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reforma tributária

A reforma tributária necessária e o lobby do atraso

Não é verdade que o modelo de gestão compartilhada do novo imposto subnacional (IBS) vá criar um 'inferno regulatório'

Sérgio Wulff Gobetti
19/06/2023|05:00
Litígio
Crédito: José Cruz/Agência Brasil

Muitos juristas e alguns poucos economistas têm sugerido que os principais objetivos da reforma tributária poderiam ser facilmente atingidos por via infraconstitucional, sem a necessidade de substituir os atuais impostos de estados e municípios por um novo IVA, o que – segundo estes intérpretes – feriria a autonomia federativa dos dois entes.

De fato, há aprimoramentos incrementais possíveis de se realizar por leis ordinárias e complementares, mas a reforma seria muito capenga se deixasse de lado a fusão do ISS com o ICMS.

A unificação das bases de bens e serviços é fundamental por vários aspectos. Em primeiro lugar, porque na atual era da economia digital é cada vez mais difícil definir onde termina a mercadoria e começam os serviços. E essa fronteira tênue cria enorme fonte de contencioso administrativo e jurídico sobre o que é base do ICMS e o que é do ISS – além daquilo que hoje em dia não é base de nenhum dos dois tributos.

Por outro lado, a tributação diferenciada de bens e serviços no Brasil gera a chamada cumulatividade cruzada, distorce os preços relativos da economia e acentua a regressividade inerente à tributação do consumo, uma vez que os serviços mais consumidos pelos mais ricos estão submetidos à menor carga tributária.

Logo, não há nenhuma razão plausível (a não ser o interesse de determinados lobbies setoriais e corporativos) para que o Brasil continue sendo a única economia relevante do mundo que tributa serviços em separado dos bens.

Nem mesmo a autonomia federativa serve de justificativa para essa jabuticaba do atraso. Isso porque o modelo de IVA dual permite preservar e, em muitos casos, ampliar (na essência) a competência de estados e municípios sobre a base de consumo. Não só pela liberdade de cada ente alterar sua alíquota e fazer políticas de subsídio por meio de gasto público direto (de modo mais transparente do que hoje), mas principalmente pela possibilidade de tributar todo o consumo dos seus cidadãos.

Limitações reais à plena autonomia existem no modelo atual, especialmente na legislação do ISS, que restringe o poder de tributar aos municípios em que estão localizados os estabelecimentos prestadores de serviços. Na prática, essa regra reduz a pó a base tributária efetiva da maioria dos municípios do país, concentrando a arrecadação do ISS em pouquíssimas cidades.

Basta ver que em 2021 mais de 3.200 municípios brasileiros não conseguiram arrecadar nem R$ 100 por habitante de ISS, enquanto no outro extremo 61 cidades com 12% da população brasileira abocanharam 43% da receita do imposto, com uma média de R$ 1.781 por habitante. No topo da lista, a cidade de Barueri (SP) aparece com uma receita per capita de R$ 6.087, fruto do ISS pago por todos os brasileiros sobre as tarifas de cartões de crédito e fundos de investimento – um verdadeiro sequestro da renda alheia.

Essa deformidade do ISS poderia ser corrigida por via infraconstitucional? Poderia e foi parcialmente corrigida com o advento das leis complementares 157/2016 e 175/2020, mas o Supremo Tribunal Federal barrou a mudança por pressão de lobbies e por uma suposta imprecisão sobre a definição do que seria o local de destino ou domicílio do tomador de serviços.

Curiosamente, alguns importantes juristas que hoje se opõem às propostas de reforma contidas nas PECs 45 e 110 também se opuseram a LC 157, dando inclusive suporte jurídico aos proponentes da ação de inconstitucionalidade e questionando conceitualmente a possibilidade de o ISS ter seu sujeito ativo alterado do local do estabelecimento prestador para o domicílio do tomador de serviços.

Logo, pela honestidade do debate, seria bom que esses juristas deixassem claro se mudaram de opinião sobre o princípio do destino ou se só estão agora “entregando os anéis para não perder o dedo”.

O fato é que o Brasil não pode continuar à mercê do lobby do atraso, que busca barrar nosso avanço para um modelo tributário mais moderno em função de seus interesses. No caso de alguns juristas e economistas, o duplo interesse de faturar alto com o caos tributário e com a baixíssima tributação sobre suas atividades de consultoria.

Estes mesmos lobbies já atuaram na tramitação do PL 2337/2021, por ocasião da tentativa de restabelecer a tributação sobre dividendos, obtendo do relator à época a manutenção da isenção para sócios de empresas que faturassem até R$ 4,8 milhões anuais. Imaginem só: além de pagarem um valor inexpressivo de ISS, as corporações de profissionais liberais queriam continuar sem pagar IR sobre dividendos.

É preciso que a sociedade saiba desses detalhes para que o interesse do país (da maioria) não seja mais uma vez vencido pelo da minoria.

A introdução do modelo de IVA – e mais a frente a reforma do IR – são fundamentais para corrigir as graves distorções econômicas, sociais e federativas do nosso sistema tributário e permitir que o país cresça de modo mais sustentável, como evidenciado em uma série de estudos de economistas de diferentes escolas de pensamento.

Por fim, é importante destacar que não é verdade que o modelo de gestão compartilhada do novo imposto subnacional (IBS) vá criar um “inferno regulatório”, obrigando os contribuintes a prestar satisfação a mais de uma instância decisória. É o contrário: em vez de lidar individualmente com todas as administrações tributárias e com milhares de normas diferentes, os empresários terão de prestar contas apenas ao Conselho Federativo e observar uma única legislação em âmbito nacional, inclusive no tocante à regência do contencioso administrativo.

Outro equívoco é defender que a diferenciação de alíquotas, de acordo com o princípio da essencialidade, seja um bom instrumento de mitigar a regressividade. A experiência internacional e brasileira mostram que não. A seletividade foi desvirtuada e utilizada para outros propósitos (atender a grupos de interesse). Mas mesmo quando ela é “bem” aplicada, como no caso da cesta básica, por exemplo, o resultado é que os mais ricos acabam tendo um benefício quatro vezes maior do que os mais pobres.

E esse problema é perfeitamente contornado com as tecnologias atuais, que permitem que avancemos para modelos mais modernos de desoneração personalizada e automática, tratando os desiguais efetivamente de forma desigual. O futuro nos aguarda, apesar dos lobbies do atraso.logo-jota

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