O professor <a href="mailto: kambos@gwdg.de">Kai Ambos</a> é catedrático de Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Comparado e Direito Penal Internacional na <a href="http://www.department-ambos.uni-goettingen.de/index.php/2014-10-03-12-43-12/rilg-prof-dr-dr-h-c-kai-ambos">Georg-August-Universität Göttingen</a> (Alemanha) e Diretor do Centro de Estudos de Direito Penal e Processual Penal Latino-americano (CEDPAL) da mesma Universidade.
Magistrado do Tribunal Superior de Braunschweig, ele conta, por exemplo, que já existe uma competência antecipada da Corte Penal Internacional sobre a Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, com base em outro instrumento jurídico e relata as intenções de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina.
Essa entrevista foi originalmente publicada na revista <a href="http://www.dandc.eu/de">“Entwicklung und Zusammenarbeit” / “Development and Cooperation”</a>. A tradução para o espanhol foi feita por Diego Reis, estudante do mestrado e candidato para doutorado na Georg-August-Universität Göttingen. Leia abaixo.
[caption id="attachment_3737" align="aligncenter" width="300"]<img class="size-medium wp-image-3737" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/01/ambos4-300x158.jpg" alt="Professor Kai Ambos (Divulgação)" width="300" height="158" /> Professor Kai Ambos (Divulgação)[/caption]
&nbsp;
O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, anunciou que os territórios palestinos serão parte do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) a partir de 1 de abril. Isso é definitivo?
Sim, porque cada Estado tem o direito de aderir ao TPI, e as autoridades palestinas levaram a cabo tal decisão. Era incerto apenas se seria reconhecido o caráter estatal dos territórios palestinos. No entanto, este foi o caso, desde a correspondente Resolução da Assembleia Geral da ONU de 4 de dezembro de 2012; por isso não é de causar surpresa a decisão de Ban Ki-moon. 1 de abril é a data de entrada em vigor da adesão, segundo o art. 126, parágrafo 2, do Estatuto do TPI.
Então, a Corte Penal Internacional terá competência a partir de 1 de abril sobre a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém oriental?
Sim, mas existe uma competência antecipada, com base em outro instrumento jurídico. Em 31 de dezembro de 2014, o presidente palestino Mahmud Abbas aceitou a competência do Tribunal a partir de uma declaração ad-hoc, em conformidade com o art. 12, parágrafo 3, do Estatuto – com efeito retroativo até 13 de junho de 2014, para o território palestino ocupado, incluindo Jerusalém Oriental. Tal fundamentação retroativa de competência é reconhecida na prática contínua do TPI. Essa possibilidade também foi utilizada por outros Estados, a exemplo da Costa do Marfim. Com isso, o TPI é também competente para a última guerra de Gaza.
O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, expressou de forma veemente sua oposição à adesão dos palestinos ao TPI. Ele teme que os israelenses venham a ser condenados?
Para isso faltaria ainda um longo caminho. Primeiro, seriam necessárias investigações preliminares. Depois, uma investigação formal, com a identificação de suspeitos e, em seguida, sua entrega à Corte. Inclusive, se se chegasse a esse ponto, Israel argumentaria seguramente que a intervenção do TPI não seria necessária em absoluto, já que possui uma justiça militar que funciona. Nesse mesmo sentido argumentam também os britânicos, com relação às denúncias de tortura dirigidas a seus soldados durante a Guerra do Iraque. Resta claro que o conflito do Oriente Médio, com a competência do TPI, passa a ter uma nova dimensão jurídica, que pode também nos afetar, do ponto de vista das obrigações de cooperação já existentes com o TPI.
É certo tratar-se de crime de guerra o fato de construir assentamentos em território ocupado como a Palestina?
