Privatização da Sabesp

Sabesp: PGR discorda do poder de Tarcísio de Freitas nas decisões sobre municípios

Tema é importante porque interessa a eventuais compradores uma menor pulverização das decisões

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e a secretária de Infraestrutura do estado, Natália Resende / Crédito: Rogério Cassimiro/ Governo do Estado do SP

Uma semana depois da aprovação da lei que autoriza a privatização da Sabesp, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que concorda com um dos argumentos da oposição ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) em uma ação judicial que tenta interferir nas futuras negociações.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.470, de autoria de PT e PSOL, não trata da lei em si, contestada em outros processos, mas de um decreto de agosto que estabelece o peso decisório do estado e dos municípios nas Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAEs).

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É um tema importante, porque a eventuais compradores interessa uma menor pulverização das decisões. No desenho estabelecido por Tarcísio no Decreto 67.880/2023, os votos somados do governo do estado e do município de São Paulo chegam a 56% do peso da URAE 1, que reúne a região atendida pela Sabesp. Isso deixa os outros 369 municípios e a sociedade civil em clara minoria.

“Concentrar poder decisório ao alvedrio de apenas um ou dois entes federativos no âmbito das unidades regionais de saneamento básico resulta tanto em afronta abstrata à autonomia dos outros municípios dela integrantes, quanto pode ensejar que sejam proferidos atos concretos dentro da mesma unidade amplamente favoráveis aos entes com maior poder de decisão”, diz o parecer, assinado pela procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos.

A secretária de Infraestrutura de São Paulo, Natália Resende, disse na tarde desta quarta-feira (13/12) ao JOTA que pretende prestar informações complementares ao STF depois da manifestação da PGR.

“Tem um equívoco de entendimento em relação ao cálculo. E aí é uma preocupação nossa em relação ao saneamento como um todo. O estado é 37% [dos votos], 57% os municípios e 6% a sociedade civil. Se entenderem que esse peso do estado de 37% é abusivo, vai ter uma série de inconstitucionalidades”, disse a secretária, dizendo que SP tem o menor peso em URAEs, comparado a outors estados.

O peso do estado chegou a 37% a partir de uma previsão do decreto de Tarcísio que deu ao governo a atribuição de voto referente a 50% do peso da população das regiões metropolitanas. A oposição contestou esse poder, argumentando que na prática acaba havendo uma infração do direito dos municípios, que legalmente são os titulares do serviço de saneamento.

A Advocacia-Geral da União já tinha se manifestado na ADI no mesmo sentido da PGR, concordando com os argumentos de PT e PSOL quanto a essa divisão de votos, embora haja divergências em torno de outros pedidos, como a contestação ao prazo para adesão às URAEs.

A esperança da oposição era que André Mendonça concedesse uma liminar sobre o caso antes da votação da semana passada. A expectativa era alimentada por rumores de rusgas recentes entre o ministro do STF e Tarcísio, que foram colegas no ministério de Bolsonaro. Mendonça defendeu o nome do advogado Maxwell Borges de Moura Vieira para uma vaga no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), mas Tarcísio pediu a deputados votos para Marco Bertaiolli, o candidato de Valdemar Costa Neto e Gilberto Kassab, que acabou se tornando conselheiro. Indicações para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) também teriam desagradado ao ministro.

Mas Mendonça deu todos os sinais de que não retaliaria com uma intervenção no processo político. Pediu manifestações aos atores interessados e não emitiu nenhuma decisão.

Com a manifestação da PGR, o líder da Federação PT/PCdoB/PV na Assembleia de SP diz esperar uma mudança. “Agora, nós esperamos uma decisão do ministro André Mendonça”, disse Paulo Fiorilo ao JOTA.

O peso de voto nas URAEs é só um dos temas que envolvem os municípios que precisam ser resolvidos antes de uma eventual privatização da Sabesp (ou “desestatização” como defende tecnicamente o governo).

Além da capital, outros 28 municípios têm leis que exigem aprovação das Câmaras para a manutenção do contrato em caso de privatização da Sabesp. A avaliação da secretária Natália Resende é de que o Novo Marco do Saneamento, lei federal aprovada em 2020, extinguiu essa obrigatoriedade.

Mas ela diz que haverá negociação com todos os municípios, com um anexo detalhando investimentos em cada um deles. E por isso expressa otimismo até na eventualidade de uma decisão do STF em favor da ADI sobre a URAE.

Para além dos aspectos estritamente legais, a secretária já teve o gosto da política local em uma audiência na Câmara Municipal de São Paulo, onde foi questionada duramente pela base e pela oposição em uma Comissão de Estudos sobre a privatização da Sabesp, que deve emitir um parecer apenas no início do próximo ano.

Uma situação diferente da maioria folgada que o governo mostrou na Assembleia na votação da Sabesp e uma mostra de que o caminho para a operação na bolsa passa pelos ministros do Supremo em Brasília, mas também pelos vereadores em São Paulo e dezenas de cidades.