O fim do recesso dos Tribunais Superiores se aproxima e, com isso, serão retomados os julgamentos pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da corte, ministro Luiz Fux, divulgou[1] a pauta de julgamentos do pleno para os meses de agosto e setembro deste ano. Ao todo, serão 11 sessões plenárias (9 em agosto, 2 em setembro) até a posse da ministra Rosa Weber, eleita para presidir o tribunal no biênio 2022-2024.
Como as teses firmadas em sede de controle concentrado (CPC, artigo 927, I) ou sob o regime de repercussão geral (CPC, artigo 1.035, §5º) afetam todo o território nacional, o acompanhamento e a análise da pauta do plenário do STF é medida relevante para toda a sociedade.
No âmbito criminal, os seguintes temas se destacam.
Prisão especial para portadores de diploma de ensino superior
Em 10 de agosto a corte deverá se debruçar sobre a (não) recepção do artigo 295, VII, do Código de Processo Penal, pela Constituição de 1988. O referido dispositivo garante “prisão especial” aos “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República” quando estes estiverem “sujeitos a prisão antes de condenação definitiva”. O tema será analisado no âmbito da ADPF n° 334, ajuizada em março de 2015 pela Procuradoria-Geral da República[2], à época chefiada pelo procurador Rodrigo Janot.
Na inicial, a PGR sustentou que a previsão de prisão especial “viola o próprio conceito de República e o princípio da dignidade do ser humano, os objetivos fundamentais da República e o princípio da isonomia” e requereu a não recepção do artigo legal pela Constituição. A ação está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Prazo para interposição de agravo regimental e retroatividade do ANPP
Também em 10 de agosto, o plenário deve analisar o HC n° 185.913/DF, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. A impetração discute duas teses: o prazo para interposição de agravo regimental e a retroatividade do artigo 28-A, do Código de Processo Penal (CPP) que disciplina o acordo de não persecução penal.
A defesa sustenta que, com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, o prazo para interposição de agravo interno (conhecido, em matéria penal, como agravo regimental) é de 15 dias – e não de cinco dias, como previsto pelos Regimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do STF.
Já em relação ao acordo de não persecução penal, a defesa do paciente sustenta que, como o cumprimento integral do ANPP acarreta a extinção da punibilidade (artigo 28-A, §13, do CPP), estar-se-ia diante de uma norma de natureza mista (penal e processual penal), de forma que a retroatividade seria impositiva. Dessa forma, requeria a manifestação da PGR para oferecimento de proposta.
Por considerar ser uma questão de “interpretação constitucional, com expressivo interesse jurídico e social, além de potencial divergência entre julgados”, o relator afetou o caso ao plenário. Na decisão, o ministro Gilmar Mendes delimita as seguintes questões a fim de que a corte se posicione: “a) O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da Lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no artigo 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?” e “b) É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo?”.
Em parecer, a PGR se manifestou pela denegação da ordem. Argumenta, em síntese, que “a confissão deve necessariamente integrar o acordo de não persecução penal”, embora seja permitido que o acusado confesse tardiamente. Ainda, para o órgão, o ANPP pode ser oferecido até o trânsito em julgado da ação penal.
Acesso a dados de celulares encontrados em local de crime
Em 18 de agosto, o tribunal deve retomar a apreciação do ARE n° 1.042.075/RJ, de relatoria do ministro Dias Toffoli. O recurso, interposto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, discute o acesso, pela autoridade policial, a dados de telefones celulares encontrados em local do crime. O tema teve repercussão geral reconhecida pela unanimidade do Plenário do STF (Tema 977).
O recurso foi interposto em face do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que absolveu, em sede recursal, um acusado da prática de roubo por considerar ilícita a prova obtida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro mediante o acesso, sem autorização judicial, ao conteúdo de um aparelho celular.
Em outubro de 2020, o julgamento do ARE no STF foi iniciado (de forma virtual) com voto do relator pelo provimento do recurso do MPRJ e fixação da seguinte tese: “É lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, artigo 5º, incisos X e XII)“.
Os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin anteciparam os votos, ambos no sentido de negar provimento ao RE e fixar a seguinte tese: “O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos (CF, artigo 5º, X e XX)”.
O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Este caso vem na esteira de uma série de ações e recursos que discutem o direito à proteção dos dados pessoais. Nessa mesma data, por exemplo, o plenário analisará a ADI n° 6649 e a ADPF n° 695: a primeira, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, questiona o Decreto 10.046/2019, relativo à criação do Cadastro Base do Cidadão e do Comitê Central de Governança de Dados; a segunda, ajuizada pelo PSB, que questiona o compartilhamento, pelo Serviço Federal de processamento de Dados (Serpro), de dados pessoais registrados nas carteiras de habilitação, à Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Vale destacar que, após o início do julgamento, o Congresso Nacional aprovou e promulgou Emenda Constitucional nº 115/2022, que inseriu o inciso LXXIX no artigo 5º da Constituição prevendo ser “assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”.
Soberania dos vereditos e absolvição pelo tribunal do júri
Em 25 de agosto, o STF deverá analisar o ARE n. 1225185, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais e versa sobre a possibilidade de tribunais (de Justiça e Regionais Federais) determinarem a realização de novo júri, com fundamento na hipótese recursal de contrariedade à prova dos autos, nas hipóteses em que os jurados absolverem o acusado com base no quesito genérico (CPP, artigo 483, §2º). O tema também teve repercussão geral conhecida pela unanimidade do Plenário (Tema 1.087).
