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Na semana em que a reforma do marco legal do saneamento, promovida pela Lei 14.026/2020, completa quatro anos, este artigo busca recuperar um pouco da história recente do setor e mostrar por que as mudanças promovidas desde então são relevantes para o alcance da universalização. Com isso, resgata as motivações para as mudanças promovidas pela estruturação de projetos, que foram consolidadas no novo marco legal. Mostra também como os projetos estruturados pelo BNDES já estão gerando alterações no nível e perfil de investimentos no setor de saneamento, e devem promover ainda mais desconcentração nos próximos anos.
Na década de 1990 e no início dos anos 2000, uma explicação bastante difundida sobre o baixo nível de investimento no setor de saneamento era que este se devia à falta de coordenação entre os diferentes entes e órgãos envolvidos no tema, à descontinuidade de políticas públicas do governo federal e ao contingenciamento de recursos públicos.
A criação da Secretaria Nacional de Saneamento, em 2003, a promulgação da Lei de Saneamento e a implementação do PAC-Saneamento, ambos em 2007, vieram justamente para atacar esses problemas e, de fato, promoveram avanços significativos. Porém, também evidenciaram algumas limitações do setor.
A mais relevante é que, mesmo com elevação dos investimentos, o acesso ao saneamento no país permaneceu bastante desigual e aquém do desejável. Apesar de 23 milhões de pessoas terem sido incluídas nos serviços de água e 30 milhões nos serviços de esgoto desde 2010, a população sem acesso aos serviços de água e esgoto ainda é de 32 milhões e 90 milhões, respectivamente[1].
Mais ainda, os investimentos e, portanto, a maior parte da expansão dos serviços, ocorreram de forma bastante concentrada, em razão das diferentes capacidades institucionais e técnicas dos prestadores de serviços para acessar recursos e implementar projetos.
Entre 2009, ano em que o PAC começa a se refletir nos investimentos, e 2022, tem-se que 51% deles se concentraram em PR, SP e MG, estados cujas companhias estaduais, sociedades de economia mista com ações negociadas em bolsa e governança mais avançada, são as que mais investem no país. As regiões Norte e Nordeste, apesar de concentrarem 63% do déficit de água e 50,4% do déficit de esgoto, receberam 29,5% e 19,6% dos investimentos nesses serviços, respectivamente[2].
A estruturação de projetos surge justamente diante do diagnóstico de que seria necessário trazer investimentos para locais onde os atuais prestadores não conseguiam mobilizar recursos técnicos e financeiros suficientes para atingir a universalização. Os projetos estruturados têm como premissas orientadoras o atingimento da universalização através da prestação regional, também se utilizando do modelo de subsídio cruzado.
O realismo tarifário – que combine modicidade com viabilização dos investimentos – é outra peça relevante, assim como o estabelecimento de metas contratuais de desempenho para o prestador dos serviços, com destaque para as de expansão e de qualidade dos serviços, cujo descumprimento resulta em redução da tarifa.
Os modelos de parceria com o privado podem ser diversos, indo desde a concessão plena (de todas as etapas dos serviços de água e esgoto) até parcerias público-privadas apenas para a prestação do serviço de esgoto, passando pelo modelo em que distribuição de água e serviços de esgoto são concedidos, enquanto a produção de água permanece estatal.
A escolha do melhor modelo é feita pelo estado e pelos municípios que compõem a estrutura regional considerando sua viabilidade técnica, jurídica, econômico-financeira e política. A participação dos entes públicos é fundamental não só durante a estruturação do projeto. Também na fase de implementação, é importante que o setor público atue na fiscalização e regulação do contrato e da prestação dos serviços e, em muitos casos, na continuidade da prestação de parte dos serviços de saneamento.
Tudo isso pode ser mais bem observado se analisarmos os dados de investimento do SNIS para o ano de 2022, recém-divulgados, e os projetos que estão sendo estruturados pelo BNDES atualmente. Do aumento de R$ 4,7 bilhões de investimento entre 2021 e 2022 (a preços de 2022), R$ 1,4 bilhão veio das três concessões regionalizadas – no Amapá, em Alagoas e no Rio de Janeiro. Comparando com os investimentos feitos nesses estados em 2020, quando nenhuma das concessões estava operando, os investimentos se multiplicaram por três no Amapá, por sete no Rio de Janeiro e por oito em Alagoas.
Esse dado materializa o objetivo da estruturação de levar investimentos para áreas com alto déficit e subinvestimento histórico. Além disso, nos estados em que a companhia estadual permaneceu como produtora de água, seus investimentos não caíram – e até tiveram um aumento marginal – com a entrada das concessões. Esse dado mostra que prestações pública e privada podem andar lado a lado, se complementando. E que a estruturação pode contribuir para que o prestador público redimensione o escopo dos serviços a serem prestados à sua capacidade de investimento.
Atualmente, estão sendo estruturados projetos nos estados de Sergipe, Paraíba, Rondônia, Pernambuco, Pará, Maranhão, Goiás e Rio Grande do Norte. Essa nova carteira de estruturações é ainda mais concentrada nas regiões em que se localizam os maiores déficits (Norte e Nordeste) e, conjuntamente, os investimentos estimados devem chegar a R$ 100 bilhões. Em alguns desses estados os índices de coleta e tratamento de esgoto não chegam a 10% e em outros, ainda há déficits importantes de água.
Nesses casos, a universalização é um desafio grande e precisará unir esforços públicos e privados para ser alcançada – em termos da prestação e dos recursos financeiros para a implementação dos projetos. Esse novo ciclo de estruturação de projetos conduzido pelo BNDES promete ser ainda mais transformador, pois tem potencial de gerar maior equidade no acesso aos serviços básicos de saneamento, desenvolvimento econômico, decorrente do grande volume de investimento, e desenvolvimento social, ampliando o acesso a condições de vida mais dignas para milhões de brasileiros.
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Este artigo é de exclusiva responsabilidade das autoras, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.
[1] Dados do SNIS, disponíveis em: https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/saneamento/snis/painel
[2] Média de 2018 a 2022, segundo dados do SNIS, disponível em: https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/saneamento/snis/produtos-do-snis/diagnosticos/DIAGNOSTICO_TEMATICO_VISAO_GERAL_AE_SNIS_2023.pdf