instituições bancárias – isso visa facilitar a usabilidade entre plataformas e também o acesso ao crédito, por exemplo.

“Até hoje os bancos na Europa se empenharam em evitar fraudes mais do que propriamente investir em desenvolver o open banking, o que é curioso porque isso ajudaria a evitar essas fraudes. Enquanto assimetrias existirem na Europa, o open banking não vai ser feito, e dificilmente dominará o mundo”, disse.

Apesar de terem se tornado exemplos, algumas regulamentações do Banco Central criadas para adaptar as regras sobre arranjos de pagamento às novidades tecnológicas mereceriam aperfeiçoamento. Foi o que afirmou Adriana Ferreira, coordenadora do Comitê Jurídico da ABIPAG e líder de Regulação Financeira na Stone Co. Ela Destaca a necessidade de maior transparência nos custos e procedimentos de cobrança, sobretudo na resolução 150/ 2021 do BC.

“É preciso observar as garantias, liquidez, manutenção de recursos líquidos, que ilustram como o nosso regulador é um grande referencial fora do Brasil. Ao mesmo tempo, enxergo oportunidade de aprimoramento dessas regras, e uma regulação centrada no gerenciamento de risco”, pontuou.

O encontro refletiu não apenas a complexidade do setor de pagamentos, mas também a necessidade de políticas que promovam a inovação, assegurem a transparência e fortaleçam a concorrência, protegendo assim os interesses do consumidor final em um ambiente cada vez mais digital e interconectado.

Congresso da ABIPAG

Ao longo do dia de evento, os desafios da nova economia digital foram discutidos em diferentes painéis temáticos. Além de competição e regulação do mercado financeiro e o futuro do sistema com o avanço das tecnologias, foram tratadas ainda a gestão de riscos em arranjos de pagamentos, o papel da governança para evolução dos arranjos de cartão e o mercado de vouchers.

A cobertura completa de todas as principais discussões estará disponível no JOTA.