Em princípio, o direito internacional humanitário proíbe que uma potência ocupante estabeleça ou produza fatos permanentes no território ocupado. Sobre essa base, o Estatuto de Roma qualifica como um crime de guerra o “traslado” de sua própria população civil ao território ocupado (Art. 8, parágrafo 2 (b) (viii)). Agora, a respeito da situação concreta nos territórios palestinos, os assentamentos estáveis que existem ali não são, obviamente, um acampamento qualquer, pois possuem uma completa infraestrutura, respaldada pela potência ocupante numa variedade de formas, tais como a proteção militar, fornecimento de água e, inclusive, isenção de impostos. Entretanto, cabe assinalar que a competência do TPI não se estende ao período anterior a 13 de junho de 2014. Assim, o TPI só pode investigar a construção de assentamentos posteriores. Disso se depreende que – se prosseguir no mesmo passo a construção de assentamentos – o Procurador do TPI poderá argumentar, daqui a alguns anos, que existe um padrão de assentamento nos moldes do crime de guerra mencionado e poderá iniciar as respectivas investigações. Por certo que existem, com vista à recente guerra de Gaza, casos mais evidentes sobre os quais recai uma suspeita de crimes de guerra; basta pensar no assassinato de crianças e nas destruições massivas.
Os palestinos também têm algo com o que se preocupar?
Evidentemente. A Procuradoria do TPI deve atuar objetivamente e investigar em todas as direções. Por exemplo, os ataques com foguetes do Hamas contra zonas residenciais israelenses podem ser julgados como crimes de guerra. Precisamente por essa razão foi também bastante polêmica entre os mesmos palestinos a decisão de aceitar a competência do TPI. As forças radicais eram contra, por razões óbvias.
Qual é a motivação de Abbas?
Creio que a paciência do povo palestino e do seu governo está chegando ao fim por causa da tática dilatória do atual governo israelense. Eles desejam utilizar os mecanismos jurídicos internacionais vigentes e multilaterais, frente aos quais a adesão ao Estatuto do TPI é apenas uma de uma série de medidas. A Autoridade Palestina também se uniu a outros convênios e instituições internacionais – como, por exemplo, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Por certo, o TPI tem um significado especial, o que explica a exaltação dos israelenses e seus aliados. No entanto, do ponto de vista legal, é algo natural, ou seja, uma declaração de vontade juridicamente vinculante de um novo sujeito de direito internacional recentemente reconhecido, que obviamente quer por à prova sua capacidade de ação. Tal direito é uma expressão da soberania desse novo Estado e, portanto, não pode ser negado por ninguém.
Netanyahu gostaria de fazer isso, evidentemente.
Sua atitude é muito problemática. Como sanção decorrente da política de Abbas, Israel reteve impostos arrecadados que correspondem à Autoridade Palestina. Isso demonstra, em minha opinião, que o governo israelense não reconhece o princípio de igualdade que implica a existência de um Estado palestino, pois ninguém pode, como acabei de dizer, negar a outro Estado a tomada de decisões soberanas com vista a acordos e instituições multilaterais. Se Netanyahu reconhecesse os palestinos como membros em igualdade de condições, como exige o direito internacional, teria que entender isso. Não me convence, simplesmente, que o atual governo israelense queira negar aos palestinos a possibilidade de resolver o conflito com os meios do direito internacional. Isso é, sem dúvida, muito melhor que a opção militar preferida pelos palestinos radicais, e Israel poderia inclusive beneficiar-se disso, com vista à persecução de crimes de guerra palestinos.
Recentemente o TPI teve que encerrar algumas investigações contra o presidente queniano Uhuru Kenyatta por crimes violentos em conexão com os distúrbios depois das eleições. Os observadores têm considerado isso como um grave retrocesso. Fortalece o TPI a adesão dos territórios palestinos?
Eu não sobrevaloraria isso. É certo que a Procuradoria pode provar agora que ela pode iniciar investigações contra partes que contam com o apoio de uma superpotência, como os Estados Unidos. A situação, por certo, não é fácil para a Procuradoria. Ela tem que fundamentar muito bem cada decisão – se opta a favor ou contra uma investigação –; nunca poderá satisfazer ambas as partes do conflito. Em qualquer caso, a investigação deve ser profissional, apolítica e orientada aos fatos; assim poderia melhorar a reputação geral do TPI.

brushstroke flag Palestine

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

O que significa a adesão dos territórios palestinos ao TPI

Professor Kai Ambos explica