Energia

Setor de gás natural requer estabilidade regulatória para obter expansão

Audiência pública em Sergipe para rever contrato de concessão é inoportuna e pode comprometer segurança jurídica

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Crédito: Agência Petrobras

Em abril, durante um seminário, o secretário nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Pietro Mendes, afirmou que o Brasil é um solo fértil para investimentos por possuir segurança jurídica e estabilidade regulatória, econômica e social.

Em junho, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe (Agrese) anunciou a realização de uma audiência pública para tratar de sugestões de revisões/alterações a serem feitas no contrato de concessão entre a distribuidora local de gás canalizado, a Sergas, e o estado de Sergipe, mediante um termo aditivo.

Ainda que desvinculados, esses dois movimentos são exemplos categóricos da dissonância que trava o desenvolvimento do mercado de gás brasileiro.

O discurso de Pietro Mendes é absolutamente correto e pertinente. Já a convocação aberta pela Agrese representa um equívoco.

O erro está justamente no fato de que a proposta de discussão avança sobre a medula do contrato de concessão vigente até 2043.

A pauta proposta foca principalmente em dois itens:

  1. Coerência do valor mínimo de 20% como retorno dos investimentos para que seja atestada a viabilidade e sua possível compatibilização com metodologias, a exemplo do WACC;
  2. Remuneração de 20% sobre os investimentos e sua adequação ao atual cenário econômico nacional;

A iniciativa da Agrese, é válido registrar, atende a uma solicitação do Poder Concedente pelo Ofício 367/2024 da Secretaria Especial do Gabinete do Governador (Segab). Neste documento, de 9 de maio de 2024, o gabinete menciona como justificativa para o pedido a suposta perda de competitividade de Sergipe em relação aos estados vizinhos.

Não é dito, no entanto, que Sergipe tem a mesma modalidade contratual que todos os estados do Nordeste. Ou seja, não é esse o motivo para qualquer suposto problema concorrencial.

Para amparar conceitualmente a iniciativa, foi produzida uma nota técnica que menciona o estudo “Análise do Impacto Econômico dos Investimentos de Óleo e Gás no Estado de Sergipe”, contratado à Fundação Getulio Vargas (FGV). Com base nesse estudo, a FGV elaborou documento com 74 recomendações para a competitividade de Sergipe.

A pauta da audiência concentra-se especificamente em uma única recomendação cuja eventual aplicação iria justamente no sentido oposto ao conceito consagrado de segurança jurídica. Ressalva-se que outras três recomendações correlatas não são aplicáveis, tendo em vista que existe total competitividade nas margens de distribuição do estado de Sergipe em relação aos contratos de concessão das companhias dos demais estados do Nordeste.

Outras 70 recomendações da FGV não são objeto da audiência pública, ou seja, certamente, a eventual alteração do Contrato de Concessão não teria qualquer consequência na competitividade de Sergipe.

O que o estudo não cita é que nas concessões no Brasil a margem de distribuição corresponde em média de 18% a 20% da tarifa de grandes indústrias, sendo que em Sergipe essa margem se situa em 14,9% da tarifa, isto é, não faz o menor sentido alterar um contrato com resultados até melhores que dos demais estados.

Tampouco é razoável julgar um contrato com base em uma das suas cláusulas, afinal uma metodologia tem de ser analisada pelo seu conjunto e pelos resultados obtidos tanto no caso do cost plus (custo do serviço) ou price cap (preço-teto).

No Brasil, somente as concessionárias de gás canalizado de alguns estados utilizam o modelo price cap, nenhum da região Nordeste: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná. Mesmo nesses casos, os resultados tarifários variam significativamente. Não há solução mágica. Cada mercado tem uma realidade distinta.

Outros pontos sugeridos para debate na audiência tratam de temas como questões referentes à Conta Gráfica e Múltiplos Supridores, que poderiam perfeitamente ser tratados no âmbito da regulação da Agrese sem a necessidade de alteração do contrato de concessão. A diversidade de supridores, aliás, tem sido tratada em outras unidades federativas, como na Bahia, sem que se avance o sinal sobre o ato jurídico perfeito que é o contrato de concessão.

Alterações intempestivas nos contratos de concessão, em particular nas suas cláusulas econômicas, têm repercussões no equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O papel das agências reguladoras é zelar para que a concessionária atue de forma justa e equilibrada com todos os segmentos de mercado, da indústria ao residencial, do comércio aos usuários que utilizam o Gás Natural Veicular (GNV). Os contratos de concessão devem possibilitar que consumidores em diferentes pontos da malha de distribuição tenham tarifas semelhantes, resultando na expansão das redes para localidades que de outra forma não seriam atendidas.

Convém observar que as margens de distribuição aplicáveis a usuários de Sergipe já são reduzidas e permitem a justa remuneração da concessionária, sem impacto significativo na atividade econômica industrial.

Que tal o Poder Concedente se debruçar sobre as 20 recomendações que o estudo da FGV apresenta sobre a tributação? Ou sobre as 17 recomendações sobre a oferta e demanda? São contribuições valiosas que, de fato, poderiam ajudar Sergipe na questão da competitividade.

De resto, fica claro que a competitividade de Sergipe não tem qualquer correlação com as margens de distribuição de gás canalizado vigentes e praticadas. O fator que realmente impacta a competitividade é o preço da molécula de gás e transporte, que corresponde a 60% na tarifa.

É nesse ponto que os esforços do Governo de Sergipe precisam se deter, pois somente o aumento da concorrência no suprimento, bem como uma adequada regulação federal no compartilhamento das infraestruturas essenciais, resultaria em maior competitividade para o estado.

O setor de gás natural requer estabilidade regulatória para aliar o trinômio investimentos-expansão da infraestrutura-competitividade.

Qualquer eventual ação meramente oportunista, ao arrepio da segurança jurídica, seria definitivamente lesiva para essa fórmula de sucesso.