![Brumadinho](https://images.jota.info/wp-content/uploads/2023/01/pr-abr-26011910854.jpg)
Cinco anos após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), as vítimas ainda esperam pela definição de valores justos, que compensem, em alguma medida, suas perdas — que não se limitam ao aspecto material. Uma situação de comparável omissão pode ser observada em outro caso, ocorrido há quase seis anos, a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.
Cerca de três quartos das sentenças de segunda instância em relação a Brumadinho foram desfavoráveis aos atingidos. Tais decisões implicaram em reduções significativas, de até 80%, nos valores das indenizações estipuladas pela primeira instância, sob o argumento de evitar o enriquecimento ilícito dos atingidos. Além da redução das reparação às vítimas, ninguém foi condenado pelas mortes causadas por uma das maiores tragédias humanitárias do país.
De forma similar, após anos de obstáculos e revezes, apenas agora a investigação sobre os assassinatos de Marielle e Anderson parece ter se aproximado dos possíveis mandantes do crime. Informações sobre uma possível delação premiada do acusado pelo assassinato, Ronnie Lessa (ainda não homologada pela Justiça), apontam Domingos Brazão, ex-deputado estadual pelo MDB e conselheiro do TCE-RJ, como possível mandante do crime. Brazão já havia sido apontado como possível autor intelectual do crime em 2019, mas, desde então, não houve novas informações sobre a investigação nesse sentido.
Assim como no caso de Brumadinho, uma série de fatores parece contribuir para a insuficiência e a morosidade na responsabilização dos culpados e na reparação, de forma adequada, da violência materializada nos assassinatos de Marielle e Anderson, em perspectivas individual e social.
Se analisados em conjunto, na perspectiva mais ampla proposta pela coluna, os casos desvelam fatores que expõem questões estruturais e sistêmicas mais profundas relacionadas ao sistema de justiça brasileiro. Nessa perspectiva, os dois são exemplos paradigmáticos de violações de direitos humanos; violações que deveriam ser apuradas, reparadas e responsabilizadas pelo Estado brasileiro. O que não tem sido feito de forma adequada.
Tanto o rompimento da barragem como as execuções podem ser tratados como casos que ilustram como o sistema de justiça brasileiro trata violações similares que ocorrem diariamente no país. Entretanto, por serem de menor repercussão, as investigações em relação às últimas podem ser ainda mais lentas ou, nas piores hipóteses, os casos não chegam a ser solucionados nunca — como ocorre com a maioria (65%) dos casos de homicídio no país.
Os dois casos, de repercussão nacional e de consequências mais amplas (mas igualmente cruéis), expõem como a estrutura do sistema judicial e as prioridades do sistema de persecução penal brasileiros afetam a apuração, a reparação e a responsabilização de violações de direitos humanos no Brasil.
Enquanto a população carcerária brasileira aumenta, composta majoritariamente de presos por crimes relacionados ao tráfico de drogas (28%) e contra o patrimônio (40%), crimes contra a vida seguem sem resposta por anos. Como ilustrado pelos casos analisados, esse fenômeno ocorre de forma especial quando as vítimas dos homicídios são mulheres, pretos e pobres. Os últimos compõem, simultaneamente, a maioria dos presos e das vítimas de crimes dessa natureza.
Como apontado anteriormente pela coluna, medidas pontuais de caráter excepcional ou, até mesmo, a aprovação de leis específicas não passam de enxugar gelo; não tendo a capacidade de alterar efetivamente o atual quadro. A sensação de impunidade também parece passar por esse diagnóstico, apesar da enorme população carcerária nacional—já são quase 700 mil presos.
Assim, a falta de reparação e a responsabilização adequada da tragédia de Brumadinho e dos homicídios de Marielle e Anderson não têm nada de excepcional, para além da repercussão e das consequências citadas. Ao contrário, são a regra. A situação de omissão em relação a tais casos se torna apenas mais grave — exatamente em razão das atipicidades citadas.
Para que o atual quadro seja alterado, é necessário refletir de forma mais ampla sobre a estrutura do sistema judicial e as prioridades do sistema de persecução penal brasileiros, com medidas duradouras para combater não apenas as mais graves violações de direitos humanos, mas todas aquelas violações cotidianas de natureza similar.