“Não podemos resolver os problemas sociais que enfrentamos sem a participação das empresas, não adianta olhar somente para o governo ou para a educação. Os negócios devem fazer parte da mudança”. Essa é a visão de Edward Freeman, professor emérito da Universidade de Virgínia, autor da teoria dos stakeholders. O acadêmico foi o primeiro palestrante do 24º Congresso IBGC, que é realizado nesta terça-feira (17/10) e quarta-feira (18/10) em São Paulo, e ditou o tom do primeiro dia do evento sobre governança corporativa em rede.
Falando para uma plateia de cerca de 1.000 pessoas, formada em sua maioria por executivos e conselheiros, o professor disse que acredita que mudar os negócios é a única forma de resolver os problemas urgentes que assolam o mundo hoje, como o aquecimento global e a desigualdade. Para ele, isso só será possível se as empresas mudarem alguns aspectos de como fazem negócios. “Não precisamos descartar a forma com que pensamos sobre os negócios, mas precisamos ampliá-la”, afirmou.
Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!
Segundo o acadêmico, o primeiro ponto que deve ser questionado é a relação entre propósito e lucro. “As empresas devem ter lucros para sobreviver, assim como nós precisamos de glóbulos vermelhos, mas isso não significa que o propósito de nossas vidas seja ter glóbulos vermelhos”, afirmou.
Na sua visão, as empresas precisam descobrir seu propósito e usá-lo como fonte de lucratividade. Dessa forma, os diferentes stakeholders, sejam eles investidores, funcionários, clientes ou fornecedores, caminhariam na mesma direção mesmo tendo interesses diferentes.
O caráter das empresas
Alexandre Di Miceli, sócio da consultoria de gestão Virtuous Company, concorda que ter o dinheiro como principal motivador não resulta em um bom ambiente para as empresas no longo prazo. “Quando o sucesso de uma empresa é medido pela quantidade de dinheiro gerada, os problemas éticos vão aparecer”, disse o consultor. Ele participou do segundo painel do evento, que discutiu o “caráter” das empresas.
“Toda vez que acontece um problema de grande magnitude, a tendência é dizer que foram algumas maçãs podres, mas não costuma ser o caso. Normalmente o barril está podre”, diz Miceli.
Segundo o consultor, casos como o da Lojas Americanas deveriam impulsionar uma mudança no sistema de crenças das empresas afetadas, mas normalmente se opta por uma solução mais tangível, com a criação de um conjunto de regras e controles. “Na governança, vender medo dá certo, enquanto investir em cultura ética é difícil, envolve longo prazo e comprometimento”, disse o especialista.
Acionistas e conselheiros
Para além da responsabilidade dos gestores diretos, no evento também foi discutida qual é a responsabilidade dos acionistas de referência de cada empresa. Para Brunella Gomide, diretora de investimentos da gestora Abrdn, todo acionista tem responsabilidade de engajar-se com a empresa, influenciá-la positivamente e exercer o direito de voto de forma diligente. “Mas é claro que quando há uma participação mais relevante existe uma responsabilidade maior de exigir uma boa composição de conselho e na gestão”, disse a investidora.
Camilo Marcantonio, sócio da gestora Charles River Capital, defendeu que a presença de mais investidores profissionais atuando como acionistas de referência permitiria que o mercado cobrasse mais da atuação deles. “Investidores profissionais têm deveres claros. Quando o acionista de referência é uma pessoa física ou um grupo, talvez as responsabilidades sejam discutidas na escala moral”, disse.
Quanto à formação do conselho de administração, o investidor defendeu a importância da rotatividade de membros e da presença de pessoas com diferentes visões. “O conselho deve ter espaço para dissenso. É um local para debate. Não faz sentido passar vários anos sem votos contrários. Se todos pensam igual, qual é a necessidade de mais de um conselheiro?”, questionou Marcantonio.
Alexandre Silva, presidente do conselho de administração da Embraer, também defendeu a importância da renovação dentro dos conselhos. Ele contou que na Embraer a meta é ter 25% de renovação por mandato – neste ano, a taxa foi elevada para 40% para compensar a estabilidade que houve durante os anos de pandemia.
Sobre o papel de presidente do conselho, Silva disse que é preciso acabar com o mito de que a função é a de ser chefe do CEO ou chefe dos demais conselheiros. “O papel é liderar as reuniões, fazer com que todos expressem suas opiniões e procurar a melhor solução possível para a empresa. É uma habilidade que se desenvolve com o tempo, não se nasce sabendo”, disse Silva.
Hoje, o conselheiro disse entender que o papel dos conselhos é considerar todos os stakeholders da empresa, não só os acionistas que os elegeram para a função. “Durante a negociação com a Boeing, percebi que o contrato que estávamos defendendo atendia ao interesse dos acionistas, mas não necessariamente ao dos demais stakeholders. Por isso, reabrimos a negociação para verificar se a nossa comunidade de clientes, funcionários e fornecedores também estava atendida”, contou Silva. A fusão entre as empresas, anunciada em 2018, acabou não acontecendo.
Proteção dos investidores
Durante a tarde, o congresso promoveu um debate sobre o Projeto de Lei 2.925/2023, apresentado pelo governo para tratar de alguns temas relacionados aos litígios societários. João Pedro Nascimento, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), elogiou o trabalho do Ministério da Fazenda na condução do processo de formulação do projeto.
“A interlocução com o Ministério tem sido a melhor possível. O PL merece melhorias, mas é corajoso, mexe em um alguns aspectos muito sensíveis da legislação societária aplicada ao mercado de capitais”, disse Nascimento.
Otavio Yazbek, sócio do Yazbek Advogados, lembrou que o Brasil tem um número muito baixo de litigância no mercado de capitais em comparação com outros países, como os Estados Unidos. “Precisamos ter litígios privados melhores desenvolvidos no Brasil, disse o advogado. “O projeto faz isso ao prever ações coletivas que podem ser propostas por acionistas contra administradores, contra a companhia ou contra as instituições financeiras que participaram da oferta.”
Tanto o advogado como o presidente da CVM defenderam que o texto proposto vai na direção certa, mas precisa de refinamento em alguns pontos. “O texto deve ser aprimorado, mas essa criação de uma ação de responsabilidade com esses potenciais integrantes do polo passivo atende uma demanda”, disse Yazbek.
Pedro Rudge, sócio fundador da Leblon Equities, está no time dos que consideram o projeto de lei positivo. “Como investidor, era nítido que havia um desequilíbrio e falta de proteção para os investidores minoritários. Acredito que vai ser positivo até para estimular uma atividade maior no mercado de capitais”, disse Rudge.