Empreender no Brasil não é tarefa fácil, principalmente para setores com elevados custos operacionais e dependentes da importação de produtos do exterior. Esse é o caso da aviação civil.
Uma prática comercial bastante utilizada em todo o mundo é o arrendamento de aeronaves. Para alugar um Boeing 737-800 novo (um dos modelos mais utilizados no Brasil) em 2006, uma companhia precisava pagar mensalmente cerca de $ 300.000 dólares. À época, cotado em média a R$ 2,13, o valor equivalia R$ 639.000,00.
Em 2014, quando se prorrogaria o arrendamento, a aeronave já estava com 8 anos de uso e o aluguel caía para $ 250.000 dólares. Com a cotação em R$ 2,65, a conversão para o real elevava a quantia para R$ 662.500,00. Veja que se passou a pagar mais por um avião com 8 anos de uso do que por um novo.
Mas não se assuste, ainda. Em 2021, com o termo aditivo do contrato de arrendamento ainda vigente e a cotação do dólar em fevereiro a R$ 5,60, a companhia está pagando R$ 1.400.000,00 a título de aluguel de uma aeronave com 15 anos de uso.
Naturalmente, esse não é o único custo de uma companhia aérea. Para manter a segurança dos voos nos níveis exigidos pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), há um expressivo custo de manutenção, além da imobilização prolongada do avião para reparos. Isso sem falar em seguros, pessoal, taxas regulatórias e no preço do querosene de aviação (QAV) – também vinculado ao dólar –, cujo valor por litro no Brasil é um dos mais caros do mundo.
Quando se fala em custo Brasil, entretanto, não se pode esquecer do impacto da tributação.
E nesse ponto destaca-se que a aviação civil foi vista ao longo das últimas décadas como um serviço essencial ao desenvolvimento econômico e social, sobretudo para um país com dimensões continentais como o nosso, sem investimentos em outros meios eficientes de transporte e má conservação de rodovias.
Assim, para garantir o fornecimento regular e seguro do serviço e viabilizar a ampliação da oferta, diferentes governos adotaram política tributária específica para o setor aéreo. Isso, de fato, contribuiu para tornar as viagens aéreas mais acessíveis nos últimos anos, bem como colocar o Brasil entre os países com a maior segurança na aviação, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR)[1].
Uma vez que as peças e os aviões em sua maioria são importados, esse segmento econômico tão relevante também é alcançado por regras próprias do comércio internacional, como o acordo GATT, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 1.355/1994. Esse pacto impossibilita o tratamento diferenciado entre produtos nacionais e importados.
Contrariando essa política legislativa extremamente importante para o desenvolvimento econômico, um ano após a edição da Lei nº 12.844/2013, a Fazenda Nacional passou a adotar interpretação no sentido de que o adicional de alíquota de 1% da COFINS-Importação, previsto no art. 8º, §21, da Lei nº 10.865/2004, seria devido nas operações de importação de aeronaves, suas partes e peças, mesmo que o legislador não tenha promovido nenhuma alteração no §12, VI e VII, que reduziu a zero as referidas alíquotas. Do mesmo modo, não houve revogação pelo Poder Executivo do Decreto nº 5.171/2004 que regulamentou a redução da alíquota.
Essa cobrança de tributo por via interpretativa, além de violar a regra básica do direito segundo a qual a norma geral posterior não revoga a norma especial (art. 2º, §2º, da LINDB), contraria o acordo GATT. Isso porque no mercado interno as mesmas operações continuam sujeitas à alíquota zero, nos termos do art. 28, IV, da Lei nª 10.865/2004.
Frisa-se que a exigência do adicional ocorreu após a edição do Parecer Normativo COSIT nº 10/14. Nesse sentido, é importante frisar que a cobrança de tributo em decorrência da interpretação de normas é extremamente maléfica ao ambiente de negócios uma vez que afasta a necessária segurança jurídica e legalidade em matéria tributária.
A controvérsia atualmente está com o Judiciário. Nos Tribunais Regionais Federais há divergência de entendimento sobre o tema. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ) estão pendentes de julgamento dezenas de recursos de contribuintes e da Fazenda Nacional.
Embora já tenha rechaçado a mesma pretensão da Fazenda Nacional em caso relativo à importação de produtos farmacêuticos, ainda não houve uma discussão aprofundada sobre a cobrança do adicional de alíquota no setor de aviação civil. É importante lembrar que a controvérsia não está relacionada com o julgamento do RE 1.178.310/PR pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de Repercussão Geral, no qual se assentou a constitucionalidade do referido adicional da COFINS-Importação.
A nova onda da pandemia de Covid-19 neste início de 2021 é um fator que também contribui para o debate iniciado em 2014. A aviação civil é um dos setores mais atingidos pelas medidas de combate ao coronavírus. Mesmo impedidas de voar ou com redução do número de passageiros, os custos operacionais com aluguéis e manutenção de aeronaves continuam a ponto de muitas companhias venderem as aeronaves de sua propriedade e arrendá-las (sale and lease back) para obter fluxo de caixa e alongar os compromissos financeiros.
A história recente da aviação civil brasileira deixa bem nítida a sua importância para a tão esperada retomada econômica após o controle da pandemia. De fato, a ampliação e o fortalecimento desse segmento econômico reflete em diversos outros.
Assim, a atenção dos tribunais para essas circunstâncias é essencial para obstar a pretensão de cobrar tributo como resultado de interpretação de normas que, em seu conjunto, não permitem tal conclusão.
[1] http://panorama.abear.com.br/dados-e-estatisticas/seguranca/. Acesso em 25/03/2021.