O brasilianista Brian Winter estuda a política na América Latina e no Brasil há mais de duas décadas e, atualmente, é editor-chefe da Americas Quarterly, uma publicação dedicada à discutir os negócios e a política na América Latina. Em todo esse tempo, disse nunca ter pensado que um dia veria o Brasil ter uma imagem negativa no exterior, como agora. As notícias de queimadas na Amazônia e de falas e atitudes do presidente da República Jair Bolsonaro, “que negou a ciência básica durante a pandemia e as lutas democráticas” foram alguns dos fatores que, para ele, contribuíram para o país chegar a este ponto.
Em entrevista ao JOTA, Winter analisa o cenário para as eleições de 2022. Opina que a reeleição de Bolsonaro parece improvável, afirma não ver caminho para uma vitória do ex-ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro e conclui que “há um caminho para um candidato da terceira via, mas é muito estreito”. Sobre a última cartada do presidente para reverter a rejeição e melhorar suas perspectivas eleitorais, o Auxílio Brasil, o brasilianista declara: “É uma armadilha fiscal clássica”.
Leia a íntegra da entrevista:
Como o senhor analisa a política brasileira hoje?
No clássico filme “Feitiço do Tempo”, de 1993, o protagonista, interpretado por Bill Murray, vive e revive o mesmo dia indefinidamente, preso em um ciclo que ele não pode quebrar. Essa é a sensação que tenho observando a política brasileira hoje: não importa o que alguém faça, o país está preso em um padrão de polarização severa, baixo nível econômico e aumento da pobreza e da desigualdade. Em uma base per capita, os brasileiros estão mais pobres do que há dez anos. Este não é apenas um problema de Jair Bolsonaro; é anterior a ele em vários anos.
O Brasil avançou ou retrocedeu no governo Bolsonaro? Por quê?
O mercado, incluindo muitos investidores estrangeiros, esperava que Bolsonaro fosse capaz de quebrar o ciclo de baixo crescimento ao trazer uma injeção de valores pró-negócios – cortando o tamanho do Estado e fazendo outras reformas. Mas, o mercado falhou em antecipar uma coisa: a bagunça. O governo Bolsonaro acabou sendo tão desorganizado, tão conflituoso, tão focado em questões culturais (como “ideologia de gênero”) e outras lutas, reais e imaginárias, que a maior parte da agenda de reforma econômica foi relegada à nona ou à décima prioridade, ou ignorada pelo Congresso. Este governo perdeu a janela de uma mudança real e é claro que agora está focado principalmente na reeleição. Está, portanto, movendo-se na direção oposta – engajando-se em um certo populismo fiscal. Como resultado, pode haver uma recessão em 2022, o que é totalmente contra a tendência global.
“É um governo que tentou intimidar seus críticos na sociedade civil, na mídia e nas universidades”
Quais os pontos negativos do governo Bolsonaro?
Além de suas falhas econômicas, este governo viu uma severa erosão na qualidade da democracia, com Bolsonaro guerreando constantemente e, muitas vezes desnecessariamente, com outros ramos do governo. É um governo que tentou intimidar seus críticos na sociedade civil, na mídia e nas universidades. A luta contra a corrupção sofreu vários reveses, especialmente porque Bolsonaro se aliou ao Centrão. A gestão ambiental é outro grande ponto fraco.
Quais os pontos positivos do governo Bolsonaro?
Embora o governo tenha falhado em muitos aspectos ao lidar com a pandemia, conseguiu colocar dinheiro nos bolsos dos brasileiros mais vulneráveis em 2020. Isso ajudou a evitar mais miséria e também fez da economia do Brasil a que menos encolheu na América Latina por causa do Covid-19. A administração de empresas estatais, como a Petrobras, melhorou, e há vários ministros que merecem respeito no exterior, entre eles Teresa Cristina e Tarcísio Gomes de Freitas, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Como o senhor vê as chances de Bolsonaro de vencer a eleição de 2022?
Falta muito tempo. Quem sabe como estará o mundo em outubro de 2022? Vai surgir uma nova variante da Covid-19? A economia da China se recuperará ou continuará suas lutas recentes? O conflito de Washington com Pequim se deteriorará? O Brasil é especialmente sensível às tendências externas, como exportador de commodities. Mas, agora, acho que está parecendo muito incerto para Bolsonaro. Pelo que vejo nas pesquisas, parece que muitos brasileiros concluíram que ele é incompetente e não confiável – que ele falhou em protegê-los durante a pandemia e que milhares de pessoas desnecessariamente morreram, especialmente em 2021. Talvez uma recuperação econômica ainda pudesse salvá-lo. Mas, se você olhar as previsões, isso (a reeleição) agora parece improvável, pelo menos por enquanto.
