O governo enviou ao Congresso nesta quarta-feira (30) o Plano Plurianual (PPA), peça de caráter estratégico para o ciclo de orçamentos de 2024 a 2027. No novo modelo, entram em cena os chamados indicadores-chave nacionais (KNI), que servirão de referência para avaliar se o governo está caminhando na direção desejada.
No nível mais amplo, chamado Visão de Futuro, serão sete KNI. Entre eles está a taxa de desemprego. O cenário que o governo pretende perseguir é sair do nível de 9,25% verificado na média de 2022 para, no cenário desejável, que é o que se busca efetivamente, chegar a 6,63%. No chamado cenário-base, que é na verdade a banda inferior das metas estabelecidas no PPA e que não é o que governo vai buscar, a taxa de desemprego sobe para 10,73% na média de 2027.
Outro indicador-chave nacional é o PIB per capita, para o qual se espera um crescimento de 10,8% no período do PPA, uma média anual de expansão de 2,7%. O ritmo é bem acima da média verificada na última década, ainda que aquém do que se viu nos áureos tempos da segunda metade da década de 2000.
Há também três metas ligadas à pobreza e à desigualdade: taxa de extrema pobreza, razão entre as rendas dos 10% mais ricos e 40% mais pobres, e rendimento domiciliar per capita nas regiões. E outras duas metas nacionais ligadas à questão climática: emissão de gases de efeito estufa e desmatamento anual.
Voltando às metas econômicas do PPA, percebe-se que o governo busca um cenário ambicioso para a história recente do país. E essas metas, ainda que não impliquem nenhuma sanção caso não sejam alcançadas, apontam para onde o governo quer caminhar e como pode agir ao longo dos próximos anos.
A questão que surge naturalmente é se, mesmo com estímulos fiscais fortes como o deste ano e a retomada de políticas de demanda, essas metas seriam não só alcançáveis, como sustentáveis.
Economistas divergem sobre qual seria o PIB potencial (aquele crescimento não inflacionário), mas o próprio governo, mais otimista até por dever de ofício, trabalha com algo em torno de 2,5%, enquanto no mercado os números variam muito na faixa entre 1% e 2%. A meta proposta é ligeiramente acima do que o próprio governo enxerga como potencial. Ou seja, a se confirmar o cenário desejável do PPA, temos risco de a economia começar a mostrar desequilíbrio.
Esse alerta se reforça com o cenário de desemprego, o número desejável de 6,6% está bem fora do que o mercado estima como taxa neutra, aquela que não causaria pressões na economia.
O economista-sênior da LCA e pesquisador do FGV Ibre, Braulio Borges, que recentemente estudou o tema da taxa natural de desemprego do país, estima que esse indicador estaria hoje em 8,5% e era 9,5% antes da reforma trabalhista.
“Mesmo considerando alguma incerteza nessas estimativas de taxa natural, acho pouco provável que ela seja de 6,6%. A não ser que, em poucos anos, o mercado de trabalho brasileiro seja muito mais flexibilizado do que já foi com a reforma de 2017 e/ou que o estoque de capital humano da população ocupada dê um salto – dois eventos pouco prováveis”, explicou.
O economista salienta que uma taxa de desemprego efetiva como a ambicionada no PPA em 2027 seria mais compatível com uma economia superaquecida, tal como ocorreu em 2013/14, quando o país viveu o pleno emprego e a inflação começou a subir para o teto da meta. “O que significa dizer que não é uma situação de equilíbrio, sustentável. Provavelmente um desemprego de 6,6% seria acompanhado de inflação acima da meta, política monetária restritiva e, ainda, déficit em conta corrente crescente”, comentou Borges.
Ainda que tanto o PIB potencial como o desemprego natural sejam variáveis carregadas de dificuldades e incertezas, sujeita a uma série de vieses de avaliação a depender do economista que a projeta, é importante considerar esses conceitos.
Se o governo tenta tornar o PPA em algo mais do que um cumprimento de uma obrigação constitucional, então devemos levar a sério que os alvos considerados “desejáveis” no âmbito do programa serão efetivamente norteadores da política econômica. E isso deve ser levado em conta nas análises de longo prazo da sociedade.