Secretário de Saúde do Espírito Santo, o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Nésio Fernandes, defende a adoção de um plano decenal para o setor, a exemplo do que já existe em outras áreas, como educação. “Saúde sofre com a descontinuidade. Diversas políticas são iniciadas mas interrompidas antes mesmo de atingir a maturação”, disse, em entrevista ao JOTA.
Fernandes, que participa de reuniões com integrantes do grupo do governo de transição, afirma que seriam necessários R$ 8 bilhões para habilitações de serviços em 2023, para reduzir as filas de espera para diagnósticos e procedimentos. Ele diz ainda ser necessária a retomada do papel de coordenação por parte do Ministério da Saúde.
Leia aqui a série de entrevistas do JOTA sobre transição na saúde
Entendimentos com governo de transição
“Conass e Conasems prepararam um documento para ser entregue à equipe de transição, com diagnóstico da saúde e uma sistematização dos principais pontos a serem enfrentados. Um primeiro documento foi apresentado aos candidatos à presidência, mas o elevado grau de polarização política não permitiu um debate qualificado dos principais temas. A transição é o momento em que podemos fazer uma contribuição mais orgânica.”
As propostas
“É preciso garantir que metas sejam alcançadas independentemente de quem estiver na função de secretário ou ministro. Ter um plano com estratégias para garantir acesso, com metas e indicadores. E esse plano deve ser construído a partir de uma diagnóstico certeiro, que nos permita traçar expectativas realistas. Não vamos em um ano de governo solucionar todos os problemas de oncologia, por exemplo. Precisamos colocar aceleradores de partículas lineares de radioterapia, por exemplo, em todas as 115 macro regiões do país. Mas isso não se faz de uma só vez. Precisamos de um plano, com financiamento, com parceiros, editais. E tudo isso exige que se desenhem etapas, com metas e cronogramas definidos.”
Financiamento
“O sistema de saúde está em sua pior crise de subfinanciamento da história. O orçamento previsto para o próximo ano é inexequível, insuficiente para comportar os doentes atuais, muito menos para atender à demanda reprimida. Houve redução de mamografias, de cirurgias eletivas, de consultas e de exames. Além disso, temos uma desorganização das redes de acesso no país, agravada pela pandemia. Isso vai exigir que o Ministério da Saúde se reposicione diante de Estados e municípios. Por meio de pactuações, induzir políticas que qualifiquem o acesso e modernizem o sistema. Precisamos recuperar recursos. Em janeiro, deveríamos ter o equivalente a R$ 8 bilhões para habilitar serviços, de forma a garantir serviços represados.”
Revisão de políticas
“O atual governo adotou um federalismo de confrontação, não o de pactuação. Muitas medidas que não foram pactuadas com Estados e municípios foram publicadas pelo Ministério da Saúde. E outras, pactuadas, não foram publicadas. Isso traz uma fragilização muito grande. Não é uma posição inteligente do governo, porque políticas que não são pactuadas estão fadadas a não ter continuidade. Mais do que isso, são ilegais. Vamos entregar ao governo de transição uma lista das várias políticas que foram iniciadas sem a pactuação com Estados e municípios, para que elas sejam reavaliadas.”
Tabela SUS
“O financiamento de saúde pela produção é um modelo obsoleto, que não traz eficiência. Além disso, essa lógica mantém o subfinaciamento de alguns procedimentos. Para garantir o acesso e para ter estabilidade dos serviços é preciso redefinir o perfil dos hospitais, levando em consideração as regiões. É importante traçar o perfil assistencial, de forma que estabelecimentos tenham escala de produção, sejam responsabilizados pelo atendimento e também sejam avaliados. É preciso garantir que o paciente tenha atendimento certo, no local certo, no tempo adequado. E tal mudança é possível por meio do estímulo de contratos baseados em novas lógicas de contratualização.”
Experiência capixaba
“Adotamos essa lógica de contratualização em serviços do Espírito Santo. A metodologia é baseada em experiências da Espanha e Portugal e pode ser replicada em escala nacional. A partir do financiamento, é possível induzir a organização da rede de atenção, levando-se em consideração alguns aspecto, como evitar a sobreposição de hospitais do mesmo perfil, ter serviços em cada macroregião. Vincular hospitais à atenção básica e à média complexidade ambulatorial, ter serviço de apoio especializado, redes de referência. Aproximar, simplificar. Essa é uma ação estruturante que, coordenada pelo Ministério da Saúde, pactuada com Conass e Conasems, consegue em pouco tempo recompor as redes assistenciais.”
A retomada da vacinação
“Não se trata de mera barreira de acesso. Uma parcela importante da população deixou de acreditar na vacina ou na segurança da vacinação. É preciso retomar o trabalho de convencimento, de mobilização. E para isso é necessário o uso de diversas ferramentas, incluindo uma ação efetiva de comunicação e até mesmo atuação de órgãos de controle. O Ministério Público, por exemplo. Hoje vemos organizações dedicadas a difundir teses negacionistas, anticiência. É importante que essas organizações, que tanto desserviço prestam, sejam punidas, que a lei seja aplicada. Há outras medidas também relevantes, como a retomada de oferta, em alguns locais, do uso de vacinas em embalagens com apenas uma dose. Essas apresentações, mesmo que em menor quantidade, permitem que qualquer pessoa chegue na sala de vacinação possa ser imunizado, sem risco de perda”.