Na última sexta-feira (28/1), a Diretoria Colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o uso e a comercialização de autotestes para detecção da Covid-19, comprometendo-se a elaborar uma resolução que estabelecerá os requisitos e os procedimentos para a solicitação de registro, distribuição, comercialização e utilização dos autotestes.
O tema começou a ser discutido pela Anvisa em 19 de janeiro, em resposta à Nota Técnica nº 3/2022, editada pelo Ministério da Saúde para solicitar à agência a liberação dos autotestes para detecção da Covid-19. Naquela ocasião, amparados por parecer da Procuradoria Federal junto à Anvisa, os diretores do órgão se posicionaram de forma bastante cautelosa quanto à interpretação da legislação sanitária vigente: avaliaram que o Ministério da Saúde não teria instituído uma política pública que contemplasse formal e expressamente a realização de autotestes para Covid-19. Por essa razão, a Anvisa entendeu por bem postergar a análise do pedido, até que o ministério prestasse esclarecimentos adicionais sobre o tema.
Na última semana, o Ministério da Saúde atendeu à solicitação da Anvisa e prestou as seguintes informações:
- o Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19 (PNE-Teste) deve ser revisto, para incluir capítulo específico sobre os autotestes (incorporando, expressamente, tal instrumento às políticas governamentais de combate à pandemia);
- os autotestes serão de antígenos e poderão ser utilizados por indivíduos sintomáticos ou assintomáticos, independentemente do seu estado vacinal;
- será adotada uma distinção entre notificação de casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 (ação compulsória por parte dos profissionais de saúde, por meio dos canais oficiais do Ministério da Saúde) e registro do resultado do teste (ação voluntária de pacientes cujos autotestes resultarem positivos, por meio de canais disponibilizados pelos fabricantes/importadores);
- deverá haver instruções claras para que, em caso de resultado positivo, o usuário procure um estabelecimento ou profissional de saúde, a fim de confirmar o diagnóstico; e em caso de resultado negativo, os usuários sejam alertados de que tal resultado não elimina a possibilidade de infecção pelo vírus.
Com os esclarecimentos do ministério, a Anvisa aprovou a proposta de resolução, levando em conta a relevância e a urgência da medida, especialmente diante do aumento exponencial de casos de Covid-19 decorrentes da variante ômicron, e ato contínuo, publicou a Resolução RDC nº 595/2022 dispondo sobre os requisitos e procedimentos para a solicitação de registro, distribuição, comercialização e utilização de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro como o autoteste para detecção de antígeno do SARS-CoV-2, com comercialização permitida apenas em farmácias e estabelecimentos licenciados.
Embora a deliberação da Diretoria Colegiada da Anvisa tenha sido positiva, o fato é que já havia fundamentos jurídicos consistentes para deferimento do pedido do Ministério da Saúde antes mesmo dos esclarecimentos adicionais: a RDC nº 36/2015 – e outras normas correlatas – permite que, excepcionalmente, o Ministério da Saúde solicite a liberação para comercialização/distribuição de autotestes de doenças infecciosas de notificação compulsória.
Para tanto, a norma apenas determina que o governo demonstre que tal liberação seria tecnicamente viável, em razão do progresso tecnológico, além de benéfica para a promoção de políticas públicas de saúde ou para ações estratégicas do Ministério da Saúde – o que já havia sido demonstrado pela pasta. As palavras utilizadas pela norma são bastante genéricas e oferecem à Anvisa alto grau de discricionariedade: em síntese, bastaria fundamentar adequadamente a decisão e demonstrar o interesse público da medida.
Nesse sentido, a liberação de autotestes para o diagnóstico da Covid-19 ao público leigo sempre foi não apenas consistente com as premissas estabelecidas pela legislação, como (ainda que genericamente) com as políticas públicas de combate à Covid-19 atualmente em vigor – em particular pelo próprio PNE-Teste. Isso porque a disponibilização dos autotestes tem o benefício de ampliar o acesso aos testes; evitar aglomerações e superlotação de laboratórios e hospitais; além de incentivar o isolamento social.
Por sinal, esta não é a primeira vez que a Anvisa autoriza, excepcionalmente, a realização de autotestes para doenças infecciosas. Em 2015, pretendendo expandir a capacidade de diagnóstico de pacientes com HIV, a autarquia editou a RDC nº 52/2015, autorizando (e estabelecendo regras para) o registro de produtos de autoteste para o HIV, para fins de triagem.
Naquela oportunidade, a fim de mitigar os riscos – e vulnerabilidades – do autoteste, a Anvisa estabeleceu requisitos específicos para o registro desses testes, de modo a permitir a correta interpretação dos resultados pelo público leigo e orientar os pacientes quanto à eventual necessidade de confirmação do resultado por um serviço de saúde especializado.
Diante das regras dispostas na Resolução RDC nº 595/2022, a expectativa é que os autotestes sejam disponibilizados em breve no mercado, uma vez que os pedidos de registro terão prioridade de análise pela Anvisa.