No caso concreto, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou provimento aos recursos apelação e considerou que “a decisão do Conselho de Sentença somente deverá ser cassada por manifestamente contrária às provas dos autos quando diante de uma aberração, um erro crasso, esdrúxulo”.
O MPMG interpôs recurso extraordinário afirmando que este entendimento concede uma interpretação extremamente extensiva ao artigo 5°, XXXVII, alínea c, da Constituição, o que implementa elevado grau de arbitrariedade nas decisões do Tribunal do Júri.
A PGR, em parecer assinado pelo Procurador-Geral Augusto Aras, opina pelo provimento do recurso do MP-MG e propõe a fixação da seguinte tese: “É compatível com a soberania dos vereditos do Júri a possibilidade de o Tribunal anular a decisão absolutória baseada no quesito genérico, com fundamento na contrariedade à prova dos autos, e determinar a realização de novo julgamento, tendo em conta a sistemática constitucional de controle das decisões judiciais, a correlação do Estado Democrático de Direito com a exigência de memória e verdade e os princípios do contraditório, da condução dialética do processo, da paridade de armas e do devido processo legal substantivo na perspectiva da justa causa.”
Audiência de custódia para todas as modalidades de prisão
Também em 25 de agosto, o plenário apreciará a Rcl nº 29.303/RJ, ajuizada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em face do Tribunal de Justiça fluminense.
Na inicial, a DPE-RJ afirma que a Resolução nº 29/2015 do TJRJ, que disciplina a realização das audiências de custódias naquele estado, afronta o decidido pelo STF na ADPF n° 347-MC[3], oportunidade em que a corte, além de reconhecer o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, obrigou “juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão”.
No ato questionado, o TJRJ previa a realização de audiência de custódia somente para prisões em flagrante delito. Nesse sentido, a Defensoria requereu a procedência da ação para colocar “fim à indevida restrição das audiências de custódia/apresentação promovida pelo Reclamado, no sentido de que, no prazo de 24h, a contar da prisão, realize a referida audiência para todas as hipóteses de prisão, a saber: prisão temporária, prisão preventiva e prisão definitiva”.
O relator, ministro Edson Fachin, negou seguimento à ação por considerar “não configurada a imprescindível aderência estrita entre a situação fática reclamada e o precedente vinculante exarado no julgamento da Medida Cautelar na ADPF 347”. A DPE-RJ, então, interpôs agravo regimental.
Em 10 de dezembro de 2020, o ministro Fachin reconsiderou a decisão agravada e deferiu medida liminar, ad referendum do plenário do STF, determinando que a autoridade reclamada passasse a realizar, no prazo de 24 horas, audiências de custódia em todas as modalidades de prisão. Posteriormente, em 15 de dezembro, o relator deferiu pedido de extensão, determinando o cumprimento da medida por todos os Tribunais do país.
Após início do julgamento virtual, o ministro Nunes Marques apontou destaque ao feito, conduzindo o julgamento ao plenário da corte.
Federalização de investigações nas hipóteses de grave violação aos direitos humanos
Em 31 de agosto, a corte deverá analisar a constitucionalidade do inciso V-A e §5º, ambos do artigo 109, da Constituição, incluídos pela EC 45/04. Tais dispositivos permitem, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, que a PGR suscite, perante o STJ, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
O tema é objeto da ADI n° 3.486, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e da ADI n° 3.493, ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES). As entidades afirmam que a possibilidade de federalização viola o pacto federativo e a garantia do juízo natural, ambas cláusulas pétreas (CF, artigo 60, §4º, I e IV).
A PGR, à época chefiada pelo procurador Antônio Fernando, manifestou-se pela improcedência das ADIs, argumentando que a previsão da EC 45 constitui “norma de organização e procedimento posta como meio de realização de direitos fundamentais”.
Termo inicial da prescrição executória
Também em 31 de agosto, o plenário do STF deve apreciar o ARE n° 848.107, interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios em face de decisão do TJDFT que manteve entendimento da 1ª instância que a “prescrição executória, começa a fluir do seu trânsito em julgado da condenação para a acusação, isso nos estritos moldes do artigo 112, I, do Código Penal”.
Em recurso extraordinário e respectivo agravo, o MPDFT apontou contrariedade do acórdão em face do artigo 5º, II e LVII, da Constituição. Argumentou que com a vedação da execução provisória da pena, teria ocorrido verdadeira “mutação constitucional”, sendo necessário conferir “interpretação conforme ao artigo 112, inc. I, do Código Penal, sob pena de tornarem-se infrutíferas as execuções criminais do país” e de se “fomentar a impunidade generalizada”. A PGR manifestou-se pelo provimento do recurso.
A inclusão dos casos em pauta não garante que as matérias serão analisadas ou integralmente discutidas nestas datas, vez que estes não são os únicos casos pautados para tais sessões e que os processos podem ser retirados de pauta pelos relatores e pela presidência – podendo, ainda, ocorrer pedidos de vista. Inclusive, as duas sessões previstas para setembro estão destinadas, até o presente momento, para o julgamento dos casos remanescentes das sessões anteriores.
[1] Os destaques da pauta podem ser acessados no seguinte link: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DestaquesdaPautadeJulgamentosagosto2022.pdf. A pauta integral de cada sessão pode ser conferida em: https://portal.stf.jus.br/pauta/pesquisarCalendario.asp.
[2] Parecer disponível também em https://www.jota.info/justica/pgr-quer-fim-de-prisao-especial-para-diplomados-11032015
[3] O acórdão pode ser conferido, na íntegra, no seguinte link: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665