O princípio constitucional da separação dos Poderes é ancorado na teoria política moderna abordada por diversos autores, em especial por Montesquieu no livro “Espírito das leis”, o qual definiu a necessidade da separação de funções para assegurar, principalmente, o equilíbrio, a liberdade e evitar a arbitrariedade e o autoritarismo no Estado. A separação dos Poderes implica na definição dos órgãos responsáveis por legislar, executar e julgar.
Atualmente, não há país democrático sem essa separação dos Poderes.
Tendo isto como referência e o artigo 2º da nossa Carta Magna, que estabelece a independência e harmonia entre esses Poderes, a criação das agências reguladoras no Brasil se deu em um contexto de redemocratização e recém-promulgação da Constituição em 1988. As agências, diferentemente das autarquias, além de funções executivas, exercem um papel político e administrativo com impactos reais na sociedade.
Desse modo, entendendo a relevância do setor produtivo em uma sociedade moderna, o debate sobre as decisões políticas e administrativas das agências reguladoras se faz urgente. São cada vez mais frequentes os episódios envolvendo decisões monocráticas — ou colegiadas — sendo tomadas pelos diretores das agências que afetam diretamente a atividade econômica, que é protegida por princípios constitucionais previstos no artigo 170 e que deveria ser observada nestas decisões.
Alguns exemplos recentes são: 1) decisão do diretor da Aneel, em julho de 2022, que concedeu medida cautelar monocrática determinando recálculo da compensação financeira da rede de transmissão RBSE, desde 2017, com a previsão de impacto financeiro de R$ 13 bilhões; 2) decisão cautelar da Diretoria Colegiada da Anvisa, em junho de 2022, que proibiu a utilização definitiva do princípio ativo carbendazim com vigência imediata, sendo que os estoques de tal produto são contados em toneladas.
Além do prejuízo à ordem econômica, essa realidade impacta em um aumento do contencioso, repercutindo também no Poder Judiciário, que já é moroso. Isso torna ainda mais relevante a discussão de retirar as funções de executar, normatizar e julgar existentes dentro de um mesmo órgão.
A iniciativa dessa discussão tem como objetivo proporcionar o amplo exercício da democracia para que as partes interessadas e atingidas pelas decisões das agências reguladoras – em especial o Estado – possam se manifestar, dentro do espaço político apropriado, que é o Poder Legislativo, para encontrar uma equação comum para essa questão.
O questionamento sobre o controle político, a responsabilidade social e a legitimidade democrática desses órgãos é válido, afinal, já foi tema de discussão também em outros países. Por mais que as agências reguladoras brasileiras tenham forte inspiração no modelo estadunidense, a cultura governamental, o contexto político e econômico de ambos os países diferem em vários aspectos, uma vez que nos Estados Unidos as agências foram criadas para impulsionar a atividade econômica e a autonomia de vontades, e no Brasil, foram criadas para garantia do status quo[1].
Com o intuito de dar um pontapé inicial na discussão, surge a PEC dos Freios e Contrapesos, que prevê a criação de um conselho, vinculado aos ministérios e às agências reguladoras, para deliberação de atividades normativas. Esse modelo possibilita maior interação entre os componentes, de modo a discriminar funções reguladoras e julgadoras, com maior transparência, responsabilidade e participação democrática.
Dessa forma, para regular, deslegalizar e editar atos normativos infralegais – ou seja, toda a atividade normativa – será preciso criar e assegurar a interação entre representantes do ministério, das agências, dos setores regulados da atividade econômica, da comunidade acadêmica e dos consumidores, garantindo o controle e a vigilância de um poder sobre o outro em relação ao cumprimento dos deveres constitucionais, bem como uma ampla participação da sociedade organizada.
Não se trata de restrição da autonomia ou da estabilidade das agências ou órgãos similares, pelo contrário, trata-se de validar e ratificar decisões com efeitos em diversos segmentos da sociedade por meio da construção conjunta, em um órgão colegiado, de uma melhor política pública e, por consequência, aumentar a segurança jurídica abrangendo todos os aspectos necessários para a normatização de um setor regulado.
Além de tudo, uma PEC passa por um rito de tramitação mais prolongado, com a deliberação na Comissão de Constituição, de Justiça e de Cidadania, posteriormente, em uma Comissão Especial, seguindo para o plenário, sendo necessário 3/5 de votos em dois turnos de votação, para depois seguir para a outra Casa Legislativa. Esse processo garante ampla análise e debate do tema entre os parlamentares, que poderão tomar uma decisão equilibrada e realizar o pleno exercício do Estado democrático de Direito.
Ou seja, não faltará espaço, tempo e oportunidade para se debater o modelo mais adequado de Estado administrativo, que seja fiel ao princípio da separação dos Poderes. O que não se pode e nem se deve mais é evitar esse debate.
[1]BINENBOJM, G. (abr-jun de 2005). Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. Revista de Direito Administrativo, 240, pp. 147- 165.