Associações ligadas à saúde pública, especialmente à prevenção e tratamento de câncer, acompanham de perto a retomada da discussão sobre a proibição de aditivos de tabaco no país. A expectativa é que, após mais de dez anos de indefinição e decisões divergentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) determine se é válida ou não a regra aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2012 que impede a importação e a venda de produtos que conferem aroma e sabor ao tabaco.
A nova fase do julgamento teve início na primeira semana de setembro, quando o ministro Dias Toffoli suspendeu todos os processos que tratam sobre a competência da Anvisa para regular sobre cigarros, sobretudo o uso de aditivos. A medida vale até o julgamento definitivo do ARE 1.348.238. Na ação em análise no Supremo, a última movimentação ocorreu com a manifestação da Procuradoria-Geral da República, em 22 de setembro. No parecer, a PGR considerou que a Anvisa, ao publicar uma resolução proibindo a importação e comércio de cigarros com aditivos, agiu no exercício de seu poder regulatório.
O desfecho da ação é considerado essencial por entidades ligadas à prevenção e controle do tabagismo. Estudos mostram que cigarros com sabor são os preferidos por jovens que iniciam a experimentação. Tornar o produto menos atraente para esse público, desta forma, é uma estratégia vital para reduzir os indicadores de tabagismo no país.
Um outro fator, não menos importante, também está em jogo. A discussão no Supremo ocorre em um momento em que aumenta no Congresso a pressão para que seja revista a proibição de produtos eletrônicos de fumar.
Desde 2019, cigarros eletrônicos são proibidos no país. Mesmo assim, há um mercado ilegal do produto. Alguns parlamentares já se mostram favoráveis à discussão, usando como argumento a necessidade de um produto “mais controlado”.
Essa eventual flexibilização (que para especialistas em saúde também representaria um aumento expressivo de risco de adoecimento da população brasileira, sobretudo de jovens), encontraria uma barreira importante, que é justamente a regra para aditivos.
Dispositivos eletrônicos de fumar têm um forte apelo entre jovens, causado principalmente pela enorme variedade de apresentações como de sabores aditivos. Se o uso de aditivos não for permitido, como ficaria o mercado dos eletrônicos?
Para especialistas em saúde ouvidos pelo JOTA, essa situação reforça a necessidade de ampliação do debate. O que está em jogo, asseguram, vai muito além de uma discussão formal, mas de um aumento de risco para a população jovem do país. E isso vale para o cigarro tradicional e para dispositivos eletrônicos.
Os aditivos
Aprovada depois de longa discussão e audiências públicas, a resolução da Anvisa foi questionada na Justiça antes mesmo de entrar em vigor. Inicialmente, a Confederação Nacional da Indústria argumentou que a agência havia extrapolado suas atribuições e que, caso fosse colocada em prática, a proibição ameaçaria os rumos da indústria de fumo no país e, de quebra, aumentaria o desemprego.
A ação foi julgada em 2018 no Supremo Tribunal Federal e chamou a atenção por causa da extensão de seus reflexos. Estava em discussão na época não apenas o destino dos aditivos, mas também o próprio alcance regulatório da agência.
Na ocasião, ministros em peso afirmaram que, sim, a Anvisa poderia regular sobre produtos em geral, e isso incluía agrotóxicos, cosméticos e saneantes, além de medicamentos.
Na análise específica sobre aditivos, contudo, houve empate. Cinco dos ministros consideraram que a Anvisa extrapolava seu poder regulatório, uma vez que todos os produtos derivados do tabaco são classificados como fonte de risco à saúde. A proibição de aditivos, assim, não teria nem uma função cautelar ou emergencial.
Caráter técnico da Anvisa
A relatora do caso, ministra Rosa Weber, por sua vez, afirmava que a função regulatória das agências não poderia ser considerada inferior ou exterior à legislação, mas diferente, em virtude de seu caráter técnico.
Diante do empate, a decisão não teve efeito vinculante. Com isso, o desfecho de eventuais ações propostas ficaria a cargo dos juízes que fizessem a análise. A indefinição provocou uma corrida à Justiça.
A diretora jurídica da ACT Promoção da Saúde, Adriana Carvalho, estima que mais de 40 ações foram interpostas, com diferentes desfechos.
Um dos argumentos contrários à decisão da Anvisa é o de que não há uma lei dando respaldo para que a agência trate de aditivos. Carvalho, no entanto, cita a Convenção Quadro do Tabaco, que foi ratificada pelo Brasil e, desta forma, tem status de lei. A convenção traz um conjunto de regras com o intuito de prevenir e combater o tabagismo no mundo. “E entre os dispositivos está justamente a restrição do uso de aditivos. Na nossa avaliação, a Anvisa tinha não só o direito, mas o dever de regular”, completou Carvalho.
Recentemente, contudo, uma das decisões trouxe um alento para o setor que trabalha pela redução do tabagismo no país. “Estávamos num momento muito importante, com várias decisões na Justiça com parecer favorável à norma que havia sido editada pela Anvisa”, diz Carvalho. A diretora destaca uma decisão do TRF da 1ª Região, reconhecendo a posição da agência. “Nesse sentido, acreditamos que o momento do debate é muito favorável no STF para que a regra da agência seja reconhecida.” Algo que ganha corpo com o parecer da PGR da última semana de setembro.
Carvalho lista alguns indicadores considerados importantes. A iniciação no Brasil ao cigarro ocorre aos 16 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tabagismo uma doença pediátrica: 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 18. “Além disso, enquanto a prevalência de tabagismo está em 12%, os índices de experimentação entre jovens, mostram estudos, estão acima de 22%”, afirma.
Ela descarta o receio de que a discussão no STF se arraste. Enquanto perdurar a indefinição, aditivos seguem permitidos. “A decisão de Toffoli para que o Supremo tenha um entendimento único ocorre num momento em que vários entendimentos são favoráveis à Anvisa. Há uma grande possibilidade de que isso seja considerado”.
Não há previsão agora para a retomada do julgamento. Como já informado aos assinantes do JOTA PRO por Felipe Recondo, são poucas as chances de que uma definição ocorra ainda neste ano.
A coluna procurou a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), autora do pedido acatado por Toffoli para que processos sobre o tema fossem suspensos para evitar decisões com soluções divergentes. Não houve resposta até a publicação deste texto.