O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo feito entre o estado do Paraná e o banco Itaú sobre a dívida do estado com a instituição financeira. Com isso, o processo será extinto, as ações da Companhia Paranaense de Energia (Copel) não serão executadas como garantia e, a princípio, não há mais esse embaraço jurídico para a privatização da estatal.
A conciliação foi capitaneada pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski, e a homologação do acordo foi um dos últimos atos praticados por ele antes da sua aposentadoria, marcada para 11 de abril. A discussão ocorreu no ARE 1291514.
O acordo deverá ser homologado mesmo após o pedido de vista do ministro André Mendonça no fim da noite de segunda-feira (10/4). Há entendimento, a partir do artigo 932, do Código de Processo Civil, de que o acordo produz efeitos desde a homologação feita pelo relator, sem a necessidade da anuência dos demais ministros.
Além disso, já havia maioria formada a favor do acordo com os votos do relator, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso se declararam suspeitos.
A íntegra do acordo firmado ainda não está pública, mas um julgamento em plenário virtual foi chamado de forma extraordinária para que os demais ministros se manifestassem. De acordo com informações obtidas pelo JOTA, o estado do Paraná deve pagar R$ 1,7 bilhão pela dívida com o Itaú e o pagamento não será via precatórios. A execução se dará nos próximos 2 anos.
De acordo com informações do governo do Paraná, a dívida inicial era de R$ 4,5 bilhões e, durante a negociação, o valor caiu cerca de 62%.
O banco Itaú emitiu um fato relevante aos seus acionistas em que explica que o estado do Paraná pagará o valor de R$ 1,7 bilhão em três parcelas ao longo dos próximos dois anos. À medida que os pagamentos forem ocorrendo, a instituição financeira irá liberar o gravame sobre as ações da Copel.
O Itaú informou ainda que liberará as ações necessárias para a realização da eventual oferta pública de ações da Copel, tanto que a última parcela do pagamento será antecipada caso a oferta ocorra durante o exercício de 2023, “hipótese na qual o valor total do acordo terá sido pago dentro de 12 meses a contar de sua homologação”, diz o comunicado.
Entenda o caso
O imbróglio se estende na Justiça desde 2004. No entanto, a questão começou quando o governo do Paraná fez uma operação de crédito junto ao Banestado, na época, de controle estatal. A garantia oferecida foram as ações da empresa pública também pertencente ao estado, a energética Copel. O contrato firmado entre o estado e o banco estatal ocorreu em 1998, com base na Lei Estadual 11.253/1995, a qual autorizava o Poder Executivo dar em caução ou oferecer como garantia de operações de crédito, financiamentos e operações de qualquer natureza, ações da Copel.
A privatização do Banestado ocorreu em seguida e, em 2000, o banco estatal foi adquirido pelo Itaú Unibanco S/A, na época por R$ 1,625 bilhão, o que representa um ágio de 303,2% em relação ao preço fixado pelo governo do Paraná, que era de R$ 403 milhões. Dessa forma, o valor a ser pago pela dívida é similar ao que o Itaú pagou pelo Banestado há mais de 20 anos.
Como o estado do Paraná não realiza o pagamento da dívida desde 2002, o Itaú resolveu executar as garantias e ter acesso às ações da Copel, sob o argumento de que o crédito possui garantia real — as ações da energética — e não deve ser pago por meio de precatórios. Segundo informações contidas nos autos, em 2005, o valor da dívida do estado do Paraná com o Itaú era de R$ 705.957.369,08. Nesses quase 20 anos de ação judicial, o valor sofreu correções.
Porém, a Justiça estadual do Paraná entendeu que a operação de execução direta do Itaú dando direito às ações da Copel era irregular. O entendimento é que as ações da empresa não podem passar dessa forma para o ente privado, seria uma espécie de “privatização” sem seguir os trâmites legais. A Justiça tem entendido ainda que a existência de um contrato de garantia real das ações da Copel não afasta o Itaú do regime de precatórios, sob o risco de quebrar as regras de isonomia entre os credores e desrespeito aos princípios e regras do sistema orçamentário.
No entanto, o Itaú contesta o entendimento judicial e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que a garantia real permite a relativização da fila dos precatórios. No entanto, o STJ observou que há questões constitucionais que precisam ser resolvidas no Supremo Tribunal Federal. Por isso, atualmente o imbróglio foi parar nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski. Havia um esforço do ministro para tentar resolver a situação antes da aposentadoria e evitar que uma mudança de relatoria atrasasse ainda mais a conciliação.
Durante as negociações, o estado do Paraná alegou que era necessário ter dinheiro em caixa para quitar a dívida com o Itaú e evitar qualquer execução das ações da Copel. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado de 2023, o estado chegou a separar R$ 8 bilhões para tentar resolver a questão.
Um ponto importante para que ocorresse a conciliação foi o acordo do ICMS dos combustíveis feito por Gilmar Mendes. Os procuradores do Paraná alegavam que sem a decisão sobre o tributo não havia certeza das verbas disponíveis em 2023 para, então, poder provisionar o pagamento ao Itaú. Inclusive, o estado do Paraná aprovou projeto de lei aumentando a alíquota modal (padrão) do ICMS para 19% — antes era 18%.