Desde 2016 no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Miriam Denise Xavier se considera uma conselheira com “mente cartesiana” em relação ao entendimento das leis, em suas decisões. Ela integra a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção de Julgamento.
Apesar do método pragmático adotado na leitura da legislação que, segundo avalia, não permite “mais de uma possibilidade” de interpretação, pondera que o rigor legal pode causar injustiças na cobrança de tributos.
“Acho que difícil mesmo nem é interpretar a lei, mas avaliar o caso concreto e as provas apresentadas. Tomar a decisão de aceitá-las ou não. Às vezes, o rigor legal pode nos levar a cometer injustiças. Especialmente em casos de julgamento de imposto sobre a renda de pessoas físicas, em que as situações que se apresentam nos levam a ter empatia com o contribuinte”, pontua.
Mineira de Belo Horizonte, Miriam cita o exemplo de um contribuinte que se viu prejudicado na cobrança do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) por ter Alzheimer. Ele não descreveu o nominalmente o nome da doença, além de a lei se referir à alienação mental para conceder a isenção.
A conselheira revela que a própria experiência familiar foi levada em consideração no julgamento, deixando de lado o rigor da legislação.
“Tenho uma irmã diagnosticada com Alzheimer e não preciso de formação na área de saúde para concluir que se trata de alienação mental. Assim, dei provimento ao recurso voluntário e considerei os rendimentos isentos”, lembra.
- +JOTA: Laércio Cruz Uliana Junior: impacto de julgamento influencia no interesse público
- +JOTA:Jeferson Teodorovicz: ‘É premissa do Carf dar igual atenção a todo processo’
Assim, Mirian entende que o Estado precisa gerar receitas para proporcionar o bem-estar social, contudo avalia que a cobrança dos impostos “deve estar limitada aos contornos das leis tributárias, evitando-se uma atitude desvairada por parte do Poder Público com o fito de aumentar a arrecadação”.
- +JOTA: Vanessa Cecconello: Carf dá segurança jurídica para estabilidade das relações
- +JOTA: Processo administrativo de 14 anos foi encerrado no Carf depois de um email
Ficha-técnica
Nome: Miriam Denise Xavier
Formação: Bacharel em Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Direito e Ciências Atuariais.
Alma matter: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG).
Vida acadêmica: Mestre em Otimização pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1995.
Origem da indicação: Fisco
Time do coração ou hobby: Meu hobby é jogar vôlei, esporte que pratico desde a juventude e pretendo continuar até os 100 anos. Além de exercitar, tenho o vôlei como uma terapia, pois, durante os treinos e coletivos, o foco é a bola, esqueço-me da rotina, dos problemas e preocupações.
Posso dizer que outro hobby é lecionar. Sou professora universitária há mais de 25 anos. Lecionei nos cursos de graduação em Engenharia Elétrica, Ciências Atuariais e ainda leciono no curso de Direito da PUC/MG, na graduação e pós-graduação. Tenho imenso prazer em ensinar e repassar aos meus alunos (e meus filhos) o conhecimento técnico adquirido e também estimulá-los a ter uma visão crítica da sociedade em que vivemos, colaborando também com a sua formação humana
- +JOTA: Junia Roberta Sampaio: Judiciário não oferece a mesma segurança técnica do Carf
- +JOTA: Fernando Brasil de Oliveira Pinto: Estado ainda necessita ser mais evidente no Brasil
As decisões da conselheira
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
No meu terceiro mandato como Conselheira no Carf, diria que sempre há um voto inovador. Sempre aparece um assunto diferente, que merece estudo e especial atenção.
Acredito que tenha sido inovador os votos que proferi em julgamentos de Imposto Territorial Rural (ITR), nos quais há necessidade de apreciação de Laudo Técnico para determinação de áreas e avaliação do Valor da Terra Nua (VTN).
Nesses casos, observo que frequentemente o tratamento estatístico e a amostra utilizada deixam a desejar. Talvez devido à minha formação nas áreas de Engenharia e Atuária me permitem avaliar os elementos apresentados nos laudos. Cito como exemplo o Acórdão 2401-007.227. Entendo como inovador não na tese jurídica, mas na avaliação técnica dos laudos apresentados.
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
Acredito que tenha sido o caso tratado no Acórdão 2401-004.939, em 2017, no qual foi discutido se os valores depositados pela empresa em contas de previdência complementar aberta, para trabalhadores específicos, são considerados salário de contribuição para fins de apuração de contribuição previdenciária. No caso, tive oportunidade de discorrer sobre o que é um Plano de Previdência Complementar, a necessidade de formação de reservas e observância da Constituição Federal e da Lei Complementar 109/01.
Quanto ao mérito discutido, neguei provimento ao recurso voluntário e fui acompanhada por seis dos demais conselheiros, o que me surpreendeu. Considero o caso importante porque além de convencer o colegiado em uma situação peculiar, meu voto passou a ser citado por outros conselheiros de outras turmas em casos semelhantes.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
Formar convicção não é tarefa fácil. A minha mente cartesiana não me permite interpretar as leis com mais de uma possibilidade. Acho que difícil mesmo nem é interpretar a lei, mas avaliar o caso concreto e as provas apresentadas. Tomar a decisão de aceitá-las ou não. Às vezes, o rigor legal pode nos levar a cometer injustiças. Especialmente em casos de julgamento de imposto sobre a renda de pessoas físicas, em que as situações que se apresentam nos levam a ter empatia com o contribuinte.