E como vê as chances de Lula vencer?
Lula é, claramente, o favorito para vencer. O que o mundo quer saber é: qual Lula vamos ver? Aquele que liderou um governo bom e economicamente equilibrado, especialmente em seu primeiro mandato? Ou uma figura fiscalmente incoerente, mais populista, que acredita que o Estado é a solução para tudo? Que terá a intenção de vingança contra os inimigos que o mandaram para a prisão? Honestamente, não tenho certeza. Muitos de meus amigos da mídia e do espaço acadêmico brasileiros parecem convencidos de que veremos o retorno do “Lula moderado”, mas isso pode ser ilusório. A grande questão para mim é: quem virá com ele no governo? Quem formará sua equipe? Se são pessoas como Gleisi Hoffman, tudo bem, a decisão é dele. Mas, não acho que seja compatível com o velho “Lulinha paz e amor”.
“Lula é, claramente, o favorito para vencer. O que o mundo quer saber é: qual Lula vamos ver?”
Como vê uma possível candidatura de Sergio Moro e suas chances?
Posso estar errado, mas não vejo caminho para a vitória do Sergio Moro se ele se candidatar à Presidência. Sim, ele mantém uma base fiel de torcedores, mas seus números negativos estão entre os mais altos do que qualquer figura no Brasil.
Para o senhor, uma terceira via teria chances na eleição de 2022?
Há um caminho para um candidato da terceira via, mas é muito, muito estreito. As pesquisas sugerem que envolveria passar Bolsonaro por uma vaga no segundo turno, já que a vaga de Lula parece garantida. Então, você tem que se perguntar: quem poderia tirar votos suficientes do Bolsonaro para chegar lá? Quem poderia convencer os eleitores conservadores a abandonar o presidente?
Bolsonaro vai criar o Auxílio Brasil para substituir o Bolsa Família. Quais efeitos isso pode ter na eleição?
Minha opinião sobre isso mudou no último mês. Eu pensava antes que, sim, ao aumentar o pagamento do Bolsa Família, Bolsonaro poderia essencialmente comprar apoio entre os segmentos mais pobres da sociedade. Vamos ser honestos, isso já aconteceu antes. Mas, a deterioração da inflação e dos números fiscais e a resultante crise de confiança entre os investidores pode ter tornado isso impossível. Por quê? Porque agora o Banco Central terá que aumentar drasticamente as taxas de juros para compensar, o que terá um efeito terrível sobre o consumo. Então, você está dando algo aos brasileiros com uma mão e tirando com a outra. É uma armadilha fiscal clássica.
Bolsonaro contestou a credibilidade do modelo eleitoral brasileiro, como Trump fez antes de sua eleição. O senhor acredita que acontecerá no Brasil o que ocorreu nos EUA, em caso de derrota do presidente em 2022?
Sim, estou muito preocupado com a possibilidade de uma crise institucional e/ou eleição contestada no Brasil. Acredito que os Bolsonaros estão determinados a evitar os chamados “erros” que eles acreditam que Trump cometeu em 2020. Eles acreditam que Trump não foi agressivo o suficiente. Portanto, sob o conselho de pessoas como Steve Bannon, eles estão tentando colocar apoiadores leais em posições-chave de poder, caso precisem contestar o resultado da eleição. Acho que Bolsonaro fará tudo o que estiver ao seu alcance para evitar entregar o poder – especialmente se for para Lula.
“Acho que Bolsonaro fará tudo o que estiver ao seu alcance para evitar entregar o poder – especialmente se for para Lula”
Como está a imagem do Brasil no exterior na sua opinião?
Dez anos atrás, quando eu morava no Brasil, eu falava do país e sempre fazia as pessoas sorrirem. Claro que o Brasil tinha muitos problemas na época, mas a imagem era positiva. Hoje, especialmente em lugares progressistas como Nova York, onde moro agora, a reação ao Brasil não é um sorriso, mas um olhar carrancudo ou confuso: “O que está acontecendo lá embaixo? É louco!”. Talvez tudo isso seja um pouco injusto. Há muito mais no Brasil do que Bolsonaro, e as pessoas ainda são algumas das mais legais do mundo, na minha humilde e tendenciosa opinião. Mas, nunca pensei que veria o dia em que o Brasil teria uma imagem negativa. As coisas mudam.
O que mais contribuiu para a imagem do país no exterior ter piorado?
Não é um segredo: a Amazônia e um presidente que negou a ciência básica durante a pandemia e as lutas democráticas. É claro que há uma parte do mundo que concorda com o bolsonarismo, e os apoiadores de Trump nos Estados Unidos são provavelmente o maior bloco. Mas o número de líderes mundiais alinhados com Bolsonaro têm caído.