Poderia citar o julgamento de isenção por moléstia grave, o Acórdão 2401-005.754, no qual dois excelentes colegas, representantes da Fazenda, não concordaram com a minha tese. Tratava-se de Alzheimer, o laudo citava o número da Classificação Internacional da Doença (CID), mas não descrevia nominalmente o nome da doença e a lei se refere a alienação mental. Tenho uma irmã diagnosticada com Alzheimer e não preciso de formação na área de saúde para concluir que se trata de alienação mental. Assim, dei provimento ao recurso voluntário e considerei os rendimentos isentos.
- +JOTA: Matheus Soares Leite: meu trabalho não é mais importante que o de outras pessoas
- +JOTA: Estado tem o dever de simplificar a vida do cidadão, diz Daniel Ribeiro Silva
- +JOTA: Luiz Eduardo de Oliveira Santos: Carf não deve criar ou adotar novas teses jurídicas
Qual foi o caso em que a decisão teve mais força para pacificar uma discussão?
Pacificar uma discussão também não é tarefa fácil. Acredito que minha opinião ganha força nos casos em que a minha formação acadêmica e experiência de quase vinte anos na Receita Federal do Brasil (RFB) me permite compreender melhor os procedimentos.
Poderia citar as decisões mais recentes da minha turma, após a revogação da Súmula CARF nº 119, que trata do comparativo da multa em lançamentos com exigência de contribuição previdenciária e multa por descumprimento da obrigação acessória de declarar os fatos geradores em GFIP. A matéria é controvertida e as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não avaliaram todas as hipóteses.
Manifestei-me por não trazermos a discussão para o Carf, pois é inócua. A RFB, quando da execução do Acórdão terá que adotar o posicionamento do STJ, conforme determinado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), sendo desnecessário discutir a matéria no Carf. O entendimento foi acatado por todos os conselheiros da turma. Posso citar como exemplo o Acórdão 2401-009.840.
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
Ser vencido no julgamento pode nos levar a refletir sobre a matéria e até a rever posições. Por outro lado, há situações nas quais não me conformo. Cito o Acórdão 2401-007.187, no qual a fraude era explícita, mas foi dado provimento ao recurso voluntário, beneficiando o contribuinte.
Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Neste momento, não vislumbro uma matéria que ainda não tenha sido discutida e que me chame a atenção para o caso.
- +JOTA: Carf contribui para o desenvolvimento da sociedade, diz Tatiana Migiyama
- +JOTA: Wesley Rocha: Carf muitas vezes é responsável por inaugurar discussões tributárias
Visão de mundo de Míriam Denise Xavier
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?
O Estado tem o papel de legislar, administrar e julgar. Seu objetivo maior, a meu ver, é promover o bem-estar social. Para que o Estado promova referido bem-estar, precisa de políticas públicas que diminuam a desigualdade social, proporcione aos cidadãos segurança, saúde, educação, enfim, os direitos previstos na CF/88, art. 5º. Para tanto, é necessário arrecadar.
Contudo, a arrecadação dos tributos deve estar limitada aos contornos das leis tributárias, evitando-se uma atitude desvairada por parte do Poder Público com o fito de aumentar a arrecadação.
Assim, os conselheiros do Carf cumprem um papel importante para o desenvolvimento da nação, no sentido de proporcionar a segurança jurídica em matéria tributária, provendo o Estado de recursos para desempenhar sua função, sem, contudo, lesar os contribuintes ou não lhes dar tratamento equânime.
Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?
Nós, julgadores administrativos, somos obrigados a adotar as teses do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) com reconhecimento de repercussão geral ou na sistemática dos recursos repetitivos, respectivamente.
Por óbvio, respeito as decisões dos ilustres ministros e sou obrigada a adotá-las. Mas, nem sempre concordo com o raciocínio desenvolvido, a exemplo da recente decisão que excluiu da base de incidência do IRPF os juros moratórios recebidos em ações trabalhistas. Os argumentos não me convenceram. Paciência!
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
Inspiram-me as pessoas inteligentes, politizadas, estudiosas e sensíveis! Pessoalmente, inspirou-me meu pai, pela sua honestidade; minha mãe, pela valentia; meus irmãos, pela solidariedade. Meus filhos, claro, meu grande desafio. Meu companheiro, maravilhoso, antenado, atualizado, que me mantém informada de tudo o que acontece, com direito a resenha e crítica.
Profissionalmente, meus mestres, os colegas de trabalho e após o ingresso no Carf, os queridos conselheiros da minha turma, meus amigos, e os sábios presidentes das turmas ordinárias da 2ª Seção, pela troca e discussão das matérias mais controvertidas. Eles me ajudam muito e nossas discussões são riquíssimas.
Tenho que citar o ex-conselheiro da minha turma Cleberson Alex Friess, com seu conhecimento e didática invejáveis. Ele, para mim, foi uma verdadeira escola e considero, inclusive, que me tornei mais sensível aos apelos dos contribuintes graças aos seis anos de convívio (em que pese eu não concordar sempre com ele).
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
Livros! Quase não dá tempo para lê-los. Diria que meus livros de consulta constante são a Constituição, o Código Tributário Nacional (CTN), as leis, o Processo Administrativo Fiscal (PAF) etc. Tenho um livro na minha mesa de cabeceira: “Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência”, do Leandro Pausen.